Clarice Lispector na olhada de Mariana Valente

O abismo bonito que é ler Clarice

Considerada uma das escritoras mais aclamadas da literatura brasileira, Clarice Lispector é reconhecida por sua obra intimista. Hoje comemora-se o centenário de nascimento da autora, que além de romancista, contista e cronista, também foi tradutora, jornalista e pintora.
Mariana Valente criou uma colagem especial para o aniversário. (Foto: Nós Diario)
photo_camera Mariana Valente criou uma colagem especial para o aniversário. (Foto: Nós Diario)

Viver não é vivível. Terei que criar sobre a vida. E sem mentir. Criar sim, mentir não. Criar não é imaginação,é correr o grande risco de se ter a realidade. Entender é uma criação, meu único modo.
Clarice Lispector

No dia de hoje, 10 de dezembro, Clarice Lispector, a renomada escritora, completaria 100 anos de idade. Nascida em 1920, em Chechelnyk, na Ucrânia, naturalizou-se brasileira, ao ter migrado os pais para o país sendo ela ainda pequena. No decorrer de sua vida, Lispector ficou muito conhecida pelas suas histórias, romances e ensaios até o ponto de ser um lugar comum a ideia de que todo mundo, um dia na vida, já leu algo de Clarice Lispector. E se não leu, com certeza lerá. Morreu em 9 de dezembro 1977.

Lembramo-la hoje, neste seu centenário, desde a Galiza mas na olhada de sua neta, a artista Mariana Valente.

Em abril de 2017, o Instituto Moreira Salles publica uma entrevista com Mariana Valente a propósito da publicação do libro A mulher que matou os peixes. Nela, à pergunta de se há fronteiras entre a Mariana Valente leitora e a Mariana Valente neta de Clarice e qual veio primeiro, responde sem hesitar: “A neta, com certeza”. E isso a pesar de não ter conhecido pessoalmente a avó mas com a lembrança de que quando era mais nova e alguém descobria que era neta da Clarice, a pessoa se emocionava. “Eu não entendia.

Não a conheci pessoalmente, mas parecia que todos que a leram a conheceram profundamente. Então eu desconfiava que ler sua obra seria muito revelador. Como foi, e como é”.

Agora tudo está pronto para a comemoração oficial do centenário do seu nascimento a começar pela edição da sua obra completa, a cargo da editora Rocco, que detém os direitos de publicação. Mas nesta lembrança de Clarice neste texto vamos reparar só em três aproximações à sua vida e à obra através do olhar de sua neta, que reconhece o grande influxo que em sua obra tem Clarice:

“Ela é uma grande inspiração para mim no trabalho com colagem, porque sinto que ela tem essa habilidade de ressignificar a palavra na própria palavra, assim como tento fazer com as imagens”.

São três elementos exclusivos: um selo dos Correios, o Doodle comemorativo do seu 98 aniversário e a coleção de porcelanas da Vista Alegre. 

A habilidade de ressignificar a palavra no obxecto

A Vista Alegre é uma fábrica de porcelana portuguesa fundada em 1824, sendo a mais antiga da Península Ibérica. Em agosto de 2015 a Vista Alegre lançou a coleção “1+1= 1 Clarice Lispector”. Com apenas mil unidades numeradas e assinadas por Mariana.

No interior da peça a artista pintou uma expressiva frase citada na obra “Desamparada, te entrego tudo – para que faças disso uma coisa alegre” e um espelho colado permite a quem manusear a peça ter um encontro com seu reflexo.

"Foi o momento para experimentar a habilidade de ressignificar a palavra no objeto material: “O momento que eu escolhi (já adulta) para retomar A paixão segundo G.H. foi muito revelador para mim. Das experiências subjetivas mais doloridas e bonitas que vivi. Sinto que ela me ajudou a crescer através dos seus livros. Esse em especial foi motivo de muita investigação em análise! Tenho mais dificuldade de fazer um projeto que envolva minha avó, porque me emociono muito e fico frágil, e sinto enorme responsabilidade em encontrar uma forma de traduzir graficamente a sua obra”.

Para ilustrar o romance e decorar as peças de porcelana a autora recolhe três momentos reveladores da personagem principal do romance:

“O primeiro momento –preto e branco– é representado por elementos do maquinário urbano que caracterizam uma vida esquematizada e organizada. O segundo, fala de uma transição, na qual a colagem começa a ganhar cor. É quando a personagem, assustada, perde sua identidade. E o terceiro momento é onde G.H. acolhe corajosamente o que há de mais primitivo e possível de sua humanidade”.

Da Ucrânia ao Brasil

Foi em 2018, com ocasião do 98 aniversário de Clarice, que a Google a lembrou através de um Doodle, elaborado por sua neta. A artista iniciou o processo de criação procurando fotografias no acervo da família e recortando alguns livros com fotos e documentos de Clarice e sua trajetória: “Digitalizei algumas imagens e texturas e tive a ideia de mostrá-la saindo com a família lá da Ucrânia e chegando ao Brasil, começando a trabalhar como jornalista, e depois se direcionando para o próprio trabalho de escrita”, conta.

Para completar a arte a artista acrescentou dois selos: um do Brasil e outro do Jardim Botânico, “lugar que Clarice gostava muito”.

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