Escolas Semente vindicam o acervo educativo irmandinho no cem aniversário da Escola de Ensino Galego

Apolítica educativa assimilista principia com a inserçom do Reino da Galiza na órbita catelhano-leonesa, sendo registados os primeiros castigos ao alunado galego-falante em 1543 nas cátedras de Gramática e Canto de Tui, tal e como informa Carlos Callón no seu Libro negro da lingua galega (Edicións Xerais). Naquela altura, os moços galegos recebiam palmas, pérdida de pontos ou ficavam de joelhos por utilizarem o idioma próprio do país e, junto aos africanos, eram chamados de “bozales”, um termo utilizado para designar os escravos que nom sabiam utilizar o castelhano nas colónias, sendo submetidos às novas formas de dominaçom pedagógica, cultural e linguística. Quatro séculos depois, a ditadura de Primo de Rivera (1923-1930) afiança esta tendência histórica através dum programa de nacionalizaçom cultural e ideológica espanhola. Por uma parte, o Estado envia um importante destacamento de novos missioneiros às naçons sem Estado para culminar o programa histórico etnocida. Assim, segundo Paulí Dávila, nos primórdios do século XX o professorado estrangeiro na Galiza e Catalunha aproximava-se de 20 % e no País Basco atingia 61,8 % do total. Por outra parte, publicava-se uma Real Orden em 1925 para que os inspetores examinassem os livros de texto nas escolas e os retirassem das mãos das crianças “si no estuviesen escritos en español o contuviesen doctrinas de tendencia contrarias a la unidad de la Patria”. Em resposta a esta política jacobina, o diretor da secçom de Pedagogia do Seminário de Estudos Galegos e inspetor de ensino primário, Dias Roças, dirige-se em 1935, numas jornadas de extensom escolar ao professorado para avisar da “perniciosa influência que no normal desenvolvimento intelectual do neno tenhem as burlas de que pode ser objeto pola sua dificuldade de expressom na língua castelhana”. O inspetor era consciente da cicatriz que a discriminaçom linguística deixava inscrita no coraçom infantil, pois como dizia Castelao no Sempre em Galiza o neno perdia a expressom espontânea do pensamento e sofria um complexo de inferioridade que nom o abandonaria. Damos um novo salto no tempo até 2013, ano de publicaçom da obra Do estigma á estima (Edicións Xerais), de Valentina Formoso. O título é ilustrativo da sobrevivência deste genoestima induzido secularmente, no entanto a publicaçom deste livro nom provocará a convocatória de nenhum gabinete de crise do governo galego. Tampouco serám suficientes os testemunhos recolhidos por Miguel R. Carnota no seu livro Lingua, Poder e Adolescencia (Edicións Xerais), publicado em 2022, como aquele de Amaro, um rapaz que explica como lhe continuárom a chamar “fala-galego”, inclusive depois de ter renunciado a empregá-lo para poder integrar-se. Lamentavelmente, apesar da melhora nas atitudes linguísticas das últimas décadas, a utilizaçom do idioma próprio do país por parte da mocidade continua a ser um estigma que pode acarretar violência dos pares e também de parte do professorado, declara o autor deste trabalho imprescindível. Vozes críticas contra a escola estatal “antigalega” Com a fundaçom das Irmandades da Fala, em 1916, vai aumentar notavelmente a vindicaçom duma presença dignificadora para o galego no âmbito educativo, cuja origem podemos datar no S.XVIII, com o posicionamento de ilustrados como Sarmiento, quem se perguntava: “¿Qué fatuidad es que al niño gallego se le enseñe una lengua innota en lengua castellana que no entiende?”. As Irmandades vam denunciar as insuficiências duma escola estatal centralista e precária material e humanamente, nomeadamente para o alunado do rural e para as nenas, que padeciam uma taxa de analfabetismo que quase duplicava à masculina, concretamente perto de 60,3%, segundo Sabela Rivas. Através de diferentes órgaos de prensa, entre os que salientam Estudios Gallegos e A Nosa Terra, propiciará-se um debate público a prol da galeguizaçom educativa no qual participarám referentes intelectuais do galeguismo. Vicente Risco, denuncia o carácter “antigalego e despersonalizador” do ensino estatal. Na mesma linha, intervem Maria Barbeito, exigindo a formaçom em língua galega do corpo docente assim como a criaçom duma cadeira de galego nas Escolas Normais. Por sua vez, o inspector Rogélio Peres (Roxerius) alerta da distância entre a escola e o meio cultural no que se inscreve e, entre outros, o psicólogo e filósofo Vicente Viqueira desaprova o memorismo, a precária formaçom do professorado e a ausência do idioma próprio no ensino. Nos dias que correm ainda ressoa o eco daquelas denúncias. O sistema educativo público, apesar do grande esforço realizado polo professorado, os movimentos de renovaçom pedagógica, as Ampas, as assembleias de estudantes e o sindicalismo soberanista, continua a ser um fator de desgaleguizaçom segundo a Academia Galega. Nas cidades, 92% do ensino infantil desenvolve-se só em língua castelhana; no ensino primário o galego está proibido no âmbito científico-técnico e no Secundário, ademais do veto sinalado, detectam-se níveis competenciais baixos em galego já que 30% das moças/os de menos de 20 anos tem dificuldades para se expressar oralmente e por escrito. No ensino universitário, apesar de ser o galego o idioma considerado como próprio das três instituiçons e de possuírem regulamentos para a sua proteçom e promoçom, os dados som apavorantes. Segundo Fernando Ramallo, a docência em galego na UDC é de 13 %, na Uvigo é de 23,8 % e na USC é de 24,3 %. Perante esta realidade, o Conselho da Europa, atendendo ao quinto informe sobre o grau de cumprimento por parte do Estado espanhol da Carta Europeia de Línguas Regionais e Minoritárias, instou em 2021 à Junta da Galiza a eliminar as limitaçons do ensino em galego. Nada mudou desde aquela altura nas instâncias governamentais autonómicas, cuja política autárquica fica de costas a Europa e à ciência, mas sim existe uma maior conscientizaçom e mobilizaçom popular na defesa dos nossos direitos coletivos, tal e como demonstra a expansom das Escolas de Ensino Galego Semente. Soberania para construir a Escola Nacional Galega As Irmandades, ao situarem o conflito linguístico, cultural e educativo na sua dimensom sociopolítica, eram conscientes da necessidade de avançar no exercício da soberania educativa para impulsionar a construçom da Escola Nacional Galega. Desta maneira, era fulcral instaurar um Estado Galego dentro duma Federaçom Ibérica com plenas competências a nível educativo. As irmandades eram conscientes da necessidade de avançar no exercício da soberania educativa A Asemblea Nazonalista das Irmandades, decorrida em Lugo em 1918, situava como uma das faculdades do Poder Galego o educativo, com estas palavras: “A potestade docente do Estado actual pasará enteira ó Poder Galego”. Com este fim, o projeto educativo irmandinho vai nutrir-se das achegas de Vicente Viqueira que, em Nosos problema educativos (1918) e Pensamentos pr´a unha Universidade Galega (1921), compom o mais avançado, lúcido e articulado discurso do nacionalismo no primeiro terço do século XX, segundo Antón Costa. Junto a esta achega, soma-se o Plan pedagóxico para a galeguización das escolas (1921) de Vicente Risco, realizado a pedido da II Asemblea Nazonalista decorrida no mesmo ano. A edificaçom da soberania educativa, no entanto, nom se limitará à intervençom no campo institucional, pois o horizonte irmandinho da Escola Nacional nom encontrava acomodo numa conceiçom administrativista do serviço escolar. Ao contrário, como assinala Vázquez Souza, vai-se realizar um esforço por galeguizar o conjunto do sistema educativo, com independência do regime legal que tiver. Deste jeito, Vicente Viqueira cita em 1917 as escolas privadas como “um bom terreno para o galeguismo” e Vicente Risco apela em 1931 à necessidade de galeguizar as “escolas particulares”, entre as que se encontravam as fundadas polas sociedades de instruçom americanas. Na mesma linha, abrem o caminho à iniciativa educativa popular da mão da fundaçom da Escola de Ensino Galego, como já figeram previamente os bascos com as Ikastolas e os cataláns com a fundaçom da Associació Protectora de l'Ensenyança Catalana, cujos centros seriam visitados por Federico Zamora, vice-presidente das Irmandades herculinas em 1923. A Escola de Ensino Galego As portas da Escola de Ensino Galego abrem o dia 23 de abril de 1924 no número 17 da Praça Maria Pita, atual sede da Fundaçom Paideia. A iniciativa liderada por bultos da cultura e da política como Ánxel Casal, Elvira Bao, Leandro Carré ou Maria Miramontes, entre outras irmandinhas e irmandinhos, procurava “cuidar da educaçom dos que vinherem para cimentar a Galiza do porvir” fazendo da escola, em palavras de Vicente Viqueira, o “lar da Galiza”. Uma casa do povo que devia ser acolhedora nom apenas para a língua do País, mas também para a sua História, Geografia e as diversas Artes que conformam a cultura nacional com a finalidade de que as futuras geraçons continuassem nutrindo-a “sem influências alheias” e para que soubessem pola sua história “das aldragens e das perseguiçons das que fora vítima”. O centro educativo funciona de 1924 a 1930. Por ele passam por volta de cem discentes, tendo como mestres a Ánxel Casal e Manuel Luís Acunha. Elvira Bao seria eleita docente da secçom feminina, mas a falta de matrícula impossibilitaria o início da atividade académica. O magistério irmandinho opunha-se ao tradicional ensino memorístico, doutrinador e dogmático, propondo uma educaçom guiada pola luz do conhecimento científico, o pensamento livre e uma orientaçom humanística como alavanca de progresso social, cultural e económico. A escola é visitada por referentes culturais e políticos como Vilar Ponte, Lesta Meis, Castelao, Outeiro Pedraio ou Soares Picalho. Entre os estudantes que frequentárom as aulas salientam os nomes dos irmaos Codesal, os irmaos Galám Calvete, Júlio Pita, Fernando Soares e Jenaro Marinhas. A obscuridade da ditadura franquista apagaria as vidas duma esforçada e comprometida geraçom com o seu extermínio físico, exílio e silêncio, mas nom a memória que hoje vive nas Escolas Semente. Semente, a Escola de Ensino Galego do século XXI O projeto educativo da Semente toma o nome do empreendimento educativo irmandinho pois considera-se herdeiro dos seus valores educativos e dos seus fins: a construçom da Escola Nacional Galega. Em 2011, funda-se a primeira escola graças à iniciativa popular organizada no C.S. A Gentalha do Pichel, dando lugar a uma rede associativa, sem ânimo de lucro, que promove uma educaçom autocentrada, multilíngue, inclusiva, laica e renovadora pedagogicamente. Na última década, graças ao trabalho colaborativo e solidário de centos de pessoas, o modelo Semente consolidou-se como uma iniciativa educativa de referência orientada ao desenvolvimento integral das futuras geraçons, contribuindo assim para a construçom duma sociedade mais justa, intercultural e democrática. Por obra da iniciativa social, as futuras geraçons poderám descobrir o mundo sem renunciarem à sua identidade, demonstrando que todas as culturas importam, forem elas grandes ou pequenas, e que nom é preciso abandonar o idioma próprio para adquirir novas e diversas línguas. A Semente, movida polos ventos da esperança e do amor polo próprio, espalhou-se por todo o País devido à rede associativa que conformam os centros sociais autogeridos. O projeto conta com seis centros educativos em Neda, Corunha, Compostela, Vigo, Lugo e Ourense, dando serviço a alunado escolarizado no Ensino Infantil (2-6 anos) e Primário (6-12 anos). Como as Bressolas na Catalunha Norte ou as Ikastolas no País Basco, a Galiza virou numa naçom mais da Europa que constrói o futuro da sua língua e da sua cultura através da auto-organizaçom popular, aspirando a ser, como enunciara Ánxel Casal há um século, “o vértice onde convirjam todos os galegos que desejam sinceramente o bem-estar da Pátria”. Celebraçom do cem aniversário da Escola de Ensino Galego A Semente promoveu no passado 23 de abril, com a colaboraçom do Concelho da Corunha e o apoio de dez coletivos sociais e culturais, a instalaçom duma placa comemorativa na sede da escola irmandinha, no nº 17 da praça Maria Pita. A entidade publicou no mesmo dia a web escolairmandinha.semente.gal para divulgar o seu legado educativo com recursos audiovisuais, folhetos, unidades didáticas e artigos científicos. O ato foi apresentado por Xurxo Souto, contou com a participaçom da alcaidesa, Inés Rei García, do coordenador das Escolas de Ensino Galego Semente, Santiago Quiroga Garcia, e do Catedrático de História da Educaçom Antón Costa Rico. A celebraçom foi acompanhada musicalmente por Cántigas da Terra e contou com passeios dramatizados por parte do grupo Os Quinquilláns para as mais de cem crianças da Semente que assistírom. Ánxel Casal e Elvira Bao, docentes da Escola de Ensino Galego Ánxel Casal. Político, editor, fundador das Irmandades, do Partido Galeguista e da Escola de Ensino Galego. Os seus alunos destacárom o seu “bom quefazer pedagógico e o carácter comunicativo, compreensivo e agarimoso”. Fundou as editoras Lar –com Leandro Carré- e Nós, chegando a publicar os cem melhores livros da literatura galega do seu tempo. Foi assassinado polo fascismo, sendo alcaide de Compostela, em agosto de 1936. Elvira Bao. Mestra, diretora das Colónias escolares de Santa Maria de Oça, membro da diretiva das Irmandades, do Conservatório Nacional de Arte Galega, do Partido Galeguista e da Agrupaçom Republicana Feminina. Depois do golpe fascista, passou meses no cárcere e foi depurada do magistério. Como consequência, fundou uma escola em Sam Roque de Fora onde praticou um ensino humanístico, em língua galega, coeducativo e acessível para as classes populares.