Mário Ramires, diretor do i e do Sol

"Acreditamos muito na informação própria"

[Imaxe: Cedida] Mário Ramires

 

Conversamos com Mário Ramires, diretor dos meios portugueses i e do Sol, sobre jornalismo. Uma entrevista sobre o rol dos distintos espaços de comunicação, desde o digital até o papel.

Em que contexto nasce o i?

 

Nasce no início do século, em 2004 e 2005, com um conjunto de jornalistas de referência, na altura do semanário Expresso, o José António Saraiva, o José António Lima, o Vítor Rainho e eu próprio. Portanto, dois diretores principais e um editor do caderno principal que era eu mais o editor da revista que era o Vítor resolvemos olhar um bocadinho para o mundo e ver o que estava a mudar em termos de comunicação. Reflectimos sobre o que era o Expresso e achámos que devia haver uma transformação naquilo que era a sua filosofia principal.

 

Sentiram que o Expresso limitava essa transformação?

 

Era uma máquina e uma estrutura demasiado grande para se poder inflectir. Era mais fácil fazer algo novo do que propriamente estar a recuperar uma casa que tinha vícios, muita estrutura, muita mobília, muita coisa para mudar. É assim que nasce o Sol como um projecto semanário sendo o primeiro jornal português que nasce como multiplataforma. É semanário na sua edição impressa e diário na sua edição digital e online. Surgiu muito focado no digital. Sobretudo, na comunidade de bloggers, já que na altura havia muito a moda dos blogues.

 

Mais tarde aparece o i.

 

Sim, entretanto, em 2009, no tempo do governo de José Sócrates, de maioria absoluta, nasce o jornal diário i que surge também nesta tendência do novo jornalismo multiplataforma, também da especialização dos seus jornalistas em diversas áreas e temas e na sua capacidade de promover e escrever e produzir em multiplataforma para papel e para online. Aliás, o i foi o primeiro jornal a aparecer com os jornalistas a terem dois ecrãs para o online e para o papel. Essa realidade coincide também com a crise, a crise de 2008, depois, a entrada da troika, o aprofundamento da crise da chamada imprensa de papel que, no fundo, em Portugal e no mundo é da imprensa no seu todo. Ou seja, a crise não é só na imprensa em papel. A crise é da comunicação social e dos grupos de media no seu todo porque houve massificação, democratização e gratuitidade da informação. Hoje, têmo-la de uma forma tão extraordinária, tão rápida, tão directa que se coloca aos meios como sobreviver no actual mercado. Ora, essa é no fundo, a história deste novo grupo, o Newplex, que junta o i e o Sol. Os accionistas que tinham entrado na Newshold, empresa que detinha anteriormente o i e o Sol, resolveram sair e fechar os jornais. O capital era maioritariamente angolano.

 

História um bocado rocambolesca…

 

Não foi muito rocambolesca. Os outros jornais é que fizeram disto uma novela. Porque nós ainda temos muito complexos em relação a capital angolano, brasileiro... mais até angolano do que brasileiro ou moçambicano. Há muito esse preconceito. Nesta área de negócio. Noutras áreas não há.

 

Acha que é um complexo pós-colonial?

 

É, ainda há muito esse complexo. Acho que a relação Portugal-Angola ainda hoje vive alguns momentos conturbados. Como nos casos de Portugal-Brasil como Portugal-Moçambique, já passou tempo suficiente para podermos dar um salto e para que a comunidade de língua oficial portuguesa, a chamada Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) possa ser mais do que um simples acordo de intenções entre Estados porque há muito para dar. Há um Oceano Atlântico onde a comunidade de língua portuguesa pode ter um papel absolutamente essencial na geopolítica mundial e na alteração de equilíbrios.

 

O i foi o primeiro jornal a aparecer com os jornalistas a terem dois ecrãs para o online e para o papel

 

Onde pode caber também a Galiza.

 

Onde pode caber também a Galiza, sim. É mais um actor que aumenta essa linha absolutamente vital para as rotas mundiais que é o Atlântico e que pode ser um marco na geopolítica mundial. Olhando para o globo faz todo o sentido. E a comunidade da CPLP é uma coisa insípida que não passa de uma associação de países com a mera intenção de partilhar uma língua comum sem tirar daí algum proveito. Não sabe tirar e devia saber. Aí, a comunicação social e projectos como o i e o Sol, e como pode ser o caso do semanário galego [por Sermos Galiza], tem um papel muito importante. Hoje temos muita informação, temos demasiada informação, um miúdo de seis, sete anos, tem informação do outro lado do mundo, o que era impensável há uns anos, da mesma forma que temos a água como um bem demasiado barato, quase gratuito, e não se dá o devido valor. Mas em cada vez que perder qualidade, as pessoas vão ter de pagar por isso e vão arrepender-se de não lhe terem dado o devido valor.

 

Acha que se valoriza pouco o papel da imprensa?

 

Muito pouco, valoriza-se demasiado pouco. Tão pouco que o mercado tem coisas perfeitamente anómalas como por exemplo a história de se dizer que com a internet a informação é toda gratuita e que a internet vem matar os jornais. A televisão não veio matar a rádio, a rádio reinventou-se. Diziam que o cinema ia matar o teatro e ainda cá está. Obviamente que os jornais tiveram que se reinventar e adaptar e se olharmos para todo o mundo, se olharmos para todos os sites referenciais na internet, o que é mais credível, qual é o rand que têm associado? O papel. Cá, em Espanha, na Galiza, nos Estados Unidos ou em Inglaterra. Todos os sites de informação mais credível, mais vistos, são de jornais, marcas em papel. Porquê? Porque são os únicos que não se editam. Uma vez publicados não se mudam. Na televisão, podemos mudar, na rádio edita-se o som e na internet as notícias até desaparecem ou promovem-se fake news. No jornal em papel não. Há uma marca de credibilidade que fica.

 

O i sai cinco dias por semana e o Sol ao sábado.

 

O i sai de segunda a sexta e o Sol sai no sábado. São duas marcas que permitem duas filosofias editoriais diferentes na sua génese, na sua matriz.

 

Conseguem manter a diferenciação apesar da redacção ser a mesma?

 

Conseguimos porque apesar de a redacção ser a mesma o chip não pode ser o mesmo porque os directores executivos que estão associados à sua feitura também não são os mesmos e também há uma intervenção maior do director naquilo que é a edição semanal. Há uma intervenção maior dos executivos naquilo que são as edições diárias e isso faz com que haja duas filosofias.

 

A crise não é só na imprensa em papel, é da comunicação social e dos grupos de media no seu todo

 

E como se inserem no panorama jornalístico português?

 

O mercado não está para aturar jornais independentes, não tolera jornais que não estejam associados a interesses. Ao longo dos últimos anos, a concentração vertical em grandes grupos de comunicação tolera muito mal a concorrência. Em Portugal, há um mercado pequeno cada vez mais concentrado e a verdade é que temos cada vez mais grandes grupos com estruturas e hiperestruturas que não são de todo viáveis o que faz com que o mercado se sature. Os jornais conseguiriam hoje com estruturas adequadas e com os seus meios mais do que suficientes fazer jornalismo à antiga. De fontes, de especialização e qualificada. Não precisamos de meios com 200 jornalistas.

 

O jornalismo apoiado sobretudo em agências diminui a independência?

 

O i e o Sol não recorrem a agências. Porque se o fizessemos andavamos todos a fazer o mesmo e para além de andarmos a fazer o mesmo estariamos meramente a servir de mensageiros. O jornalista não deve ser um serviço de correio nem um intermediário nem um depositário de informação das agências nem das agendas ditadas por outros. Foi engraçado porque os jornalistas desta casa perguntavam como iam trabalhar sem agências. Ora, na rua. Acreditamos muito na informação própria e diferenciada. Queremos investir na procura de informação.

 

A concentração a que se refere põe em perigo a democracia?

 

Põe. Sabe porquê? Não porque não haja liberdade de expressão mas a situação com este tipo de mercado é completamente perversa, onde os grandes grupos estão feitos com as grandes agências de publicidade e circula tudo em torno do mesmo. Eu sou o único accionista destes dois jornais e não tenho nenhum outro interesse que não seja este negócio da informação e o mercado não o valoriza. Na realidade o que devia importar não são os shareholders, são os stakeholders. São aqueles que viabilizam os jornais e esses sim é que o deviam condicionar. Ou seja, os leitores. Quando os jornais deixam de depender da venda aos leitores e passam a depender da publicidade e de quem lá investe é um problema. Já viu alguém investir para que digam mal deles próprios? Ou para que ponham em causa os interesses dessa empresa? E é isto põe tudo em causa. Há liberdade de expressão mas há cada vez menos liberdade de informação. E o público tem de ter essa noção porque se o público não pagar por boa informação vai perdê-la.

 

Que é mais credível? O papel. Cá, em Espanha, na Galiza, nos Estados Unidos ou em Inglaterra

 

Há a possibilidade de os dois jornais virem a ser pagos online?

 

Isso era o que faria sentido mas só se todos o fizessem porque, quando não o fazem todos, quem o faz está automaticamente excluído. Mas não deixamos de parte essa possibilidade. A verdade é que somos vetados, os grandes grupos fecham-nos as portas, as próprias agências condenam-nos. Eu não fabrico audiências. Os outros fabricam. O jornalismo sério, de referência e independente é vendável. Mas o mercado está contra ele. E só é viável se souber fazer o regresso às raízes usando todas as ferramentas que temos disponíveis hoje. A internet não é só uma ameaça para os jornais impressas é igualmente uma ferramenta fantástica que nos pode pôr em pé de igualdade até com televisões e outras estruturas com que podemos concorrer e não podíamos antes. Temos é de ter jornalistas capazes de fazer isso. De se especializarem. É preciso gente qualificada, com espírito de missão de informar. O jornalismo tem futuro, há é que fazer jornalismo.

 

Acha que se mantêm os mesmos objectivos e valores fundadores do i e do Sol?

 

Vão mudando. O Sol mantém-se mais fiel por ter a mesma linha condutora em termos de fundadores. O i mudou um pouco mas procurámos manter as pessoas-chave, a Ana Sá Lopes e o Nuno Ramos de Almeida, por exemplo. E continuamos a ter muito boas referências nas redes sociais. Ganhámos em 2009 o prémio de melhor grafismo da península e as capas do i continuam a ser referência.

 

Por que não transpor o grafismo do papel para o online no caso do i?

 

É necessario investimento. Tenho muita pena porque o facto de sermos independentes tem uma vantagem: fazemos bom jornalismo. Mas também tem uma desvantagem: não nos permite investimento. É extraordinário levarmos dois anos e sete meses neste novo modelo empresarial sem termos ninguém interessado em investir. É estranho.

 

Há cerca de cem anos, por esta altura, houve um grande aumento do preço do papel e morreram muitos jornais.

 

Exactamente. E é impressionante. Podemos dizer que os jornais estão com os dias contados. Mas onde é que está a informação? O que é que marca a informação das rádios? O que é que marca a informação das televisões? São os jornais. É neles que está a informação pura e dura. Toda a comunicação social está em transformação e o mercado português é pequeno enquanto que o mercado da CPLP é gigantesco. Há jornais franceses e ingleses a ultrapassarem-nos em informação sobre Angola e Brasil, por exemplo. Devíamos ter projectos com dimensão para o fazer e também em inglês e francês. Precisamos de meios para descobrir novos mercados. Uma coisa é certa. Há títulos a mais e informação independente a menos.

 

[Este artigo foi publicado no monográfico especial sobre medios de comunicación editado por Sermos Galiza S.A. con motivo do 17 de maio baixo o título "A necesidade de O Diario Galego"]