Palavra em acovilho

Xela Arias foi poeta única, singular. Ela mesma afirmava não ter geração. Cresceu-se como poeta sozinha, fora dos mapas, além da escrita, nos fanzines e nas performances e nos festivais de poesia. É certo, foi a sua uma obra intemperiada, deitada ao mundo e submetida ao frio do abandono. Porém há quem soube construir para ela, para Xela Arias, para a sua obra, uma casota onde se refugiar, uma cabana onde se guardar da chuva, do vento e da incompreensão. Xelarias, palabra à intemperie / Textos de Enma Pedreira - Ilustrações de Laura Romero / Baia Edições / 2021 / 13 euros O primeiro, combinar artes, como a poeta fazia. Não podemos ler os textos de Emma Pedreira sem o acompanhamento das ilustrações de Laura Romero. Cortar e colar. Procurar a imagem, cortá-la e colocá-la noutro lugar. Algo assim como um sequestro. Um sequestro com síndrome de Estocolmo, que faria feliz à sequestrada. Podemos jogar a reconhecer as capas das obras de Xela Arias, as tipografias dos títulos, o seu corpo fotografado, nas colagens que elaborou Laura Romero para esta obra. E podemos reconhecer os versos, as rotundidades em entrevistas, os fragmentos de palestras, como enxertos nos textos de Emma Pedreira. Ou os textos de Enma pedreira como enxerto nos poemas de Xela Arias. É impossível explicar a poesia. Não podemos pretender iluminar cada verso até lhe mostrar as costuras. E menos outorgar ordem e unidade a aquilo que nasceu da creba. A língua não tem ossos que poder soldar. Nem a poesia. Acerta, por tanto, Emma Pedreira ao não elaborar um mapa de seguimento da obra de Xela Arias, uma guia de leitura que nos leve às marcas de fundo de cada livro, ao significado certeiro de cada verso. Não. O que fazem Emma Pedreira e Laura Romero, a meias, é criar um artefacto dentro do qual, ou colado como rémora na pele exterior, baleia oceánide, caiba qualquer verso, qualquer trecho da obra de Xela Arias. As autoras escolhem uns versos, umas imagens, mas bem podiam escolher outros que também teriam encontrado o seu espaço no livro. Ao afã explicativo deste tipo de encomendas, elas arrepõem as perguntas: como é unha poeta no colégio? Que sente unha poeta quando diz de si intemperiada? E perante as respostas únicas e absolutas priorizam o todas as anteriores são corretas. Xelarias, palabra à intemperie, é um convite para entrarmos na casota de refugalhos construída por Xela Arias, sentarmos, e como Alicias, bebermos o chá com calma, mergulhadas na sua obra. Que flor para Xela Arias?, perguntam-se as autoras. Este livro.