O PS realizará un gigantesco corte do gasto público por valor de 50.000 milhões de euros

Governo francês anunciou um plano de economias de 50 mil milhões de euros, onde 40% desse valor será retirado do sistema de proteção social.

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photo_camera Valls, durante un acto público


Um esqueleto a mais no mausoléu socialista das promessas sem futuro: um plano de poupanças de 50 mil milhões de euros, onde 40% desse valor será retirado do sistema de proteção social. Essa medida colocou a última rosa murcha nas escassas ilusões que restavam. A reviravolta do que se chama quase como uma piada ou um eufemismo de “esquerda francesa” responde aos imperativos fixados pela União Europeia em matéria de redução de déficit. Este plano, que também inclui o congelamento de salários dos funcionários públicos e das pensões de reforma, fraturou a maioria socialista na Assembleia Nacional. Um grupo de 100 parlamentares socialistas escreveu ao primeiro ministro Manuel Valls para denunciar o que consideram um “plano perigoso economicamente” que “acarretará retrocessos sociais e perturbações em serviços públicos essenciais”.

O plano de cortes socialista é histórico, na medida do engano de que são vítimas aqueles que votaram há dois anos por uma política totalmente diferente da que é aplicada hoje. O presidente François Hollande navegou por dois mares distintos: começou o seu mandato em 2012 com um pacote tributário e conservando quase intacta a despesa social. Dois anos depois, procurou na caixa social a diferença que faltava para cumprir com o limite do déficit imposto pela Comissão Europeia (3%). Quando apresentou o seu plano, o chefe do Executivo assinalou que era preciso dizer a verdade aos franceses: “não é a Europa que nos impõe suas escolhas, mas sim a nossa despesa pública que equivale a 57% do PIB”.

A herança deixada por três presidências consecutivas da direita é abismal, sobretudo a última, de Nicolas Sarkozy. Mas o socialismo francês desmanchou todo o andaime de expectativas que havia consolidado e que o levou à vitória em 2012.

Valls: a austeridade equivale à soberania

O primeiro ministro disse que a austeridade era uma questão de “soberania”, mas a frase soa como uma zombaria em relação aos eleitores. No momento em que Manuel Valls ousava fazer essa comparação, ou seja, a austeridade equivale à soberania, Paris encontrava-se sob a ameaça do grande reitor liberal que é a Comissão Europeia. Bruxelas pressiona a França para que apure o passo das reformas e respeite os planos negociados a fim de cumprir a agenda de um déficit máximo de 3% em 2015. A França fechou 2013 com um déficit de 4,3% do PIB, um desemprego de 11% e uma dívida de 98% do PIB.

Alguns meios perguntam-se com certa ironia se, além de querer cumprir a todo custo a austeridade europeia, Hollande não se propôs também a destruir o PS e a esquerda em seu conjunto.

François Hollande apresentou-se como o Cavaleiro Vermelho da Europa, o homem que ia renovar a social democracia mundial, fazer frente à chanceler alemã Angela Merkel e combater com capa e espada os dogmatismos bíblicos da União Europeia, que só jura pela Deusa Austeridade. O grande reformulador acabou por revelar-se um continuísta que, em apenas dois anos, tocou o fundo da impopularidade, perdeu de modo estrondoso as eleições municipais deste ano, viu o desemprego crescer como marés rebeldes e teve que mudar de primeiro ministro. O congelamento das reformas e das chamadas prestações sociais é um pesadelo para a esquerda parlamentar que se se sente totalmente enganada.

Reviravolta liberal

Esses 50 mil milhões de euros cortados seguramente financiarão outra medida, o Pacto de Responsabilidade, destinado às empresas. Este mecanismo prevê reduzir o custo dos impostos sociais para as empresas em troca da manutenção dos empregos. A perspectiva parece de um idealismo desmedido. A primeira coisa que fez o chefe do patronato francês, Pierre Gattaz, foi propor a redução ou a suspensão do salário mínimo para os jovens. A direita não tem muito o que dizer ante à nova carta socialista. Ficou muda com o espetáculo da reviravolta liberal adotada pelos socialistas. No entanto, na esquerda do PS a música é outra, ainda mais desde que os parlamentares descobriram pela televisão qual a rota fixada por Manuel Valls. A subtileza não escapa a ninguém: não se faz numa semana um plano como o de uma poupança de 50 mil milhões. O pacote já estava na mesa e só faltava armar o cenário para anunciá-lo.

Alguns meios de comunicação perguntam-se com certa ironia se, além de querer cumprir a todo custo a austeridade europeia, François Hollande não se propôs também a destruir o PS e a esquerda em seu conjunto.

O Executivo tinha prometido um “contrato” com os parlamentares socialistas, mas tampouco cumpriu essa promessa. Confirmado o voto de confiança para Valls, o “contrato” virou fumaça. O parlamentar socialista Arnaud Leroy disse sem rodeios: “foi um engano para conseguir a confiança”. Outro parlamentar, Christian Paul, confessa estar “estarrecido pela forma e pelo conteúdo”. Um grande sector do PS sente-se espoliado, sem direito a dizer nada e com a única obrigação de votar aquilo que a presidência determina.

A ironia é mais extensa. Como Espanha, Grécia, Itália e Portugal, a França, uma das potências da UE, montra de muitas conquistas sociais e de uma capacidade inata de negociação, está a ser governada por esse trio conhecido como Troika: Comissão Europeia, Banco Central Europeu e FMI. Trata-se do mesmo polvo que impôs a Espanha, Grécia, Itália e Portugal o seu plano para salvar o capitalismo e afundar a sociedade. Em resumo, a até agora, breve experiência socialista tem sido o caminho mais curto para chegar...ao clube liberal e às suas receitas universais de austeridade, reformas, ajustes e regressão social.

Artigo tirado de Carta Maior.

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