O futuro é Israel

Veio à tona o vídeo de uma reunião de Jair Bolsonaro com seu alto comando gravada em 2022, antes do primeiro turno da votação presidencial. Tratavam da inconfiabilidade do sistema eleitoral brasileiro e consequente necessidade de "fazer alguma coisa" antes das eleições para que o Brasil não virasse um caos. Com o cerco se fechando, o pastor neopentecostal Silas Malafaia marcou um ato contra a suposta perseguição judiciária ao ex-presidente para o dia 25/2. Entre declarações mansas de muitos políticos e do próprio Bolsonaro, com pedidos de anistia, o ato, na prática, informou aos postulantes das eleições municipais de 2024 que esta corrente é dona de votos e não está em vias de substituição. Com um público variando entre 185.000 e 850.000 pessoas, a depender do contador, o evento não parece capaz de mudar o atual cenário político-policial. É tácito que cerca de 20% da população se identifica plenamente com o dito "bolsonarismo". São pessoas radicalizadas que não apenas não se abalam com a conduta golpista do ex-presidente, mas se reconfortam nela: "O capitão tentou". Imprimiram maior ímpeto os pastores e a esposa de Bolsonaro, Michele, que abriu o microfone com uma oração: "Por um bom tempo, fomos negligentes a ponto de dizer que não poderiam misturar política com religião. E o mal ocupou espaço. Chegou o momento, agora, da libertação! Nós te amamos, Pai. Pedimos que o Senhor estabeleça o seu reino no Brasil". Podemos dizer que o teor golpista permanece avivado. Não contra o Estado de Direito, mas contra o Estado Laico. Michele, em prantos, concluiu sua fala abençoando o Brasil e Israel, em nome de Jesus amém. Milenarismo Há quem diga que o ato-culto em defesa de Bolsonaro teve um forte impulso de mobilização após a declaração de Lula da Silva em 18 de fevereiro sobre o genocídio em Gaza. Ato contínuo, passou a ser atacado como um negacionista do Holocausto e tornou-se persona non grata no Estado de Israel. Efetivamente, avistava-se profusão de bandeiras com a estrela de Davi naquele culto. Envolvida em uma delas, uma senhora foi questionada por um jornalista sobre a sua motivação: "Porque somos cristãs, assim como Israel". Pode parecer estranho à primeira vista, mas a afirmação tem base teórica. Sucintamente, muitas igrejas evangélicas incorporaram elementos judaicos, seu culto é baseado no antigo testamento, ou seja, a Torah. A Igreja Universal do Reino de Deus, que controla um império midiático, construiu uma "réplica" do Templo de Salomão com 100.000 metros cuadrados em São Paulo. A teoria evangélica do dispensacionalismo diz que, antes do apocalipse, Deus faria seu povo retornar à terra prometida. Isso teria ocorrido em 1948, disparando o relógio milenar. Ali acontecerá o Armagedom, a batalha final entre Deus e seus anjos e o Diabo com seus demônios. Uma naturalização/mistificação da violência. Após o ataque do Hamas em Outubro, houve um pico de buscas no Google por termos como "Jesus está voltando" e "anticristo" no Brasil O atual cenário geopolítico se alinha para o cumprimento de profecias bíblicas. Estamos chegando ao momento profetizado em Romanos 11:26: "Todo o Israel será salvo, como está escrito: virá de Sião o redentor que desviará a impiedade de Jacó". Ou seja, nesse momento Israel se converterá ao cristianismo, logo após a grande tribulação, antecedendo o arrebatamento. O fim do mundo. Logo após o ataque do Hamas em 7/10/23, houve um pico de buscas no Google por termos como "Jesus está voltando" e "anticristo" no Brasil, alcançando os números do início da pandemia da Covid-19. Essas pessoas, de uma forma ou de outra, estão olhando o futuro. O futuro mobiliza. O futuro, ainda que desconhecido e aterrador, é a única perspectiva que interessa. Os motes das campanhas do PT em 2018 e em 2022 evidenciam seu caráter conservador pelo olhar voltado ao passado: "O Brasil feliz de novo" e "O Brasil vai voltar a sorrir", respectivamente. Do ponto de vista semântico, é estranho que uma força política "progressista" mire o passado como horizonte –trata-se da definição de regresso, ou de tradicionalismo–. Na qualidade de "país em desenvolvimento", a verdade é que o Brasil nunca esteve em uma situação ótima. Esse retorno a um passado que, embora tenha gerado melhorias, nunca passou de "mais ou menos", vai convencer a quem? Isso posto, é absolutamente louvável que Lula tenha se libertado da chantagem política do Estado Nacional de Israel, uma entidade política que sequestrou o predicado "judeu", em seu alcance comunitário e religioso, advogando para si alguma valorização singular na história do mundo. A posição –reiterada– de Lula ainda aguarda a reação de outros líderes pelo mundo.