Conservar os valados. Na defensa do minifundio

Nos nossos valados guarda-se a nossa ecologia, nossa cultura e um rico léxico que se irá perder com a sua destruição.Valados e muros, desenharam durante milénios a paisagem da nossa terra. Nosso território mini-fundista. Um minifúndio criticado, mas que dava sustento para a autossuficiência alimentar. Complementado por montes plurifuncionais que atuaram como fundo de recursos e fornecedores de serviços ecos-sistémicos. Que deveria de ser favorecido pola administração por prestar importantes serviços ecossistémicos. Os muros marcam os limites das propriedades, e também sustêm o terreno para contra-restar o poder de alastre das enxurradas. Para termar da terra fértil mais aló dos limites impostos polo relevo. São tantas a funções dos muros que alastra com ela um imenso vocabulário. Associado com a sua função. Cômaros, comareriros comarões comalhões são diferentes géneros de murados das Terras da Ulhoa, especialmente aqueles que sustem as paredes das congostras ou corredoiras. Chousas são terras cercadas por muros mais ou menos altos, mas também pode ser nome para o próprio valado.

Toda a Galiza está trabalhada desde tempos recuados. Somos um povo que tem uma coerência fantástica e inimaginável. Uma entidade que se mantém desde mais de 5000 anos desde o Cantábrico até o Mandeo, superando os enganos da história oficial para, teimosamente se manifestar, quer na língua, quer nas crenças, quer na paisagem, lavrada por esta cultura do aproveitamento inteligente dos recursos fornecidos pelo território. Um povo heroico que conseguiu a redenção dos foros, e passar desde a idade meia para a modernidade por sim proprio.

Para construir a sociedade comunal da autossuficiência. Os muros valados ou comalhões são companheiros do minifundio. Uma estructura criada para otimizar o aproveitamento da terra. Cada família tem a terra que necessita e a que seus braços chegam para transforma-la em alimento e história. Somos o reino da pluricultura, da diversidade de espécies, do trabalho, mas também o reino da independência e da sustentabilidade. Os muros, murados valos, falam-nos disso. A sua construção está relacionada com a estrutura do terreno, e também dos materiais disponíveis. Os chantos da Terra Chá e de parte da Ulhoa, respondem a diferente disponibilidade de rochas: de xistos que fendem em lajes planas.

Estas estruturas prolongam-se mais aló dos terrenos de xisto para aqueles de granitos, seguramente porque as formas têm mais per-vivencia do que as condições dos materiais impõem. Isaac Diaz Pardo sabia da importância das formas como expressão da cultura. Criou o laboratório de Formas da Galiza junto com Seoane como uma genial ideia da fidelidade a nossa cultura. Os valos e muros são estruturas que precisam duma técnica que é transmitida como cultura oral. Esta cultura vem desde a época dos castros que foram construidos com muros defensivos. Os murados celtas têm certas características estruturais e de desenho que foram perdurando em nós desde aqueles recuados tempos. Diferente das formas retilíneas e paralelipédicas das construções romanas. As nossas adatan-se as curvas do terreno fazendo da terra sua aliada. Os valados da nossa terra marcaram paisagens tão peculiares como o Ribeiro ou a Ribeira Sacra. Os socalcos do ribeiro mantêm uma grande diversidade de culturas e de vida. Muitas árvores foiteiras aproveitavam o convívio com as vides para completar a diversidade de produtos, facilitando serviços ecossistémicos ao conjunto. Igualmente fazem-o na Ribeira Sacra.

Com a teima do rendimento associado à industrialização, eliminaram-se muitas destas sebes vivas e produtivas, empobrecendo assim a biodiversidade associada aos socalcos. A produção e a excelência desce e para compensar aplican-se adubos químicos, herbicidas e pesticidas. Isso tudo vai para os rios que incrementam a sua eutroficação, fazendo-se transportadores de água tóxica no lugar de água viva e limpa. Os muros, murados, valos, cômaros e valados são representantes do trabalho dos seres humanos em cumplicidade com a terra. Não somente constroem paisagem e vivificam os terrenos, mas também acocham multitude de seres vivos, como lagartos, cobras, repteis e anfíbios. Insetos e multitude de animais pequenos fazem alí seus ninhos. Briões moles, liques e pequenas plantas encontram nos muros da nossa terra seu lugar de vida.

Na Galiza os muros não são limitantes. São complementares. A destruição dos valados implica perda da fertilidade e a destruição da nossa paisagem e a desaparição de infinidade de palavras que os muros da nossa terra agassalharam, susteram e forneceram. São os passais, as carrilanas, as alvariças, oseiras, noiros, portairas, gonços, cancelas, portelas, passadoiros, portelos, escairos. São topónimos, como Muros ou Muras. São os rebos, cachotes e croios ou caiaus que vêm dos rios. Entre meio deles as forrinhas ou forros para que as pedras assentem e se mantenham sem fragua, em “Seco”. A arte de construir muros em pedra seca está declarado património imaterial da humanidade pola Unesco desde 2018. Porque: “Os muros em pedra seca têm um papel principal na prevenção de corrimentos de terras, enxurradas e inundações".