(Sittin' on) The dock of the bay

Algumas canções passam à história por motivos vários, entre eles a sua valia estética, a capacidade de emocionar, a sua feitura, embora seja frequente a interação de outros fatores. Acontece com todo, e ignoro o que teria sido se o avião particular de Otis Redding não caísse no Lago Monona de Wisconsin aquele 10 de dezembro de 1967, a três quilómetros da pista de Madison, onde faleceu ele com o piloto e todos os membros da banda –The Bar-Kays–, menos o trompetista, Ben Cauley, que soltou o seu assento no último instante. Tinha Otis apenas vinte e seis anos e estava no cume do seu éxito como "Rei do Soul". Nesse ano lograra ser reconhecido polo público "branco", no Monterey Pop Festival ou no Auditório Fillmore de São Francisco, ao tempo que Aretha Franklin versionava o seu "Respect" levando-o até o mais alto. Talvez o Sitting seja diferente a todo o anterior de Otis, e não já polos aconteceres que deram na projeção mediática, mas também porque está a meio caminho entre o soul e o rock evoluído, e segue a ser uma referência após mais de cinquenta anos Diz-se que foi numa casa-barco da baía de São Francisco onde Otis escreveu o primeiro verso da mítica canção e ideou o seu título: "The dock of the bay". O tema iria em relação à biografia do artista, que nascera em Georgia e daí fora a São Francisco... Sempre gostei deste ambiente lírico-musical, do que vou tratar a seguir, mas o certo é que com este que seria o seu grande sucesso "post mortem" dava um passo evolutivo na sua trajetória musical, pois queria fazer algo novo à luz das inovações dos Beatles, nomeadamente trás ouvir fascinado o Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band, lançado em maio do mesmo ano 1967. Sabido é que três dias antes do acidente gravou aquela música no Stax Studios de Menphis com a ajuda do guitarrista Steve Cropper e que ficou inacabada. A parte do assobio esperava algum novo verso que nunca se escreveu, mas afinal o assobiado de Redding seria definitivo. Talvez o Sitting seja diferente a todo o anterior de Otis, e não já polos aconteceres que deram na projeção mediática, mas também porque está a meio caminho entre o soul e o rock evoluído, e segue a ser uma referência após mais de cinquenta anos. Gostei dessa cadência lírica entre o amor e a displicência de quem deixa a sua casa lonjana para sentar no peirão da baía vendo os navios rolar, perdendo o tempo numa atitude lânguida próxima ao desassossego. É por isso que foi fácil ver aí um reflexo da contracultura norteamericana, pensar nos poetas beatniks, no Kerouac de On the road e The Dharma Bums, errantes, camuflados num trem, sem saberem bem o rumo dos seus passos. E por isso será que tenho o Sitting no meu repertório para tocar a miúdo ou quase sempre. Também a temos no grupo de rock De catro a catro, e é Borja Casal quem me lembra a versão de Roger Ridley (Santa Mónica) e Avô Elliot (Nova Orleans), cuja voz poderosa não lhes impede cantar nas ruas para a gente, com músicos de distintas cidades do mundo: Nova Iorque, Los Ángeles, Salvador de Baía, Rio de Janeiro, Miami, Havana, Tokyo e Livorno. É uma versão nova, ágil, com os acordes pares em modo menor e um solo de guitarra limpo no meio. A música não para.