Oligofrenia codificadora televisada!

Desde há vinte e cinco anos, nas disciplinas de traduçom que leciono, no quadro da análise da degradaçom e da regeneraçom do léxico galego, sempre exponho aos alunos, como caso eloqüente, o da designaçom no nosso idioma da lámpada (elétrica) e do candeeiro (elétrico). É um caso que patenteia as enormes insuficiência e descaracterizaçom denotativas do galego espontáneo contemporáneo, a lastimosa indigência do galego autonómico pretensamente culto e a escandalosa oligofrenia –em sentido etimológico– dos seus codificadores. Imos explicar aqui esse caso, triste e instrutivo. Quando a lámpada elétrica é inventada e quando a corrente elétrica começa a ser produzida e distribuída para aplicaçons industriais e domésticas (fins do séc. XIX e inícios do XX), há quatro séculos que o galego nom conhece usos formais socializados e, tendo sobrevivido desde o séc. XVI basicamente “na aldeia”, ele já nom tem capacidade para criar novos elementos lexicais. Nas referidas circunstáncias, esse galego espontáneo, como o galego espontáneo atual, no setor da designaçom de utensílios de iluminaçom, retém, no melhor dos casos, as velhas palavras galego-portuguesas lámpada, candeia e candeeiro, as quais, é claro, denotam unicamente objetos próprios de épocas pré-industriais (respet., vaso de azeite com mecha, vela de cera e suporte para vela), já que ele padece umha intensa estagnaçom lexical, que o impede de cunhar novos significantes e de incorporar novos significados e usos às palavras já existentes, e umha intensa suplência castelhanizante, de modo que se enche de palavras castelhanas para designar as novas realidades. O natural e útil seria modernizar-mos o significado e o uso de 'candeia', 'lámpada' e 'candeeiro' de harmonia com as covariedades lusitana e brasileira Enquanto o galego espontáneo contemporáneo nom modernizou, portanto, o uso das palavras anteditas, e, nesse setor, se viu forçado a acolher as castelhanas *candil, *bombilla e *lámpara, o galego-português de Portugal, socialmente estabilizado, no séc. XX modernizou a nossa palavra candeia, que adquiriu o valor de ‘pequeno aparelho de iluminaçom, de metal ou barro, abastecido com óleo ou gás inflamável e provido de mecha’ (= cast. candil), pois, para denotar o objeto de cera, vela já é suficiente; modernizou a nossa palavra lámpada, que adquiriu o valor de ‘aparelho elétrico produtor de luz por incandescência, fluorescência ou fluxo de eletrons em semicondutor’ (= cast. bombilla), e modernizou a nossa palavra candeeiro, que adquiriu o valor de ‘utensílio de iluminaçom que serve de suporte a umha ou mais lámpadas elétricas’ (= cast. lámpara), reservando-se castiçal para designar o suporte de umha vela. Modernizar o galego culto Assim, o natural e útil seria modernizarmos, para o galego culto atual, o significado e o uso de candeia, lámpada e candeeiro de harmonia com as covariedades lusitana e brasileira (ou, no caso de discrepáncia entre estas, só com a lusitana, mais próxima: candeeiro di-se luminária no Br). Todavia, isso nom foi o que a RAG=ILG fijo! Em primeiro lugar, ela nom moderniza o significado de candeeiro nem de candeia, legitimando o castelhanismo suplente *candil; em segundo lugar, no caso de lámpada, si atualiza a sua esfera semántica, mas, incompreensivelmente, em sentidos divergentes: no sentido que a palavra tem modernamente em luso-brasileiro e, em simultáneo, no sentido que a palavra lámpara tem hoje em castelhano (!); além disso, o dicionário da RAG legitima *bombilla como sinónimo (“nom preferente”) de lámpada (!). As conseqüências deste proceder nom podem ser mais lesivas: castelhanizaçom e, sobretodo, disfuncionalidade, porque, que nos traguerá o empregado de umha loja de artigos de iluminaçom ao lhe pedirmos umha lámpada? Na foto anexa, o leitor pode ver, em ato flagrante e obsceno, tal disfuncionalidade. Numha reviravolta inesperada, esta trapalhada suprema da RAG=ILG foi agora difundida, de forma impudica, através da televisom e da internet. Com efeito, numha recente ediçom do Dígocho Eu, a apresentadora Esther Estévez proclamava: “Cámbia [cast. por troca ou substitui] a lámpada da lámpada! Si, escoitaches bem: isto é umha lámpada [aponta para um candeeiro], e isto tamém [aponta para umha lámpada]. Bombilla [segundo a RAG=ILG] tamém é correto em galego, pero, segundo a RAG, a forma mais recomendable é lámpada. Assi que, em galego, temos lámpadas dentro das lámpadas! Digo-cho eu!”. À falta doutras hipóteses, será este caso sinal e epítome da oligofrenia dos codificadores autonómicos, ou, antes, da sua malevolência contra o galego? Será esse Dígocho Eu fruto de umha acrítica oligofrenia dos seus produtores, ou, antes, instrumento de denúncia irónica? Queremos acreditar que o sorriso pícaro e o tom de incredulidade com que a Esther encena o sketch corresponderám a esta segunda hipótese. Em qualquer caso, o galego nom merece tamanhas asneiras dos luminares oficialistas.