Zumbilinas bem mortas

Mortiña vive em Vila Decandente com uma gente bem estranha: o tio-avô Funesto, velho só cabeça, o avô Féretro, pantasma luminiscente e dorminhona, a tia Defuntinha, outra zumbi habelenciosa nas porcalhadas culinárias, e Tristeiro, o cadelo inseparável. Mortiña. O amigo pantasma / Barbara Cantini / Tradução de Rosa. Gómez Pato e Manuel González / Hércules Edicións / 56 páxinas / 13 euros Nesta aventura a menina zumbi conhece um menino pantasma, luminiscente também, com um problema gravíssimo: está a esvaecer-se e corre perigo de desaparecer. A razão, simples, já nem o seu nome lembra, porque ninguém no mundo o recorda. Mortiña toma cartas no assunto e consegue resolver após alguma que outra aventura. Adoramos vê-la, para uma expedição noturna, atirar-se da janela aos cachos: primeiro uma perna, depois outra, a cabeça no fim… Essa é a delícia da menina zumbi. As ilustrações são complemento imprescindível do texto, irmãs siamesas, e sem elas boa parte dele poderia parecer cenas de um filme gore pouco acaídas para as primeiras leitoras. Porém, os desenhos da autora acompanham com humor o que poderia parecer terrorífico. Vemos cair a cabeça da rapariga e só podemos sorrir, sabedoras de que as zumbis podem recuperar membros amputados sempre que quiserem. Os desenhos têm, ademais, história própria, dando vida a personagens não nomeadas no texto, como o ratinho Porcallán, cuja aventura paralela podemos seguir em cada página. Isto faz da de Mortiña uma leitura ativa, que nos pretende atentas, para melhor atendermos aos pormenores que fogem entre as linhas, entre as cores. Afinal, entre caveiras, corvos pretos e aranheiras nojentas, o amigo pantasma faz que podamos aproveitar a leitura para tratar com as crianças a questão da morte. O menino luminiscente só consegue continuar a brilhar se alguém se recorda dele. E se não consegue, será só baleiro escuro no nada. Fora céus e infernos. Não por casualidade, as ilustrações rebordam fotografias velhas de pessoas (e não pessoas) que já não estão com Mortiña, mas que ela sim lembra: a mãe, a curmã Rosa, a avó Nefasta; mesmo Vispo, o pai do Tristeiro. Fazer memória de quem já não é e a melhor maneira de que as pantasmas luminiscentes, benéficas elas, continuem entre nós. Não é gratuito que a solução de Mortiña seja um relicário. Para não sermos zumbis sem cérebro, lembremos.