Uma vez, muito tempo antes

Lembro um dia na escola. Coincidimos na biblioteca por vez primeira eu e o André, o meu sobrinho de três anos. Saudei-o. E a sua mestra perguntou: de que conheces à Susana? em aguarda do parentesco na resposta. O André ficou em silêncio e acertou a dizer Nom sei, vim-na muitas vezes noutros sítios, muito tempo antes. Era uma vez (e muitas outras serão) / Johanna Schaibble (Tradução: Isabel Minhós e Mariana Vale) / Planeta Tangerina / 2020 / 54 páxs. / 18,90 euros De muito tempo antes chega este álbum, outra alfaia de Planeta Tangerina, a editora do Sul e vizinha que deveríamos ter de olho sempre. Johanna Schaibble brinca, como uma einstenzinha, com o tempo e o espaço. Modula-os e transforma-os no avanço da leitura para deixar-nos a clara consciência da sua imensidade, da sua exiguidade. Cada página abre com uma paisagem e uma frase com marca temporal. E recorremos o tempo desde os milhares de milhões de anos em que a tectónica estourava em placas, até este instantinho de agora em que pedimos um desejo. E uma vez pedido o desejo, chegam as perguntas, o que é que vás fazer amanhã? Onde vás viver em dez anos? Assim, em vinte e seis páginas, aprendemos os conceitos de passado, presente e futuro, que tanto nos custavam nos três anos do André. E o aqui, e o lá, e o agora já. Uma proposta singela. Um livro pequeno. Uma cousinha. E não. Porque a autora atendeu a tantos pormenores que, de sermos leitoras curiosas, como somos, não faremos outra cousa que admirar-nos da sua imaginação e mestria. As páginas encolhem. Sim. Não sabemos calcular os número dos A, se A4, A5,7, A5,2… mas assim que se vai reduzindo a distância temporal, diminui o tamanho da folha até chegar à mais pequeneira, a do desejo mais íntimo. E novamente crescem as imagens, assim como crescem os desejos, até dar com o futuro mais longínquo. E acontece com as ilustrações, que vão reduzindo o campo visual desde os vulcões e terramotos até a quentura dos lençóis na cama para crescer novamente até abranger a enormidade do universo. Ademais, há uma relação de espelho entre os desenhos da primeira parte do álbum e os da segunda, seja em tonalidade de cores, em paisagens ou espaços modificados, em temáticas (as estações do ano, os transportes, as festas…). Podemos fazer, desta maneira, muitas leituras diferentes deste livro assim tão pequeno, só vinte e seis páginas. E a envolver todo como tona, e mesmo no coração de semente, a estrela fugaz no meio do céu. A estrela que veio do passado mais remoto e traz consigo os desejos mais intensos.