Ante todo, muita calma

Já comentamos por estes lares a querença das autoras galegas polas gatas. E tem sentido se seguimos o indicado por Andrea Maceiras: provavelmente seja a de gata a forma terrícola mais perfeita. Assim que não é estranho que encontremos uma felina doméstica e tranquila a protagonizar as aventuras de um novo livro. Casiopea é uma gata calma que vive no espaço calmo e indeterminado de uma urbanização. Famílias calmas, vidas calmas, mundo calmo e alheio. Casiopea é a gata de um casal astrónomo e gosta de subir ao faio, transformado em observatório para dormir, calma, à luz cintilante das estrelas, calmas. Quando os astrónomos viajam, mira por ela a vizinha, Alma, meninha calma e tranquila, também. Todo calmo. Até chegar o trovão. Por terra e céu. Por terra chegam os coirmãos da Alma, em fugida económica, a desbaratarem o sossego da meninha. Do céu cai uma estranha bola de luz, para alterar o repouso da Casiopea. Burbullas de calma serena é uma reflexão sobre o mundo das emoções. No campo educativo anda muito na moda este tema. A meninhada tem que aprender a controlar e dominar as suas reações mais viscerais. É a maneira de chegarem a ter sucesso na vida. Porém, Andrea Maceiras traz a nós um aliem fugido de um mundo em calma, em que não é quem de viver, e uma meninha que habitava na calma, mas pode ser que não por isso vivesse melhor. Com ajuda de Orión, o alien, Alma e os seus primos aprendem a conhecer as suas emoções e controlá-las, assistidas polas borbulhas de energia que o alien cria. A raiva, a tristeza, o nojo, a ansiedade, voam polos capítulos flutuando nas suas bolhas. Porém, sabemos desde ET, lá onde apareça um alien, chegarão caçadores que queiram capturá-lo e entregá-lo à NASA. E sabemos, desde ET, que só a aliança entre crianças e aliens (e gatas, não esqueçamos as gatas) pode devolver Orión ao seu planeta (se é que quer voltar). O romance alterna a voz duma narradora externa com trechos do diário da gata Casiopea. Contamos assim com uma narração em contraponto, onde a gata adianta, questiona, indaga, decisões terrícolas e extraterrestres. Isto faz a leitura ligeira, ajudada pola edição cuidadíssima de Cuarto de Inverno: tipografias, cores, as ilustrações de Irene Sanjuán, todo contribui a colocar-nos na calma que precisa uma boa leitura. O Club das Orelliñas, e a sua utópica facilidade para aceitar o diverso, é a forma terrícola mais perfeita. Mais que as gatas. Acho.E este livro convida a ranhar.