Meninas grandes em ilhas pequenas

E aí, em um desses polimerosos atóis, no meio do oceano, faz naufragar Paula Carballeira a sua Carabela. Carabela é cozinheira neta de marinheiro. Andou polo mundo a navegar até a barco afundir e ela acabar numa Ilha Pequena de Plástico, sozinha e à espera de ser resgatada. Carabela / Paula Carballeira / Ilustrações de Abi Castillo / Galaxia / 2020 / 140 páginas / 12 euros Sozinha não. Porque como uma doutora Frankenstein constrói uma menina, Nena, com materiais desbotados que encontra. Para menina prepara maravilhas culinárias, conta contos, canta cantos, dá e recebe companha. Imaginárias sempre. Carabela é uma peça teatral. Como em ilha deserta que se preze conta com poucas personagens. Como teatro reduzido ao mínimo, neste deserto de possibilidades culturais. Todos os seres que a habitam resultam marginais, diferentes, afastados daquilo que é considerado norma: um peixe mutante com patas e brilho noturno, um pássaro choromico, uma quenlha voadora e faminta, uma pantasma de sacos de lixo. Constituem, junto com a Nena do coração de plástico, a panda que acompanhará a Carabela pola estrada de tijolos de plástico na procura do mágico avião que a devolva ao seu mundo. No início peixe e pássaro recusam ajudá-la. Consideram as humanas responsáveis das mutações, fomes e danos que sofrem. E são. É Nena quem os convence de merecer Carabela a salvação. A Esperança está nas meninhas que imaginam contos e cantos e dão vida às pinóquias bonecas de plástico. Quenlha e Pantasma são as mãs do filme. Ou não. A Pantasma Escura quer que Carabela se renda, que não queira viver, que abandone a luita por um mundo melhor. Quenlha Voadora e Salvaxe não é outra cousa que um lobinho feroz que quiser ser feliz, mas que tem o corpo cheio de sabores podres a relógios, lanternas, bolsos, pilhas, cartões de crédito. Fome sem saciar. Carabela é uma fábula sobre o consumismo, o dano ao ambiente, a perigosidade de uma espécie animal que não é outra que a nossa. A espécie invasora somos nós. Entre o jogo, a brincadeira e as discussões de Nena e Peixe e Pássaro, entra nas nossas cabecinhas, como quem não quer, a reflexão ética, a pergunta lançada ao ar: é este o futuro que queréis, meninhas? É este o mundo que queréis, meninhos? Não tenhais em conta a Pantasma. Luitai!