O leite vem do cartão

Quando nas propagandas deitam ao ar uma pergunta retórica, a mim sai-me do corpo respostar, em negativa, é claro: quer a senhora sabê-lo todo das nossas ofertas? Não, obrigada. Não quer a senhora gozar do Caribe em praias enormes? Não quero, não. Não passou isso com este volume. Pica-che a curiosidade? Pica, pica. E abri. E parei no índice e pensei, buff, que cousas mais desligadas umas das outras: como pode voar um avião a carão de onde medram os queixos a carão de a água dos banhos aonde vai a carão da origem dos lingotes de ouro. Porém, picou-me a curiosidade por ver com que fios a autora tecia o tapete. Pícache a curiosidade faz parte da coleção que Cumio abriu com o aqui comentado O gran libro da horta: livros de conhecimento que centram parte da sua potencialidade na ilustração. Neste caso, a duas mãos, fiam María Canosa e Ro Ledesma. María Canosa artelha cada um dos textos como uma viagem. Ao modo daquela volta ao mundo que dava um forro polar encarnado, vai debulhando para as leitoras como chegaram até nós elementos do quotidiano das nossas casas, desde a energia até aquilo que comemos. Um elemento trava no outro, como no jogo das palavras encadeadas: para a água chegar a nós precisa pressão, que podemos lograr com um motor elétrico, ah, a eletricidade chega a nós de tal maneira e serve para nos aquecer, ah, para nos aquecer podemos usar lá, que chega a nós, ah, e assim até darmos no fim do volume com o funcionamento do nosso cérebro. Ro Ledesma organiza o desenho do volume como uma viagem por etapas. A duas páginas acompanha com desenhos e esquemas os textos da escritora. A numeração das etapas proporciona unidade aos apartados e centra a nossa atenção em percebermos os processos. Incorpora às ilustrações palavras chave, que facilitam a compreensão dos conceitos novos. E não todo é tecnologia ou ciência: a ética acompanha sempre, com breves conselhos em cada página para protegermos o ambiente e evitarmos o desbaldimento de recursos. Gostamos de que as editoras galegas façam o esforço de nos fornecer de livro informativo para as nossas bibliotecas escolares. E gostamos muito mais de que, além da tradução –que muito respeitamos-, gastem vontade em promover obras originalmente galegas. Se não queres acabar por pensar que o leite vem do cartão, piada que fazíamos na escola sobre a pretendida ignorância crianças citadinas, tem que che picar a curiosidade. E este livro convida a ranhar.