O galo que namora do rato que namora da ovelha

Acho que cá poderia acabar a recensão. Não é preciso mais comentário. Que uma criança decida partilhar de motu proprio um livro com outra criança diz tudo. Porém, restam 2.200 caracteres, assim que vou continuar. Bechopoemas diz todo no título. Não são poemas sobre bichos, mas poemas que tiram a bichentos. O lógico se sabemos terem sido escritos por formigas a recorrer páginas brancas para enchê-las de pegadas. Como aquele conto de um macaco que bate nas teclas da máquina de escrever e dá com o Quixote. Ou a Bíblia, não lembramos. Bechopoemas e outras bestas | Leire Bilbao | Tradução de Isaac Xubín | Ilustrações de Maite Mutuberria | Kalandraka | 2019 | 64 páxinas | 14 euros Bechopoemas está dividido em quatro partes, com poemas voadores, aquáticos, reptadores e rugidores. Mas esta é uma classificação um pouco louca e formiguenta, pois podemos dar com a ovelha entre as mais rugidoras das bestas ou com o ascensor entre os bichos voadores. Esta é uma das alegrias que proporciona o volume: onde aguardamos melindrosas odes às maravilhas animais, damos com um bestiário surpreendente que horrorizaria ao Linneo tanto como nos prende às leitoras. Outra cousa da que gostamos é que o ser humano, como bicho e como poema que é, também tem cabida neste volume. Não estamos perante uma natureza adâmica na que cantamos ao sol e à lua e ao caracol e à eiruga. Há crianças que rubem às pólas das árvores, que mergulham nos sonhos a contar ovelhas, que têm que ir à escola se o cuco as deixa. Isto facilita a identificação da leitora com o eu poético e faz a leitura mais empática (simpática também). A autora joga com o repertório da tradição infantil, com fábulas, versos encadeados, nonsenses, poemas fónicos (não podiam faltar as onomatopeias nos poemas-becho), mas muitas vezes revirados para dar-lhes uma nova função. Exemplo pode ser o poema Amor na corte, onde um encadeado tradicional de animais que se agridem vira num encadeado de animais diversos que se amam. Acho que deve ser mencionada a brutal tradução de Isaac Xubín, que fez com que sentíssemos como galegos estes textos chegados do euskera: o ritmo e a rima parecem originais, mas o que adoramos é a adaptação dos versos à tradição popular galega, como essa joaninha que voa voa na página 13. Amém das ilustrações collage e viscosas de Maite Mutuberria, que completam a leitura. E lá vão os caracteres.