Dioivos Nunca Mais!

Esse limbo entre o mundo do álbum ilustrado e as narrativas pubescentes. Mas também pensei sempre que nosoutras, galegas, temos a sorte de contar com uma das autoras que melhor conecta com essas idades: Gloria Sánchez. Este Noé e este Gato, protagonistas de duas peças teatrais publicadas no mesmo volume, dão boa conta disso. O humor, a tradição oral, o conto popular, traços que caracterizam a longa carreira da autora, são postos ao serviço de temas contemporâneos como o do maltrato animal ou o cuidado do ambiente. Noé e Gato fan teatro | Gloria Sánchez | Uxia Pin | Oqueleo | 2019 | 80 páxinas | 9,5 euros Noé não é outro que o da arca. Esse da bíblia que arrejuntou animais, uma parelha de cada, para os salvar do dioivo. Ajudam-no na tarefa Carmela, a mulher, e o filho. Em realidade não o ajudam, mas fazem o trabalho todo entanto ele brinca a capitão de barco inglês. Acabada a trovoada, quando já se venta a desfeita na arca, com animais em perigo por fames incontroladas, não chegam ao monte Ararat, mas às costas de Ourense e ao século XXI. E ponhamo-nos em situação: nesta Europa actual que barco carregado com animálias de quanta espécie há pode chegar sem mais a porto… A aparição do absurdo põe de patas para o ar o conto do Noé naquilo que não deixa de ser uma paródia das revisões, mal chamadas politicamente corretas, de clássicos populares. Outro tanto acontece com Gato. Gato vive numa casa submetido, como o resto dos animais da mesma, às torturas do Adrián, a criança que governa a sua vida. Gato decide acudir ao lobo, para que pape o meninho, assim, sem adubos, e poderem viver tranquilos. Um conto popular trazido, novamente, ao século XXI, e que, na sua reviravolta do fim, põe sobre a mesa a inquedança das crianças sozinhas em tempos de despovoamento rural e horários laborais intermináveis. E sim, as obras têm carácter didático. Ademais de humor, tradição oral e ética. Porque a experiência como mestra de Gloria Sánchez faz que construa uns textos ajeitados para a leitura na sala de aulas, para a representação no festival do inverno, sem que isso resulte uma peja, mas um plus. Só a alguém que trabalhou numa escola pode acordar-lhe que, de não haver pano no cenário, podem ser usados guarda-chuvas de cores. Ou oferecer mudanças para encher o cenário de atores e atrizes: animais, ativistas de Greenpeace, manifestantes de Nunca Mais. Arca a navegar.