Chucha-livros

Antes de entrar neste livro temos que estar certas de que queremos acreditar. Isso advirte a protagonista: se não vás ler como verdade isto que conto, fecha o livro e continua a tua vida sem incomodar nem fazer perder o tempo. As leitoras incorporadas à narrativa como pares, como iguais. Vampira de biblioteca / Ledicia Costas / Ilustrações: Víctor Rivas / Xerais / 2020 E temos cá, em recurso literário, uma das bondades da autora, Ledicia Costas: o respeito polo seu lectorado. O não tratar as crianças como adultas deficientes, mas como pessoas com critério. Não pensava trazer a estas páginas esta autora. É a mais visível das nossas escritoras, a de mais sucesso, não precisa do nosso impulso para ser lida em (quase) todas as casas em que há meninhada. Porém decidi que não seria justo. Se Eleonora, a vampira de biblioteca, cuida os livros dos ataques da couça, Ledicia Costas é a frankestina que nos revive zúmbis leitoras para o galego. E na Vampira, algumas das chaves. Uma, já indicada, a incorporação das leitoras como personagens, a explicitação do pacto lector e a insistência em renová-lo cada vez que acontece algo incrível. Não acreditas? Fecha o livro. O primeiro que partilha conosco Eleonora são os seus medos. E pede que partilhemos com ela os nossos. Eis outra das chaves da literatura de Costas. Colocar nas suas narrativas os medos infantis como protagonistas. Não obviá-los. Oferecer um espaço para ler, falar, escrever sobre eles. A melhor maneira de os vencer. Outra, a reutilização e renovação, à maneira cunqueirã, de figuras clássicas literárias. Neste caso, a do vampiro. A protagonista, Eleonora, é uma vampira. Como os vampiros dorme de noite, pode metamorfosear-se, voa e tem morcegos de estimação. Também é verdade que deve desmentir boatos habituais: não dorme em cadaleito, e importante, não chucha sangue mas tinta de livros. Leo é uma chucha-tintas. Uma vampira vegana. E não por isso boazinha. Faz trasnadas (é vampira nena) e tem grandes inimigos: a couça e os seres humanos. Porém, na biblioteca aparece uma devoradora de livros, que mesmo espaventa os morceguinhos todos, e a vampira só encontra ajuda nesses rivais mortais que teme: os humanos. E conhece Marciano, um velhote que acredita nela sem pensar (bom, metamorfosea-se-lhe diante) e que consegue implicar na luita a alienada netada. E a Son Goku. Todo polos livros. Achei de menos não aproveitar mais a cidade de Coimbra e a Biblioteca Joanina. Porque é certo que nela habitam vampiras. Não acreditas? Procura na internet.