Chega de nojo

Uma adolescente é mudada de lugar pola força, malditas adultas que decidem por uma e não a deixam participar das decisões. Esta é ponto de giro inicial de muitas aventuras de protagonista nova, inadaptada a um mundo estranho, a botar em falta o velho e próprio mundo, a negar-lhe um ínfimo resquício de oportunidades à vida por viver. Dúas moedas / Núria Tamarit / Retranca Editorial / 2020 / 120 páxinas / 18,90 euros E acontece sempre o mesmo. Pouco a pouco, de maneira lenta mas inexorável, o mundo novo enxerta-se na pele, nas extremidades, nos órgãos, e acaba por se instalar na vida da adolescente que descobre em si mesma que todo mudou, sem ter mudado nada. Isto lhe acontece a Mar. Vai passar três messes, sem wi-fi!, em uma vila perdida do Senegal. Acompanha á sua mãe, ativista de uma ONDG, desde a comodidade duma cidade espanhola. Em Dúas moedas, banda desenhada de Núria Tamarit, acompanhamos a Mar no processo de aprendizagem. Uma aprendizagem que deve pelejar, sobre todo, contra os preconceitos que em geral aninhamos sobre os países do Sul: ela aguardava dar com crianças a morrer de fome nas ruas, com doenças incuráveis que mesmo poderia sofrer, com o fanatismo religioso, com a ignorância das nativas ou o seu desconhecimento da tecnologia mais básica. E parece que tudo confirma as suas ideias: nem água corrente há, tem que se lavar a caldeiros, quase nunca tem cobertura para o telemóvel e a privacidade de um quarto próprio é utopia. Astou e Khadim, ela e ele, adolescentes da vila, tomam o rol de mediadores com Mar e aprendem-lhe os costumes do seu povo, aqueles diferentes dos dela e, mesmo em várias ocasiões racham com estereótipos para pasmo da europeia e as leitoras, como quando é o Khadim que rebate um comentário sexista da Mar. A evolução da mar é tal que chegado um momento é Astou quem tem que coutá-la: estás a idealizar-nos, não somos assim tão maravilhosas como nos pintas. O trabalho de Núria Tamarit trunfa na tentativa de oferecer um altofalante às adolescentes do Sul sem chegar a cair na exotização da outra. É a protagonista europeia quem evolui de um comportamento infantil até a madureza que mostram as amigas senegalesas. Todo isso acompanhado de uns desenhos coloristas que se apoiam nos tons ocres e as figuras quase geométricas. E um imenso céu de estrelas comunais. Agg significa chegar em wolof (língua que tem presença visibilizadora no volume), como indica o título do primeiro capítulo. Agg poderia ser a onomatopeia de nojo em galego. Chega de nojo. Aprendamos das outras.