Carapuchinhas ursinhas

Jogamos às vezes na escola. Eu dou uma série de fotografias, três no mínimo, ou mando trazer à rapaziada e depois dou a consigna: contai a estória que liga estas imagens. E a rapaziada inventa. A rapaziada dá. Porém há vezes que o jogo deixa de ser jogo para dar em alfaia. E com os Dous osiños de Ylla estamos perante uma dessas ocasiões. Ylla foi fotógrafa de natureza, apaixonada polos animais. E eu não sei se são de estudo, com bichos domesticados, produto de uma paciência enorme, ou que, mas as imagens que utiliza neste álbum impactam por íntimas. A autora entra na quotidianidade de dous filhotes de ursa e acompanha-os nas suas andanças nos prados, nos rios, na pola mais alta da árvore mais grande, no sono e no sonho. Não sei que impressiona mais, se a imagem com a filhota de papo-ruivo ou a discussão com o senhor corvo, no entanto todas e cada uma das imagens transmitem uma proximidade tal aos dous bichos que só passam duas páginas até te identificares com eles. O caso é que o álbum também conta um conto. Há texto a acompanhar as imagens, como uma melodia que permite gozá-las mais intensamente. Ursinho e ursinha, como as carapuchinhas ou as cabujinhas da tradição oral, recebem a advertência da mamã ursa: não saiades da cova até eu voltar. Claro é, como as carapuchinhas e as cabujas, desobedecem o mandado e decidem cruzar o bosque, todo ele cheio, de perigos? Não! De cousas curiosas e formosas de ver. E param a apanhar flores e soprá-las e deixá-las ir no vento, e aprendem a nadar e sobem árvores e rodam erveiras. Não se aparece lobo nenhum, embora levem susto grande com o guaxinim. Como nos contos tradicionais, de súbito adquirem consciência do erro e vêm-se perdidas e querem voltar à cova e não sabem. E pedem ajuda aos animais do bosque e pergunta vai e resposta vem: não, não sei da vossa mamã. E como em tantos contos, há final feliz e a senhora ursa é quem dá com filhote e filhota e dormem felizes na cova. E nosoutras agradecemos contar no país com uma editora como Kalandraka, que recupera esta obra, publicada há quase 70 anos e a traz à nossa língua e deixa que a gozemos. E agradecemos saber de uma fotógrafa maravilhosa, Camilla Koffler, com a sensibilidade suficiente para pensar, não só nos ursinhos, mas também nas crianças. O verde do título e das lapelas interiores destaca o negro sobre branco das fotografias e faz que a sua singeleza brilhe com mais intensidade. É o que tem o jogo quando se toma a sério. Dá em gema, em joia.