A política é a continuação da guerra por outros meios

Na última quarta-feira, o Senado brasileiro reelegeu Rodrigo Pacheco como líder para os próximos dois anos. O senador comandou a casa durante o governo Jair Bolsonaro e contribuiu para o avanço das pautas do ex-presidente no poder legislativo. Agora, o político profissionalíssimo venceu com o apoio do partido de Lula (PT) contra um opositor da extrema direita, cuja plataforma era a obstrução de qualquer projeto vindo da presidência e a perseguição contra ministros da Suprema Corte. Assim, podemos dizer que o Brasil venceu. Um viva àqueles que se propõem a negociar, porque isso é a política. Rogo que não acusem de cinismo os brasileiros que pensam assim, ainda estamos em estado de choque. Quem não negocia é sempre pior, são os que apostam na força bruta. Nessas semanas de normalidade, Lula sancionou a lei do crime de racismo, reajustou o salário mínimo de professores em 15%, determinou a recomposição do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e fez sua primeira missão internacional, visitando Argentina e Uruguai. Lula sancionou a lei do crime de racismo, reajustou o salário mínimo de professores e fez sua primeira missão internacional Também recebemos a visita do Chanceler alemão Olaf Scholz, que expressou sua alegria pela "volta do Brasil" ao cenário internacional e restabeleceu o apoio da Alemanha ao fundo da Amazônia. O encontro incluiu conversas sobre a reforma do Conselho de Segurança da ONU e sobre a conclusão do acordo comercial entre UE e Mercosul até o meio deste ano. Scholz fez duas propostas diretas: solicitou munição para os tanques Leopard-1 que Berlim decidiu enviar à Ucrânia e convidou o Brasil para o seu "Clube do Clima". Criado em 2022 pelo G7, o funcionamento do clube ainda não está claro, mas o conceito normalmente envolve precificar o carbono de produtos fabricados em países com menor controle de emissão, além de criar mecanismos para evitar a "fuga" de empresas de um país a outro em busca de menores custos relacionados às políticas climáticas. As duas propostas foram recusadas sem maiores eufemismos diplomáticos. Normalidade 2.0 Os temas acima são uma tentativa tímida de tirar o Brasil das páginas policiais da política, mas a verdade é que na última terça-feira, apenas uma semana atrás, um homem de 58 anos ateou fogo ao próprio corpo em Brasília. Foi um protesto contra o Supremo Tribunal Federal aos gritos de "Morte ao Xandão!", que é como os extremistas chamam o juiz Alexandre de Moraes, que tem agido pela punição aos atos antidemocráticos. Na quinta-feira, um senador historicamente ligado a Bolsonaro, Marcos do Val, fez uma denúncia estranhíssima envolvendo o ex-deputado Daniel Silveira, condenado à prisão por ameaçar juízes da suprema corte e anistiado pelo ex-presidente. O senador acusou Silveira de propor um plano infalível para impulsionar o golpe, em reunião realizada em dezembro passado. Bolsonaro teria participado pessoalmente do encontro, mas sem abrir a boca. Do Val teria que portar aparelhos de escuta para gravar secretamente uma conversa com o Ministro Alexandre de Moraes. O material seria usado para comprovar sua verve antidemocrática, resultando na desmoralização e prisão do ministro, o que impediria a diplomação de Lula como presidente da República. O senador, sempre segundo ele mesmo, denunciou imediatamente o teor da reunião para o próprio Alexandre de Moraes. Vindo de onde veio, essa nova epifania não desperta entusiasmo. Parece algum tipo de truque para lançar suspeição e anular os atos de Alexandre de Moraes após a suposta denúncia. O Brasil e o "cenário internacional" Foi neste compasso que acolhemos as propostas do chanceler sorridente que visitou nossa casa. O compasso das realidades paralelas profundamente distópicas. A primeira era entrar em guerra com o país que nos abastece de fertilizantes para o agronegócio, base da economia brasileira, a câmbio de algumas moedas. (Ninguém se engane: fornecer munição para matar soldados de um país em guerra significa entrar em guerra com ele) A segunda era: aceite pagar a cota do meu clube deluxe ou seus produtos estarão sujeitos a medidas comerciais discriminatórias que implantaremos contra lugares que historicamente poluem muito menos do que nós. A proposta veio de um país que, no último ano, ampliou em 13,3% a energia gerada a carvão mineral, o mais poluente dos combustíveis fósseis, e cujas ações e declarações estão a cada dia aproximando o planeta de uma guerra nuclear. Como sabemos, bombas atômicas são muito antiecológicas. Francamente. Então é isso, parece que o Brasil voltou mesmo. Um tanto estropeado, mas está voltando. Nesse meio tempo, a onde é que foi parar o mundo?