A conquista da igualdade

Não vão longe os tempos em que em Portugal as mulheres não podiam pedir o divórcio ou simplesmente sair do país sem autorização masculina. Durante a ditadura do Estado Novo não se permitia que elas seguissem carreiras profissionais como a militar ou diplomática. Em 1970 uma em cada três portuguesas era analfabeta e o acesso às urnas de voto era muito limitado. Se um homem matasse a mulher adúltera, considerava-se um "crime de honra" penalizado com apenas seis meses de desterro. Entre as várias conquistas do 25 de Abril de 1974, está o fim de muitas limitações legais e sociais que condenavam as mulheres à subalternidade. Quase 50 anos passados, constata-se um notável avanço nos direitos das mulheres em diferentes dimensões. No entanto, ainda estamos longe de um cenário de igualdade. Na semana em que soubemos que a estadunidense Claudia Goldin foi laureada com o designado prémio Nobel da Economia pelo seu trabalho sobre desigualdade salarial de género, refletimos acerca das condições de vidas das mulheres em Portugal, no trabalho e noutras dimensões. Para um mesmo trabalho, as mulheres ganhavam um salário 11,4% inferior ao dos homens em 2020 As descriminações laborais Em 2020, para um mesmo trabalho, as mulheres ganhavam um salário 11,4% inferior ao dos homens. Nos seus estudos sobre o mercado de trabalho dos Estados Unidos, considerando um período temporal de 200 anos, Claudia Goldin constatou que, ao longo do século XX, a maior parte da desvantagem salarial feminina se explicava pelas diferenças na educação e de escolhas de profissão. No entanto, ao longo das últimas décadas este padrão tem sido revertido em muitos países desenvolvidos, já que as mulheres têm níveis semelhantes ou superiores de escolaridade. No caso português, em 2021, a percentagem de mulheres com ensino superior na força de trabalho era de 43%, contra 26,7% de homens. Claudia Goldin refere que, perante este cenário, outras discriminações explicam a subsistência desta desigualdade. Entre as principais está a maternidade. É a partir do nascimento do/a primeiro/a filho/a que a progressão salarial de homens e mulheres se afasta. Isto porque, dentro das atuais lógicas de funcionamento de mercado em que muitos empregos exigem longas jornadas de trabalho, as mulheres estão em desvantagem por recair sobre elas o peso das tarefas domésticas. Segundo dados de 2015, depois da maternidade, as mulheres portuguesas dedicavam menos 27 minutos por dia do que os homens ao trabalho pago e 1 hora e 40 minutos mais ao trabalho não pago relacionado com tarefas domésticas e de cuidados. As desigualdades que as mulheres portuguesas enfrentam na progressão da carreira refletem-se numa disparidade de representação feminina em cargos de direção e em funções de representação política. No setor empresarial, apenas 13,9% das funções de direção são desempenhadas por mulheres. Na política, há apenas 84 mulheres num parlamento com 230 deputados. Apesar deste cenário, o panorama é francamente mais favorável do que há uns anos. Isto porque, entre outras medidas, em 2017, a Assembleia da República aprovou uma lei que obriga as empresas públicas e as cotadas em bolsa a cumprirem quotas mínimas de mulheres nos altos cargos de gestão. Esta lei permitiu aproximar Portugal dos níveis de representação feminina europeus. Décadas de luta pela igualdade Desde a publicação do livro Novas cartas portuguesas, em 1972, pelas Três Marias, que desafiou a moral machista da ditadura, muito mudou em vários domínios. As situações de aborto inseguro a que muitas mulheres estavam sujeitas –tão bem descritas no livro– deixaram de ser uma realidade com a despenalização que chegou, tarde, em 2007. O direito à interrupção voluntária da gravidez foi conquistado a muito custo. Foi graças à corajosa peça jornalística "O aborto não é crime" de Maria Antónia Palla, em 1976; ao discurso sagaz de Natália Correia no debate parlamentar de 1982; ao impacto social das violentas representações de abortos dos quadros de Paula Rego na década de 2000; ao apoio da UMAR a mulheres vulneráveis para que pudessem abortar em segurança; e ao trabalho incessante de tantas pessoas e movimentos sociais. A melhoria das condições de vida das mulheres em Portugal resulta de notáveis avanços nos direitos laborais, sociais, sexuais e reprodutivos conquistados pela luta de muitas pessoas ao longo de décadas. No entanto, o trabalho não está terminado. Muito ainda precisa de ser feito para acabar com as desigualdades salariais, para alcançar a divisão equitativas das responsabilidades domésticas e dos cuidados e, sobretudo, para erradicar todas as formas de violência contra mulheres.