Produção Vegetal e Produção Animal: o problema do 10% e as relações necessárias

Que temos que comer é um feito de importância maior, que não menor, como diria um conhecido político do país, e vem sendo de máximo interesse, não somente porque seja condição necessária para uma vida digna, inda que não suficiente. O feito da alimentação tem consequências negativas no sistema planetário, e na própria comunidade humana. Que nos alimentemos duma ou outra maneira, que produzamos sob um ou outro sistema originará mais ou menos impacto (negativo) na Biosfera, e na comunidade do Homo sapiens sapiens. Indicar também que o pecado original não é nosso. E para entender melhor esta bula autoconcedida, falaremos da Matéria e da Energía. A natureza está formada por estruturas dissipativas pouco eficientes dende a perspectiva da transferência da matéria e energia que atravessa os distintos processos da vida. Assim, cada vez que ascendemos de nível trófico (vegetal-herbívoro-carnívoro) deixamos muita matéria (biomassa) e energia (emergia) pelo caminho (gráficos 1 e 2). Gráficos 1 e 2. A direção própria dos câmbios na natureza é originar uma diminuição na qualidade da energia, sendo que o Universo está em Equilíbrio. A energia é importante, temo-la presente na nossa vida diária, e estabelecemos relações, para nós claras, entre o vegetal e o animal: uma bisteca tem muita mais energia que um pimento, num princípio. Falaremos só um bocadinho (o comer está por todas as partes) da Energia, e do fator de transformação dela (“transformidade”). Transformidade=Emergia/Energia. Emergia é a energia usável, que produze trabalho, bens, serviços. Este concepto foi introduzido nos anos 50 do século passado por T. H. Odum, um ecólogo norte-americano energeticamente famoso. Independentemente das unidades utilizadas, por definição a energia solar tem um fator de 1 (a energia capturada é utilizada em 100% pelo Planeta). No gráfico 3 vemos diferentes valores meios para níveis genéricos de uso da energia. Os processos para a produção agrícola têm um fator de 180.000, para a produção animal é de 1.500.000, e dizer, precisamos 8,3 vezes más energia para obter 1 unidade de energia/produto animal que vegetal. Gráfico 3. O reparto Uma curiosidade, como a energia está em todo, sinalar que o valor de transformação meio referente à educação das pessoas é de 346.000.000. E para a reflexão temos que o valor do fator para viver em Burundi é de 164.000, em Espanha 24.400.000, na Bélgica 49.900.000. O reparto nunca foi equitativo. Quanto mais energia transformamos, mais degradamos, diminuindo a emergia, a energia útil/usável. Seguindo isso, e como sinalam as especialistas, o próprio é falar de crise de degradação da qualidade da energia, não de crise de diminuição dela. Já sabemos dende a escola que a energia não se cria nem se destrói. Coisas da termodinâmica. Volvendo ao fator de transformação, entendemos que quanto mais acima na cadeia trófica, mais consumo e degradação energética há. Enquanto nós consumimos proteínas, e principalmente de níveis superiores da cadeia trófica (herbívoros, carnívoros), estamos utilizando aqueles produtos que no seu processo de formação degradam mais energia. Quando comemos promovemos a utilização de níveis que precisam unha elevada degradação da energia para constituir as estruturas vivas. Non me esqueço, e por favor vocês tampouco, dos processos intermédios necessários para chegar à proteína humana (transporte, transformação, preservação, resíduos, ...). Por exemplo, e seguindo as recomendações do fabricante, temos: patacas (35 minutos a 100ºC), sopa, macarrões (13 minutos a 90ºC), carne de ave (75 minutos a 100ºC), peixe (17 minutos a 90ºC), vitela (75 minutos a 100ºC). Os produtos dos níveis tróficos mais elevados fazem-nos acrescentar a temperatura e o tempo, degradando mais quantidade de energia. Pior impossível. E já que estamos na cozinha, convém lembrar que inda que subministremos muita energia, a auga nunca superará os 100ºC. Estes processos são acrescentados quando miramos dende outra escala. É semelhante ao aquecimento terrestre. Um aumento de 0,5ºC ou 1ºC parece não muito importante, quando menos para mim, e entendo que para a maioria de vocês: não há muita diferença entre a temperatura ambiente de menos 0,5ºC e mais 0,5ºC, é dizer, 0ºC, nem frio nem calor. Mas tendo presente que os oceanos jogam um role fundamental no processo de regulação do clima, então o acrescimento da temperatura entre 0, 5ºC e 1ºC é muito significativo pelos milhões de litros de água que contenham as massas oceânicas. No caso energético-alimentar temos que multiplicar por milheiros de milhões de pessoas, por milhões de quilos consumidos, e pelos processos associados a produção e consumo já citados. Temos então uma questão importante na baixa transferência da biomassa e energia: pouca produção para tanto consumo. Preguntaram-se como estas discussões académicas da matéria/energia nos podem afetar, ou além disso, interessar. Aí vamos. O uso da matéria e da energia não é neutro para a existência do Homo sapiens sapiens (autodenominamo-nos por duas vezes sábios, lembrem, lembrem), e tem um componente ideológico importante: degradamos para o bem-estar comum ou para o enriquecimento de alguém? Realmente o que se persegue não é o ouro da colónia? Território e comunidades As decisões de utilizar níveis tróficos altos têm consequências na saúde do Planeta e dos humanos. Como os processos degradam muita energia, precisamos cada vez mais: na Galiza já sabemos de onde sai. A extração da energia (que degrada energia), e as aplicações tecnológicas consumem território e comunidades: colocação de moinhos de vento, parques fotovoltaicos, caminhos de serviço, linhas elétricas, exploração mineira para metais escassos e não tão escassos, onde deitamos o estrume/chorume produzidos em excesso? U-las emissões de gases? A economia circular, energeticamente falando, não é tão circular. Também é necessário produzir/importar muita matéria vegetal para alimentação animal: Galiza importa 90% de semente de oleaginosas. Traímos soja transgénica do Brasil produzida com uso massivo de biocidas, e população humana trabalhando em regime de semiescravidão, e com provocação indireta da desflorestação da Amazonia: agricultura ocupa território ganadeiro, o vaqueiro desfloresta para produzir pastos. A nossa Galiza tem um desequilíbrio importante entre produção animal e vegetal. Já non somente dende a perspectiva da soberania alimentar (equilíbrio entre o produzido/consumo), mas também em termos gerais. O nosso país apresenta um déficit importante na produção de cereais grão (37%). Importante é que a Indicação Geográfica “Pan Galego” somente exige 25% de farinha de trigo autóctone (entendemos que a benevolência é uma virtude). Para o leite e carne de vacum produzimos 495% e 367%, respectivamente, em relação com as nossas necessidades de consumo. Nesta altura dizer que reduzir a análise simplesmente ao equilíbrio produção/consumo pode ficar algo míope, principalmente para o agronegócio e a economia de escala. Volvendo a origem, matéria e energia, a superfície cultivada para produzir alimento para herbívoros é claramente superior a cultivada para produção vegetal para alimentação humana direta. Sinto muitíssimo, de boca e coração, mas dizer que o vinho não é um alimento básico. Assim dedicamos 68,95% da superfície agraria utilizada, 281.942 hectares, a forragem para alimentação animal (Xunta de Galicia, 2020). Desequilíbrio O desequilíbrio também trai outras derivadas que é importante considerar para uma análise holística do sistema. Assim para a Galiza temos 32.000 hectares de cultivo certificado em ecológico, mas 73% são pastos (Craega, 2020). A produção orgânica dá voltas, degradadoras de energia, para chegar às consumidoras. Dende o bem-estar fisiológico, dizer que a Organização Mundial da Saúde recomenda um consumo de carne de 20 quilos/ano/pessoa para evitar probabilidades altas de cancro colorretal, gota, enfermidades inflamatórias do intestino e doenças cardiovasculares. Este valor é suficiente para o aporte proteico que necessitamos, junto com a combinação de vegetais. Na cima EEUU com 99 quilos, Australia 97, Argentina 88, Israel 80, Brasil 77, Europa 67, Espanha 47. Para encerrar, colocar o evidente, não existem soluções mágicas. No planeta somos muita gente, com riqueza extraordinariamente mau repartida. Em fevereiro Catar, marzo para EEUU, Emirates Árabes e Canadá, em maio Chile, Alemanha e Espanha chegaram a “sobre-volta” ou “sobre-capacidade” do Planeta: a relação entre a Capacidade de Produção da Terra e Demanda da Humanidade. Para antes do 28 de julho de 2023 chegaremos ao sobre-volta total da Terra, todos os recursos do ano consumidos. Coda: Consumir vegetais, e a carne de acompanhamento, ilusiona um jantar saudável e agradável, também para o Planeta. Em geral, reduzir o consumo é a magia necessária, e sim e somente sim. Não fica outra. No va más.