"Tenho a sensação de em Portugal termos estado sempre à rasca"

Joao Tordo

Ganhador do Prémio José Saramago, o escritor português João Tordo (Lisboa, 1975) ministrou a semana pasada um ateliê de escrita criativa em Leiro (Rianxo).


João Tordo (Lisboa, 1975) é, junto com José Luis Peixoto, Valter Hugo Mãe ou Gonçalo M. Tavares, um dos seletos galardoados com o Prémio Literário José Saramago, que obteve em 2009 pelo seu terceiro romance: As três vidas. O último saiu do prelo este mesmo ano com o título O ano sabático. Mais o autor não descansa: desfruta com o seu trabalho na residência literária da editora Axóuxere em Leiro (Rianxo). O Concelho de Rianxo cofinanciou o ateliê de escrita criativa que ministrou a semana passada.

"Para mim um galego é um português com acento"

São as dez da manhã, a hora acordada, quando chego à velha casa aldeã de Brión onde Axóuxere tem a sua base de operações; o campo de batalha é o mundo. Tomo o pequeno almoço com os editores Xosé Manuel Tubío, Rafa Janeiro (hoje falta o meu amigo Roberto Abuín) e o romancista  João Tordo. Falamos um bocadinho sobre café e sonhos proibidos antes de ocuparmo-nos dos nossos assuntos quotidianos. João e eu vamos ao salão. Envolvidos por livros insuspeitos e o cheiro a pachulí, encetamos esta conversação.

O jornalista Mariano José Larra dizia em 1836: "Escribir en Madrid es llorar". Qué é escrever hoje em Lisboa?

Houve um tempo em que escrever era chorar. Assim era na época pré democrática, quer em Portugal quer em Espanha; os escritores eram mais conscientes de uma realidade política e tinham uma missão quase obrigatória de escrever o que sucedia em seus países. No caso da nova geração portuguesa, acho que já não choramos tanto e visamos reabilitar a nossa literatura. Salvando o caso de Saramago, Lobo Antunes ou Cardoso Pires, não houve um grande fulgor nos anos oitenta e noventa. Na transição ao novo século e o novo milénio surgiu uma nova geração menos saudosista e que procura outras formas de expressão.

"Houve um tempo em que escrever era chorar. Assim era na época pré democrática"

Falamos de autores mais viageiros, cosmopolitas e desarraigados?

As fronteiras já se abriram. A literatura portuguesa também perdeu a geografia. Eu escrevo histórias que decorrem em todos os lugares do mundo em que esteve. Meu último romance (O ano sabático) ambienta-se em Lisboa e também em Canadá. Perdemos a geografia, mas ganhámos uma maior consciência do mundo, a hipótese de publicar os nossos livros em qualquer país sem perder o seu sentido.

Como guionista que é da curta-metragem Crónica de uma revolução anunciada (2011), considera-se você uma das vozes criativas da "Geração à Rasca"?

Tenho a sensação de em Portugal termos estado sempre à rasca. A ilusão de riqueza dos noventa sumiu rapidamente porque as políticas europeias o determinam tudo. A curta-metragem inscreve-se em um projeto televisivo chamado "Portugal Hoje", que tencionava retratar um momento de grande agitação social após a intervenção da troika. Os nossos políticos desconhecem a realidade do dia a dia. Há uma falta de humanismo enorme na questão económica.

Como foi a sua passagem do jornalismo à literatura?

Quando morava em Londres trabalhava para o jornal português O Independente. Uma vez escrevi uma reportagem. O editor telefonou para me dizer que era um bom texto, mais que era ficção. Ultrapassara os factos. Aí enxerguei que tinha de voltar ao que sempre fosse o meu desejo: escrever ficção.
 
As suas tramas misteriosas cativam emocionalmente o leitor...

Não escrevo livros de mistério. Quando era neno li os clássicos do mistério e da novela policial, mas também li Kafka, Melville, Dostoievski, Poe… Os meus romances têm muito de autobiográfico. Em ocasiões as minhas próprias vivências e as pessoas que vou encontrando ao longo da vida servem para alimentar a minha ficção, que se acha em uma fronteira entre o real e o irreal. É, antes que qualquer outra coisa, uma ficção existencial.

É por isso que acostuma narrar em primeira pessoa?

Sinto-me cómodo escrevendo assim porque sei que desse modo há coisas que não pode saber. A primeira pessoa nunca pode ser omnisciente. Para o tipo de livros que escrevo é o mais apropriado.
 
O seu romance O bom inverno surge trás o bloqueio literário que lhe supôs o prémio. Como alguém com bloqueios pode ensinar a escrever em ateliês?

Era a primeira vez que não sabia se ia estar à altura da expectativas. O bom inverno é mais diferente de quantos livros escrevi. Liberei-me completamente para esta história. A partir de ele não tenho bloqueios criativos. Nos ateliês literários é fundamental ensinar a importância de conseguir criar uma rotina literária. Nos quinze dias que levo em Rianxo escrevi mais do que nos últimos seis meses.

-Que é então escrever em Rianxo?

-É ótimo. Escrevo umas seis horas ao dia. Esta é uma casa bonita, cheia de livros e de coisas antigas... Tenho calma contínua e poucas distrações.

-Você tem tido residências literárias em Nova York ou Montreal, por quê elegeu agora Galiza?

-Eu já estivera algumas vezes na Galiza. Parte do meu novo romance, cuxo protagonista é um galego, estará ambientado em Pontevedra, Santiago de Compostela e Brión (Rianxo).

-Por quê um galego?

-Porque para mim um galego é um português com acento. E porque Galiza me tem inspirado