Opinión

O desfoque normativista

O dia 28 de outubro, este mesmo jornal publicava um artigo, assinado por Manuel Veiga, que, com o título "O desenfoque reintegracionista", apontava um bloco de questões segundo as quais, como o título sinala, o reintegracionismo desfoca a realidade. Do meu humilde ponto de vista, quem desfoca e contribui ao processo de dialectalização do galego é, justamente, a normativa da Academia Galega. Quero sublinhar o verbo contribuir, no sentido de que, sendo o problema fundamental do galego o andamento normalizador, não é menos certo que uma norma é essencialmente, uma decisão política, como provam os casos, entre outros, do francês, o vietnamita, o russo ou o euskara, sendo as consequências dessa decisão também de natureza política. É lícito pensarmos que no rumo, não demasiado positivo, que a língua galega singra, alguma responsabilidade cumprirá apor-lhe à normativa. 

Acredito ter razão o articulista quando nega o assunto da “utilidade como razón principal”. Com efeito, se aceitarmos esta premissa, qual seria o porvir do gaélico ou o bretão? Ora, uma língua não é só uma questão numérica, mas também é uma questão numérica, de número de falantes. Na defensa dum idioma ameaçado, é vital unirmos valores de jorne identitário, cultural, afetivo e simbólico, sem esquecermos, porém, o feito de vivermos numa sociedade, sobredeterminada em última análise pola economia, dito seja com licença de Althusser. De feito, isso deve ser o que Veiga tem em mente ao afirmar o português não ser uma “língua internacional”, notícia verdadeiramente surpreendente para uma língua que, segundo diferentes fontes, falam entre 220 e 295 milhões de pessoas de 4 continentes e ocupa um lugar situado entre o 4º e o 7º mundial. O fio argumental continua sinalando a necessidade de empregar outros fatores, como o potencial económico, passando o autor a estabelecer o superior “peso” internacional de Alemanha, 90 milhões de falantes, frente ao Brasil (200 milhões segundo Veiga). Se aceitarmos tal afirmação, téndomos em conta que Alemanha é a 4ª economia mundial, Brasil a 7ª e Espanha a 14ª, a conclusão é que tampouco o espanhol é uma língua internacional. 

A seguir, Veiga inicia um interessante decurso verbo da tradução, identidade, diminutivo galego, devanceiros, criação literária, autonomia, história e independência cultural que, de verdade, penso se afasta totalmente da questão basilar. Afinal o autor formula uma pergunta enigmática: é Brasil comparável com Galiza? A resposta é, no contexto no que estou a mover-me: por suposto, sempre admitíndomos que Irlanda é comparável com Austrália polo feito de as duas nações falarem, essencialmente, a mesma língua. 
Penso que um dos problemas da normativa RAG não é que nos queira afastar do nosso tronco (problema identitário, por certo), senão que nos afasta de toda a área romance. Vejamos: latim: frequentia; port.: frequência; cat.: frequência; it.: frequenza; ing.: frequency; fr. fréquence; al.: Frequenz; gal.: frecuencia (como o espanhol). latim: processus; port.: processo; it.: processo; al.: Process; ing.: process; fr.: processus; gal. proceso (como o espanhol). Ou: fr.: biologiste/biologie; port.: bióloga/biologia; cat.: bióloga/biologia; ing.: biologist/biology; al.: Biologe/Biologie; gal: bióloga/bioloxía (como ninguém). Poderia seguir com a substituição indiscriminada de j e g polo x desprezando o latim (lat. longe ; port. longe ; gal. lonxe / lat. jactu; port. jeito; gal. xeito) como se as pessoas galegas não fossem quem de apreenderem esses matizes gráficos; a mudança na consideração do ch só depois de o fazer o espanhol, ou a não marcação da abertura ou feche das 7 vogais e, a seguir, a surpresa por se estar a perder este signo próprio da nossa língua. 

Em 1892, Pompeu Fabra, normativizador do catalão, afirmava que “a moderna ortografia catalã é demasiado castelhana”. Num ponto de vista semelhante situaram-se Murguía, Pondal, Viqueira, Villar Ponte, Carvalho Calero, Blanco Torres, Dieste, Carré Alvarellos, Paz-Andrade, Castelao, Risco, Otero Pedrayo ou Díaz Pardo, provavelmente todos desfocados.

Comentarios