Opinión

Igrejas e guerra na Ucrânia (II)

O ucraniano é um povo muito religioso. Dias passados correu pelas redes um vídeo em que se via levar num carro escoltado o grande crucifixo da catedral de Kiev a um búnquer; impressionava ver tanta gente que se ajoelhava devotamente ao seu passo, rezava e cantava.

Também o povo russo foi sempre um povo muito religioso. A repressão religiosa nos tempos da URSS deu lugar após a sua caída a uma presença da religião que invadiu a política institucional em total conivência com o poder. O patriarcado de Moscovo semelhava volver aos tempos da Rússia dos zares. Moscovo reclamava-se de novo como a terceira Roma: a primeira caíra com as invasões dos bárbaros no s. V, a segunda fora Constantinopla, que caíra no XV com os otomanos, e Moscovo afirmou a sua preeminência no mundo cristão. O novo zar, Putin, fazia-se ver em público nas cerimónias com o patriarca Kiril –que seique tem uma boa fortuna pessoal e um chalet na Suíça e mesmo chegaria a espiar para a KGB pelas suas relações no centro ecuménico de Genebra–, como um devoto e recebendo as suas apertas. Putin ve na religião um elemento identificador do nacionalismo russo, que o distingue de Ocidente.

O patriarca correspondia-lhe com o seu apoio total; também na invasão da Ucrânia. O 10 de março Kiril dizia em público que a responsabilidade da guerra estava nos que buscavam "debilitar Rússia". Denunciava a Ocidente por querer levar a cabo uma "reeducação mental" dos ucranianos pelo caminho da "degeneração" sexual ocidental dos gays, que os opusera aos seus vizinhos do leste. Numa carta o 24 de fevereiro bendizia o exército russo, alentando-o a participar na guerra, que mais que ofensiva seria "defensiva" frente à perversão e a decadência de Ocidente; uma verdadeira "guerra santa", como outras que estamos fartos de ter aturado ao longo dos séculos. Uma verdeira vergonha para ele e para Putin, que conta com apoios como este.

Já falei no meu artigo anterior da resposta da Igreja ortodoxa na Ucrânia, que –com o resto dos cristãos- se opõe às afirmações de Kiril e condena a invasão. E em Russia surgem vozes de que cumpre "desputinizar" a igreja ortodoxa russa.

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