Opinión

E que diria Tolstoi?

A guerra segue acabando cruelmente com vidas de centos de inocentes. O último foi o arrepiante massacre de Bucha. As imagens dos cadáveres tirados nas ruas petam nos olhos e na consciência até dos mais frios.

Eu lembrava a sabedoria dos jainas, uma religião pacifista que tenho traído a esta coluna nalguma outra ocasião: "A violência é a raiz de todas as misérias do mundo".

E lembrava também a Lev Tolstoi, o grande escritor russo que acabou os seus dias como um homem radicalmente pacifista. O seu evangelho utópico é o jeito de viver o cristianismo, proposto sobretudo nas suas obras Evangelho de Tolstoi e O Reino de Deus está em vós; esta última era o livro preferido de Gandhi, do qual chega a escrever: "Marcou-me para sempre".

O livro vira a luz na Alemanha em 1894, após ser censurado no seu país, apesar de ser o grande escritor o mais admirado na sua Rússia. As razões desta censura eram evidentes; a obra era um ataque radical às maiores instituições: o estado, o exército e a Igreja. A sociedade –dizia– deve estar regida pelo respeito absoluto ao outro, negando-se a responder ao mal com o mal; pelo tanto, abolindo a pena de morte e os castigos, habituais na sociedade russa. Sobretudo, abolindo o exército e o serviço militar, que leva os povos aos matadoiros inúteis das guerras. Tolstoi carga contra as instituições que ao longo da história prejudicaram enormemente a humanidade; tanto os poderes civís como os religiosos, porque sempre utilizaram e justificaram o emprego da violência. Para o grande escritor, cristãos e ateus resultam igualmente culpáveis. Mesmo chega a dizer que cumpre abolir o estado repressor que leva a isto. Cumpre uma resistência pacífica contra o mal que gera violência, chamando à desobediência civil, que logo praticaría amplamente Gandhi.

Que diria hoje Tolstoi desta matança e das outras das semanas passadas? Maldiria as autoridades políticas e religiosas que a justificam! E... choraria de impotência. Mas chamaria o povo russo a rebelar-se pacificamente contra esta nova agressão.

Comentarios