Opinión

Vamos ingenuizar

Num evento organizado polo Instituto da Lingua Galega, a que foi convidado o presidente da AGAL, surgiu uma pergunta por parte de Xosé Luís Regueira, presidente da instituição universitária: "Em Vigo podemos escutar rádios portuguesas [...] porque não se escutam?”, uma pergunta que seria extensível a outros produtos em português (filmes, sites, podcasts, apps, canais youtube).

Uma resposta rápida podia ser: pola mesma razão que polacos são católicos, birmanos budistas e os sauditas seguem o Islão. Somos sociabilizados para fazer e sentir de determinada forma. Não somos assim tão originais. Vestimos jeans porque todos vestem jeans e vemos tal série porque todos falam dela. É uma possível resposta. Ora, é fraca porque é do tipo “as mudanças climáticas são por acaso”. Quer dizer, não há responsáveis.                   

Ler, ver e ouvir é um ato social. Não afeta apenas o tipo de recurso que escolhemos, papel ou ebook, nem a temática, social ou ficcional, como também afeta a língua de suporte. Em todos estes casos, observamos o que realizam as outras pessoas e estamos condicionados polas suas escolhas.

Como bem sabemos, o galego-ilg tem uma presença residual em muitas áreas em que uma pessoa do século XXI nada e mergulha os dias todos, por vezes o dia todo. Isto é evidente com o telemóvel e o portátil. Alguém, abarrotado de ingenuidade, pode pensar, olha, se um dado produto não existe em galego, é melhor recorrer ao português, antes que ao castelhano.

Entre as duas estratégias para o galego, a isolacionista e a reintegracionista, nem tudo são divergências. Todas sabemos que o português é um reforço para o galego e o castelhano um diluente, descrito no dicionário como “substância que se adiciona a outra para diminuir a sua concentração ou para alterar as suas propriedades físicas”.

Sendo assim, e continuo com o esquema ingénuo, o melhor para a saúde social da língua seria que as suas carências fossem preenchidas com o português. Por exemplo, quando encaramos um audiovisual ou um jogo digital na variedade brasileira, o nosso galego vai sair reforçado. As palavras que vamos ouvir ou ver escritas são as nossas. Polo contrário, quando o produto está em castelhano, as palavras são da língua que está a substituir a nossa, cada vez a uma velocidade maior.

Soa tão racional que emociona.

Entre as duas estratégias para o galego, a isolacionista e a reintegracionista, há diferenças essenciais. A primeira delas tem uma visão local da língua, enquanto a segunda tem uma prática internacional. Por outras palavras, para a primeira, o português é estrangeiro, o que provoca que o castelhano seja mais imprescindível do que deveria ser.

Há 40 anos, o Parlamento galego, com maioria parlamentar de partidos nacional-espanhóis, decidiu que a nossa língua seria local. Foi uma vitória política do ILG e do galeguismo contemporizador e a  derrota das propostas de Carvalho Calero e de um galeguismo capaz de olhar longe. Foi, também, mais um dano colateral da Transição.

Eu concordo, plenamente, com que o português é um reforço para o galego e este saber é partilhado pola maioria das pessoas que aspiramos a que a nossa língua se expanda socialmente. De facto, é o melhor recurso para o conseguir. No entanto, em quatro décadas, quantas campanhas ou iniciativas elaboradas polas instituições galegas, a incluir entidades de normalização linguística, puxaram deste fio? A resposta tende para zero. E seria ingénuo achar que foi por acaso.

Quando o dogma de fé é que estamos sós, que nos bastamos sós, e que Portugal e o Brasil falam romeno ou ocitano ou qualquer outra língua latina estrangeira, que se pode fazer? Nada.

Nada e zero não parecem bons recursos

Os galegos vivemos numa sociedade onde o castelhano é a língua esmagadoramente hegemónica. Já não há ilhas onde dar espaço à ingenuidade. As ondas da rádio, da TV, da Internet chegam a toda a parte. Somos sociabilizados, falemos a língua que falarmos, para usar o castelhano para um sem fim de funções, o que acelera a sua expansão. E em frente, quem está, por parte das instituições públicas para responder a isto? Ninguém.

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