Opinión

Um vegetal não leva uma vida humana

Os temas morais, entre eles o da eutanásia, estão condicionados nas religiões abraâmicas polos livros sagrados e polos dogmas ou proposições inalteráveis e definitivas que foram criando no decurso do seu devir.

Em dezembro de 2019, a Conferência Episcopal Espanhola publicou um documento sobre a eutanásia titulado Semeadores de Esperança, mas em vista do grande apoio que tem entre a cidadania a legalização da morte digna, parece que em vez de esperança semearam desilusão. Os temas morais, entre eles o da eutanásia, estão condicionados nas religiões abraâmicas (judaísmo, cristianismo e islamismo), polos livros sagrados e polos dogmas ou proposições inalteráveis e definitivas que foram criando no decurso do seu devir.

No cristianismo há muitos dogmas que estão relacionados com a conceição do homem e, por conseguinte, com a eutanásia. Citarei aqui os que me parecem mais importantes a este respeito: o dogma do pecado original, consistente numa suposta culpa de desobediência a Deus quebrantando a ordem de não comer maças da árvore do bem e do mal, que se saldou com um castigo desorbitado que danou intrinsecamente a natureza humana e que se utiliza para explicar tanto o mal moral, ou seja, o pecado, como o mal físico, quer dizer, o sofrimento, assim como a hostilidade para com o ser humano e os demais animais da própria natureza cósmica. O ser humano perdeu a liberdade e ficou incapaz de realizar no futuro nenhuma obra meritória se não recebe a graça divina, ainda que ficasse com uma liberdade total para fazer o mal. Outros dogmas implicados é o da redenção de todos os homens por Cristo que sofreu a morte de cruz para salvá-los e o da criação da alma por Deus..

Se o homem carece de liberdade para o bem, carece também de qualquer autonomia, que não é outra cousa que a liberdade de decisão, no caso da eutanásia, sobre a própria vida e, portanto, da liberdade de pôr fim a ela, quando deixou já de ter valor, nas condições em que a comunidade o determine, que, evidentemente, têm que ser razões nas quais se comprove dum modo fidedigno que essa vida deixou de ser uma vida propriamente humana. A CEE nega precisamente essa autonomia, fundamentando a sua posição em que o homem pretende ter uma autonomia absoluta, tese a todas as luzes fora da realidade, e em que a autonomia humana está ligada ao bem, com o qual pretendem os dirigentes religiosos subordiná-la a Deus e, consequentemente à religião. Estão no seu direito em crer que existe um deus sábio, bondadoso, providente, etc. do que eles são os interpretes fidedignos, mas então quiçá poderiam explicar-nos porque no mundo que ele criou existe tanta dor e tanto sofrimento, tanto físico como moral. Não sabia fazer nada melhor? Ou é que gosta de contemplar o sofrimento humano e dos demais animais?

A CEE reafirma a dignidade humana concebendo-a como algo que existe nele independentemente das suas vicissitudes vitais históricas, só por ser humano “com independência de qualquer outra circunstância como raça, sexo, religião, saúde, idade, habilidade manual, capacidade mental ou econômica”, têm dignidade como tais, e esta dignidade –dizem- não se pode construir só sobre a autonomia. Mas a dignidade humana não é uma ideia platônica existente como tal nos indivíduos, senão que é somente o conjunto de direitos e de atos que pode exercer numa determinada comunidade, e de ai que um ser humano que está excluído socialmente, que não tem onde nem com quem viver, não pode viver com total dignidade. Igualmente um ser que sofre, sem esperança de cura e pode que sem pessoas achegadas que o atendam, dificilmente se pode dizer que possa desenvolver uma vida digna.

A dor desempenha um rol vital no cristianismo. No paraíso concebe-se como castigo polo pecado. Na redenção de Cristo como fonte de libertação dos humanos da escravidão do pecado, ainda que é dificilmente admissível que Deus recorresse à morte do seu próprio filho, quando podia fazê-lo pronunciando uma palavra ou com um mero gesto. E para os cristãos, a dor converte-se num ato de identificação com o sofrimento de Cristo, ainda que isso não leve a um masoquismo estéril. Por isso, seria louvável sofrer também nos últimos momentos da vida, ainda que um leve uma vida própria dum vegetal, como é o caso dos que padecem demência senil, Alzeimer Ela, esclerose múltipla... nos últimos estádios da sua vida.

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