Opinión

Um arcebispo galego valente (I)

A finais de junho de 2020, um jornal digital publicou uma entrevista a um arcebispo galego, natural de Asados, Rianjo, Santiago Agrelo, franciscano, que me causou perplexidade e me induziu a pensar que por vezes algo parece mover-se, ainda que timidamente, no seio da igreja católica, enquanto que algumas das suas respostas não parecem coincidir com as da oficialidade eclesial. Têm, por conseguinte, a virtualidade de que refletem algo novo e isto é de por si positivo, porque a realidade tem muitas aristas e cada nova arista sempre é sugestiva. Como alguns companheiros me pediram a minha opinião sobre este tema, intentarei responder aos pontos mais salientáveis das suas afirmações.

Um dos problemas importantes que tem a igreja é a sua relação conflitual com a ciência, que, partindo de observações e experimentos, é capaz de estabelecer as leis que governam a realidade, leis que são intrínsecas ao devir natural, independentes das decisões dos seres tanto humanos como divinos, e incompatíveis com o discurso religioso, que atribui todos os factos à intervenção de vontades e desígnios de seres hipotéticos superiores que regem todos os acontecimentos e que podem modificar a realidade natural produzindo milagres. A este respeito diz este religioso: “Se damos por suposto que Deus, na Criação, manteve a sua intervenção na Terra, à margem das leis terreais, estamos inventando um mundo que não existe, que não existiu nunca. O mundo tem as suas leis, as suas normas, a sua autonomia, e isso não quita para nada do que lhe corresponde a Deus”. Esta é uma posição que intenta conciliar proposições contrárias, pondo-lhe uma vela a à ciência e outra a Deus. Eu concordo com o que ele diz na primeira parte da resposta, mas não na segunda. Se a natureza se governa polas suas leis, a sua autonomia, não pode operar de acordo com decisões heterônomas, e portanto, a hipótese de Deus é desnecessária. Aliás, a ciência rege-se polo princípio metodológico da simplicidade, formulado por Newton, que diz que «não devemos para as cousas naturais admitir mais causas que as verdadeiras e suficientes para explicar os seus fenômenos”. A razão é que “a natureza é simples e não se compraz em causas supérfluas para as cousas”. Portanto, de acordo com este princípio se a hipótese de Deus não é necessária, cumpre eliminá-la.

A sua afirmação de que os males não são um castigo de Deus, porque Deus não opera assim na história não resolve nenhum problema, porque o que tem que explicar-nos o Sr. Agrelo é como a um Deus criador do mundo, que é onipotente, onisciente e bondadoso, lhe sai um mundo tão imperfeito e no que existe tanto sofrimento. Não sabia, não quis, ou não pudo fazê-lo melhor? Qualquer das alternativas que se escolham desacredita totalmente a divindade. Toda religião que, como as três grandes monoteístas, aceite um Deus onisciente, onipotente e bondadoso, incapacita-se para explicar a existência do mal no mundo. Se Deus criador não teve nada que ver com a pandemia, a que se devem estas pandemias?

Não podemos por menos de concordar com a sua afirmação de que os males que existem no mundo não são obra dum castigo divino, mas não compartimos o seu entusiasmo polos relatos do Gênesis referentes a Adão e Eva, “dos mais fermosos e significativos da Sagrada Escritura”, e suponho que também ele mitigaria o seu entusiasmo se fosse mulher e fosse consciente que estes relatos da primitiva parelha justificaram o machismo mais exacerbado e apresentado como obra do mesmo desígnio divino; também o mitigaria se fosse plenamente consciente das suas implicações e, como uma pessoa preocupada polos temas da justiça e da proporcionalidade do castigo, comprovasse que este relato foi aproveitado por Santo Agostinho para propor a doutrina do pecado original, que vem dizer que Deus submete os seus filhos, os seres humanos, a uma prova que sabia que não superariam, e castiga a todos os descendentes dessa parelha com o castigo mais atroz que o mais cruel criminal pudo nunca imaginar, polo simples facto de desobedecê-lo e comer duma fruta proibida; se for uma mulher prenhe e constatasse que a igreja optou historicamente pola sua morte para poder batizar o seu filho não nascido; se fosse um cristão humilde e constatasse que os clérigos enviaram para o inferno as crianças não batizadas, ainda que ultimamente mudou a sua posição.

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