Opinión

Responsáveis da repetição eleitoral

Creio que se pode dizer que o facto de que não se constitui-se um governo na Espanha é um fracasso político em toda regra e sem paliativos de nenhuma classe, e é normal que a cidadania se pergunte qual é a razão de fundo de que isso acontecesse e qual ou quais foram os responsáveis deste tremendo desaguisado. É um fracasso porque, ainda que muitas vezes a inércia permite que não se note muito a falta de governo temporalmente, todo país tem que estar preparado para tomar medidas excepcionais para fazer frente a desafios que nos vêm dados, além de que, no momento atual em que há muitas pessoas que o estão a passar mui mal, cumpre tomar medidas que aliviem a sua situação. É também um fracasso econômico, porque implica um gasto extra que há que detrair doutras partidas, queiramos ou não. Em vista disto, o que estão a fazer os partidos políticos é intentar a toda custa que a cidadania não carregue sobre eles a culpabilidade do fracasso para não ver-se penalizados nas urnas. 

A responsabilidade não se lhe pode botar á cidadania por votar o que votou. A cidadania vota o que considera que é melhor e são os representantes políticos os que têm que adaptar a ação política ao que vota á cidadania e não a cidadania a que tem que adaptar o seu voto aos esquemas dos partidos. A democracia, se tem algum significado, consiste em que o povo manda, pelo menos de vez em quando, e os políticos não são mais que os seus representantes, que recebem em cada eleição a encomenda do que devem fazer. É a ação política e as leis as que deven adaptar-se ás decisões cidadãs e não as decisões cidadãs ás ações políticas e as leis.

A responsabilidade não se lhe pode botar á cidadania por votar o que votou

Tão-pouco podemos dizer que os partidos minoritários tenham a culpa porque por muito que desejem que haja governo não está na sua mão fazer que este desejo se realize. Isto implica que temos que dirigir a nossa olhada cara ás quatro grandes formações estatais: PP, PSOE, Podemos e C’s. Mas, para saber qual ou quais são os culpáveis temos também que ter em conta em que difere a votação atual a quatro doutras votações a dous: PP e PSOE. Parece claro que se PP e C’s obtivessem a maioria absoluta não existiria problema algum e que hoje Mariano Rajoy seria presidente do governo de Espanha, por muito que Rivera renegasse dele antes e na campanha eleitoral, como também fez com Pedro Sánchez. Igualmente parece claro que se obtivessem a maioria absoluta PSOE e Podemos, o PSOE teria mui difícil negar-se a encabeçar um governo de esquerdas, ainda que as linhas vermelhas, que negava no discurso, mas impunha na prática, não permitem afirmar que esta eventualidade se materializasse. Os barões do PSOE, mui especialmente Susana Díaz, fazem da questão do referendo catalão um casus belli, e Podemos tem difícil ceder se não quer descompor-se como formação unitária.   

Os barões do PSOE, mui especialmente Susana Díaz, fazem da questão do referendo catalão um casus belli

Podemos observar que a situação atual não difere muito doutras anteriores. Cumpre ter presente que em 1993, o PSOE tinha 159 escanos e, dado que lhe faltavam 17 para a maioria absoluta, tinha opção de governar com IU que tinha 18 ou os nacionalistas catalães de CiU (17 escanos) e bascos do PNV (5 escanos), inclinando-se por esta última alternativa. Em 1996 o PP somente teve 156 escanos e faltavam-lhe 19 para a maioria absoluta, e recorreu ao apoio parlamentar de CiU (16 escanos), PNV (5 escanos) e Coligação Canária (4 escanos). Era o momento em que Aznar falava catalão na intimidade.  

No 2004 o PSOE ao mando de José Luis Rodriguez Zapatero consegue 164 escanos e governou com o apoio de ERC (8 escanos), IU-ICV ((5 escanos), Coligação Canária (3 escanos), BNG (2 escanos) e Chunta Aragonesista ((1 escano). Nas eleições de 2008, o PSOE obteve 169 escanos e governou com maioria simples e foi investido presidente graças á abstenção dos 23 deputados dos grupos nacionalistas: (CiU, PNV, IU, ICV, BNG, CC, NaBai). As legislaturas de Aznar com maioria absoluta, a de Zapatero, com maioria simples, e a de Rajoy com maioria absoluta, foram das mais negativas da etapa democrática. 

Em dezembro de 2015, as urnas deixaram as possibilidades seguintes:     

A) Governo de maioria absoluta de direitas presidido por Rajoy e com o apoio do PP (123 escanos), C’s (40 escanos), DiL (8 escanos) e PNV (6 escanos) = 177 escanos. 

B) Governo de maioria simples de esquerdas, presidido por Pedro Sánchez, com o apoio do PSOE (90 escano), Podemos e Confluências (69 escanos), IU (2 escanos), o PNV (6 escanos) = 167; e com a abstenção de ERC (9 escanos) resulta uma maioria de 176 escanos. Se ERC votasse em contra, teria que abster-se DiL e os nacionalistas canários. 

C) Um governo misto de direita-esquerda formado por: PSOE, Podemos e C’s, que foi a alternativa elegida polo PSOE e acordada com C’s, mas oferecendo-lhe a Podemos somente um prato já preparado ao que podiam só dar-lhe a sua aprovação.   

Porquê Rajoy não impulsou a opção  a) que seria teoricamente a mais natural se temos em conta o número de escanos? Considero que somente obedece a que, devido á sua política de fustigação dos nacionalistas que tem como causa a sua conceção de Espanha como uma realidade unitária, uninacional, radial e patrimônio das formações espanholistas madrilenhas, o prezo que teria que pagar seria demasiado elevado e a dose de valentia requerida muito superior ás suas forças. Teria que aceitar que o povo catalão decidisse de por si como sujeito político próprio, quando somente lhe assina o rol de súbdito da Espanha uma e indivisível. Tão-pouco aceitaria esta opção o partido xenófobo de C’s, que tem como eixo cardinal do seu discurso votar contra todo o que prejudica ao centralismo espanholista. 

A alternativa b) seria também viável teoricamente, especialmente se temos em conta o cansaço dos nacionalistas com a política absorvente do PP e a política ameaçante de C’s, e assim lho manifestaram a Pedro Sánchez. Porquê não se materializou? Considero que por duas razões: em primeiro lugar, a sua conivência com os sectores oligárquicos espanhóis, e a sua proclividade á adoção de políticas de caráter neoliberal impostas pela troika, que determinam que coincidam mais com as políticas liberais de C’s que com as políticas socialdemocratas de Podemos; e, em segundo lugar, o seu centralismo jacobinista essencialmente coincidente com a visão uninacional, unitária e radial do PP. A sua solução ao problema territorial de Espanha limita-se a prometer uma reforma constitucional que ignora a realidade plurinacional do Estado e que eles tão-pouco estão em disposição de levar a cabo, ignorando que o que a imensa maioria dos catalães demanda é o direito a decidir o seu futuro. Isto implica que a sua noção da democracia consiste em impor-lhe á cidadania um sucedâneo desvaliado de que ela pede.  

A solução do PSOE ao problema territorial de Espanha limita-se a prometer uma reforma constitucional que ignora a realidade plurinacional

A alternativa defendida pelo PSOE foi a terceira, que implicava estabelecer um pacto de amor indissolúvel com C’s e convidar a Podemos a que se some e aceite o pacto já cozinhado de antemão por eles dous, limitando-se a introduzir certos adubos estéticos. É um pacto contra-natura, um pacto no que estaria, por uma parte, um partido de tendência liberal e fortemente centralista e espanholista, como é o C’s, e, pela outra, um partido de tendência socialdemocrata e partidário do direito a decidir, defensor de políticas antitéticas com o anterior, e ao que se lhe impossibilita, por outra parte, entrar no governo. O PSOE tenta impor esta opção devido á sua proclividade jacobinista e neoliberal e ao forte descrédito pessoal de Pedro Sánchez ante os barões dirigentes do seu partido que o ataram em curto abocando-o a um beco sem saída, mediante a imposição de várias linhas vermelhas. Não podia pactuar nem com os independentistas catalães nem sequer admitir a sua abstenção, pela citada visão jacobinista de Espanha do PSOE, nem com o PP, por ser um partido inundado de corrupção, e conscientes de que optar pela grande coligação representaria a sua decomposição como partido. De aí que o Pedro Sánchez pactuou com C’s e, uma vez estabelecido este pacto de amor indissolúvel com este partido dedicou-se a premer a Podemos para que o aceite tal qual foi pré-cozinhado por eles dous, pretendendo que o partido morado o fizer Presidente do Governo, que renunciasse a todos os cadeirões por estar todos reservados por desígnio divino para os socialistas, e que fosse Podemos quem renegasse aos seus sinais de identidade e se descompusesse politicamente. O problema de Pedro Sánchez é que não teve em conta que a ingenuidade tem um limite e se pensava que Podemos ia imolar-se em benefício dele, é que tem um problema de inteligência.  

O veredicto considero que é claro: o facto de que Espanha não tenha governo deve-se á incapacidade dos partidos políticos PP, PSOE e C’s a compreender que Espanha é uma realidade plurinacional, plurilingüística e pluricultural, e que isto tem que ter a sua tradução política. Se estas formações aceitassem que há que resolver o problema territorial mediante o pacto com os cidadãos das comunidades afetadas, hoje Espanha teria um governo, como o teve em ocasiões anteriores. O que não se pode é fustigar os nacionalistas, querer espanholizar as suas comunidades, invalidar referendos já votados e esperar que os cidadãos implicados se limitem a rezar o rosário e pedir o favor divino para os culpáveis dos seus agravos.     

O facto de que Espanha não tenha governo deve-se á incapacidade dos partidos políticos PP, PSOE e C’s a compreender que Espanha é uma realidade plurinacional    

O futuro penso que está marcado claramente. O PSOE já estabeleceu por boca de Pedro Sánchez e Susana Diaz as suas linhas vermelhas. Não pactuarão com o PP, pelas razões mencionadas, mas sem que especificassem se o deixarão governar em solitário. Também volvem as linhas vermelhas para aceder a que os catalães votem.  Prioritariamente, escolherão como partenaire de viagem a C’s, dando-lhe cabaças a Podemos, e, em caso de não poder contrair matrimônio com o seu amor preferido, deixar governar ao PP se Podemos não descafeina as suas políticas, renuncie ao referendo e estabelece um pacto de conveniência no que eles saiam mui beneficiados.

Creio que os cidadãos devem ter claro que, em todo caso, nunca os socialistas promoverão um pacto entre eles e Podemos e que a única opção que têm de que governe um partido de esquerdas é que se apóie mui majoritariamente a Podemos, além de que o PSOE apresenta um candidato mui débil e desacreditado no seu partido, e porque intentarão aplicar no futuro as políticas que sempre aplicaram, e tão-pouco vão evitar as portas giratórias e a sua conivência com as empresas do IBEX 35. 

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