Opinión

A religião e os atentados terroristas

Depois de cada atentado os políticos reiteram uma e outra vez que é um problema de terroristas e não da religião em si, com objeto de evitar uma guerra de religiões e o ódio contra os que a praticam, propósito sem dúvida louvável, ainda que não parece ajustar-se à realidade, como todos os slogans demasiado simples. 

Temos um feito constatável em todos os casos de ataques terroristas, que é o facto de que os seus protagonistas muçulmanos se realizam em nome de Alá e assassinam ao grito de «Alá é grande», e como  não existem indícios que nos permitam duvidar da sinceridade das suas reivindicações, temos que concluir que a religião algo tem que ver com o terrorismo. Contudo, seria desacertado estender a animadversão por estes ataques irracionais e selvagens aos praticantes das religiões em geral, pois a grande maioria dos crentes são pessoas de paz e contrárias aos atentados indiscriminados que visam dar morte a quantos mais, melhor, e deve concentrar-se nas pessoas e grupos que expandem o terror entre a população. Ora bem, os aderentes de qualquer religião ou outra associação devem tomar todas as medidas ao seu dispor para permitir que as autoridades do país onde têm lugar possam pôr ante a justiça aos seus autores, e condená-los sem paliativos. 

Os terroristas muçulmanos manifestaram que a sua luta vai dirigida contra os cruzados e os judeus, que são considerados principalmente os «outros», e, se temos em conta que a religião muçulmana procede por filiação da judia e da cristã e que têm a mesma conceição filosófica de Deus ainda que com diferentes denominações, isto significa que a sua proximidade ideológica no referido ao conceito de Deus não propicia a mútua fraternidade e solidariedade entre elas, senão, ao revés, o enfrentamento e a divisão. Fixemo-nos em que não põem no seu centro de mira nos ateus, budistas ou hindus, senão  mais bem as confissões que têm um mesmo ar de família. Isto indica que, em realidade, existe uma luta latente pola supremacia mundial, neste momento especialmente do islamismo com as outras duas, com o propósito de impor o mesmo credo a toda a humanidade e, em definitiva, uma teocracia mundial, dando fim assim a qualquer resto de pensamento livre. 

Estas três grandes religiões monoteístas foram historicamente protagonistas de atos de terror tanto contra os seus próprios fieis como contra os chamados infiéis

Estas três grandes religiões monoteístas foram historicamente protagonistas de atos de terror tanto contra os seus próprios fieis como contra os chamados infiéis, indignos para eles de viver e, portanto, quando se lhe infere a morte está-se a fazer um serviço a uma divindade exclusivista que, segundo os livros chamados sagrados, quer monopolizar o culto de toda a humanidade. 

A noção de Deus destas três religiões tem uma fonte comum que é o deus monoteísta judeu forjado durante o exílio de Judá em Babilônia, que se identifica com o deus tribal de Jerusalém, um deus ciumento, exclusivista, guerreiro, intransigente e despótico, que exige a total identificação dos fieis com ele. O povo hebreu sempre foi politeísta até a cativação de Babilônia que se estende do 586 ao 537, se bem cumpre ter em conta que estava dividido em dous reinos: Israel, que sempre praticou uma política de tolerância, e Judá e também a repressão religiosa dos seus reis, mais presente em Judá. O povo hebreu e outros povos do Médio Oriente adoravam um panteão de deuses que estavam presididos por «El», que significa Deus, e qualificado com os epítetos de Altíssimo, pai dos deuses e criador, e o seu símbolo era o touro. e, num primeiro momento, não condenavam o culto a outros deuses, se bem consideravam que o seu deus, Javé, era superior aos demais como se indica no Salmo 134, 5, escrito provavelmente arredor do ano 1004 a.e.c. “Porque eu conheço que o Senhor é grande e que o nosso Senhor (Javé) está acima de todos os deuses”. (Salmo 134, 5). A defesa duma ética de retribuição imanente na que todo ato leva associado a sua retribuição neste mundo e a associação do mal com o pecado, também presente em Jesus, vão contribuir enormemente a aderir ao monoteísmo por considerar que os fracassos de Israel provêm de ter-se afastado o povo e/ou os governantes de Javé. Com todo, ainda em textos do século IX se reconhece que todos os deuses, incluído Javé, são filhos de El. O salmo 82 não deixa nenhuma duvida de que de facto “El” e Javé são dous deuses diferentes... "O Altíssimo é El ou Elião, o pai de Javé e o pai de todos os deuses”

A partir do exílio do reino de Judá prega-se até a saciedade o exclusivismo do Deus judaico: “A ti te foi mostrado para que soubesses que o Senhor é Deus; nenhum outro há senão ele... Polo que hoje deves saber e considerar no teu coração que só o Senhor é Deus, em cima no céu e embaixo na terra; não há nenhum outro” (Dt. 4, 35.39). “Vede agora que eu, eu o sou, e não há outro deus além de mim; eu faço morrer e eu faço viver; eu firo e eu saro; e não há quem possa livrar da minha mão” (Dt. 32, 39). “Pois quem é Deus, senão o Senhor? e quem é rocha, senão o nosso Deus?” II Sa. 22, 32). 

O fundador do cristianismo, Jesus de Nazaré, pregou até o paroxismo a necessidade de segui-lo cegamente por cima de qualquer ligação humana, e também o enfrentamento entre os seres humanos e muito especialmente entre os membros da família. “Não penseis que vim trazer paz à terra; não vim trazer paz, mas espada. Porque eu vim pôr em dissensão o homem contra seu pai, a filha contra sua mãe, e a nora contra sua sogra; e assim os inimigos do homem serão os da sua própria casa. Quem ama o pai ou a mãe mais do que a mim não é digno de mim; e quem ama o filho ou a filha mais do que a mim não é digno de mim. E quem não toma a sua cruz, e não segue após mim, não é digno de mim” (Mt. 10, 34-38). Essa entrega que exige Jesus deve incluir o ódio contra os seres mais queridos polos seres humanos. “Se alguém vier a mim, e não aborrecer a pai e mãe, a mulher e filhos, a irmãos e irmãs, e ainda também à própria vida, não pode ser meu discípulo. Quem não leva a sua cruz e não me segue, não pode ser meu discípulo” (Lc. 14, 26-27). O cristianismo tem um problema claro com estas manifestações de Jesus que podem utilizar-se como fonte de fanatismos, e de facto produziram já muita dor nas famílias no decurso da história. Quantos moços e moças não abandonaram aos seus pais em seguimento destes preceitos! Quem repara o dano causado às famílias! A sorte dos infiéis é, segundo Jesus, a condena eterna (Lc. 12, 46). Também o cristianismo deveria explicar como alguém que foi proclamado Deus, consubstancial com o Pai, declara a guerra como inevitável sem comprometer a bondade da obra criadora da que ele é o autor: “E ouvireis falar de guerras e rumores de guerras; olhai não vos perturbeis; porque forçoso é que assim aconteça” (Mt. 24, 6). 

O fundador do cristianismo, Jesus de Nazaré, pregou até o paroxismo a necessidade de segui-lo cegamente por cima de qualquer ligação humana

 

A religião cristã defendeu a liberdade de pensamento entretanto careceu de reconhecimento oficial por parte do Império Romano, mas uma vez que se converteu em religião tolerada e no 381 oficial, defendeu a guerra santa, traduzida na imposição da crença cristã, servindo-se da espada secular, pola força e a violência, da inquisição e das cruzadas, entre elas a representada pola Guerra Civil espanhola de 1936. Foi, sem dúvida, uma das mais sanguinárias da história e deve a sua supremacia precisamente à sua imposição, a partir do século IV, por parte do poder imperial romano interessado em homogeneizar ideologicamente a população em base a um único deus e a um único imperador na aterra. Quando, a partir do século XII, se faz difícil o mantimento do monolitismo ideológico, estabeleceu a inquisição como mecanismo de terror sobre a população e de condena de qualquer dissentimento ideológico, que esteve em vigor até o ano 1834. O dano causado ao desenvolvimento do pensamento, da ciência e da cultura foi enorme. As vítimas principais da repressão inquisitorial foram os «pérfidos judeus», como eram designados na liturgia cristã, especialmente os denominados «conversos», e os muçulmanos, com os quais praticou o racismo mais xenófobo intentando impor a pureza de sangue da população nos Estado espanhol e português e as suas colônias. 

Também no século XII se pôs em prática o aventureirismo militar com as cruzadas, que no fundo perseguiam o estabelecimento duma teocracia mundial sob o mando do Romano Pontífice, empresa que se saldou num estrepitoso fracasso para os hostes vaticanistas e para os reis europeus. 

O fracasso da repressão cristã permitiu dar passo em Ocidente a uma sociedade plural e laica, e, algo semelhante podemos dizer a respeito do âmbito social que controlou a religião judia. Infelizmente isso não acontece no âmbito do mundo muçulmano, que, com o objetivo de dotar-se duma identidade frente ao sistema de dominação ocidental, voltou às origens da sua religião, idealizada como um passado idílico, e, nalguns casos, interpretada desde uma óptica hostil e duma praxe que não duvida de acudir ao terror para com os «outros», principalmente os cristãos e os judeus, obsedado em substituí-los como religião única no seu afã de impor o seu monolitismo ideológico a toda a sociedade fazendo felizes à força aos demais. Esta sociedade edificar-se-ia sobre um imenso montão de cadáveres de pessoas inocentes que, muitas vezes, quiçá mesmo podem empatizar com a sua luta.. 

No Alcorão não figura literalmente a expressão jihad ou guerra santa, ainda que si os elementos constitutivos da sua noção. Em realidade a noção de guerra santa, ou seja, a guerra que se faz por motivos religiosos, e os seus sinônimos, guerra de religião, cruzada,..., deveriam desaparecer de qualquer universo civilizado, pois não há nenhuma guerra que mereça esta denominação, e somente obedece a uma conceição primária da divindade, na que o ser humano projeta as suas reações mais bestiais e mais burdamente tribais. Uma guerra pode ser justa ou legítima, como em casos de legítima defesa, mas nunca santa. Tal conceição da divindade somente pode conduzir à mútua destruição dos seres humanos e nunca a forjar uma sociedade mais tolerante, fraterna e solidária, que deveria ser o objetivo de toda associação tanto política como religiosa.

O Alcorão declara a respeito dos judeus: “Toda vez que acenderam o fogo da guerra, Deus os extinguirá” (5ª Surata, 64). Os pecadores são considerados como os seres piores a causa da sua incredulidade. “São aqueles com quem fazes um pacto e que, sistematicamente, quebram seus compromissos, e não temem a Deus. Se os dominardes na guerra, dispersai-os, juntamente com aqueles que os seguem, para que meditem” (8ª Surata, 56-57). Aceita, igual que os judeus, a lei do talião, que Jesus de Nazaré quis superar. Desaconselha a guerra agressiva e aconselha a defensiva. “Combatei, pela causa de Deus, aqueles que vos combatem; porém, não pratiqueis agressão, porque Deus não estima os agressores” (2ª Surata, 190). Se se limitar a responder à agressão  dum modo proporcional, nada haveria que objetar, mas o Alcorão prega também a guerra por razões de proselitismo religioso e oferece ao combatentes a felicidade eterna. “Pretendeis, acaso, entrar no Paraíso, sem que Deus se assegure daqueles, dentre vós, que combatem e são perseverantes?” (3ª Surata, 142). “Que combatam pela causa de Deus aqueles dispostos a sacrificar a vida terrena pela futura, porque a quem combater pela causa de Deus, quer sucumba, quer vença, concederemos magnífica recompensa. E o que vos impede de combater pela causa de Deus e dos indefesos, homens, mulheres e crianças? que dizem: Ó Senhor nosso, tira-nos desta cidade (Makka), cujos habitantes são opressores. Designa-nos, de Tua parte, um protetor e um socorredor! Os fiéis combatem pela causa de Deus; os incrédulos, ao contrário, combatem pela do sedutor. Combatei, pois, os aliados de Satanás, porque a angústia de Satanás é débil” (4ª Surata, 74-76); e devem lutar até prevalecer a religião de Deus, e os que o fazem receberam um grande prêmio, incomparável com a breve e passageira felicidade humana neste mundo. “O gozo terreno é transitório; em verdade, o da outra vida é preferível para o temente; sabei que não sereis frustrados, no mínimo que seja”. 

O Alcorão declara a respeito dos judeus: “Toda vez que acenderam o fogo da guerra, Deus os extinguirá” (5ª Surata, 64).

 

Do mesmo modo que o ser humano cria a deus à sua imagem e semelhança, este deus, uma vez criado polo ser humano, modela os aderentes da religião. As três religiões citadas prometem a glória no paraíso aos que cumprem a sua vontade, e muito especialmente aos que se imolam por ele. E estes dous elementos: a noção de Deus e as expectativas duma vida de gozo após a morte dispõem o fiel à entrega total para cumprir a vontade divina, ao tempo que o insensibilizam ante o sofrimento alheio e acalmam a voz da consciência perante os atos mais criminais. O autor do Evangelho de São João quis corrigir esta insensibilidade ante a dor alheia quando declara que quem não ama ao seu próximo ao que vê, como pode amar a Deus a quem não vê, mas, como no-lo demonstra o acontecido durante o período inquisitorial, a corrente que triunfou foi a primeira, e, portanto, a disposição a cometer as maiores atrocidades contra o próximo para agradar a Deus e, por riba, considerar-se merecedores perante Deus dum prêmio eterno.      

As três religiões são as religiões do livro, ou seja, que supostamente receberiam a sua mensagem da mesma divindade por inspiração divina e, nestes textos, proclamados como «sagrados» fundamentam a sua dogmática e as suas normas de comportamento, ambas rígidas, imutáveis, eternas e impermeáveis ao passo do tempo, e isto explica que se vejam por muitos como ideologias ultrapassadas no tempo e incapazes de compreender a realidade. As três coincidem na condena deste mundo e da disparidade comportamental e social e pregam um mundo no que o «outro» não tem cabida como tal e cumpre aniquilá-lo. Concordam também na defesa da misoginia e na condena da homossexualidade, e o judaísmo coincide com o islamismo na prática da lapidação, que Cristo desaprovou. Coincidem também a prometer aos seus fieis um mundo de ultra-tomba feliz se cumprem os mandados divinos e especialmente se se convertem em mártires e expandem a sua mensagem e aniquilam ao adversário, impedindo criar um mundo no que a tolerância ante a pluralidade, também para com os que professam qualquer religião, seja a norma. Muitos dos santos cristãos foram elevados aos altares por este motivo. A intolerância somente cabe aplicá-la com os intolerantes, mas nunca com os que respeitam aos demais, aos que devemos ajudar para que aceitem plenamente os direitos humanos e todos juntos colaboremos na promoção dum mundo mais habitável.

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