Opinión

Protestas anti-turismo

Nos nossos dias estão a produzir-se, como novidade, uma série de manifestações em contra do turismo, seguidas duma enfiada de declarações de repulsa dos poderes públicos, e cumpre analisar as suas causas e a sua pertinência. 

São habituais no Estado espanhol as condenas de todo aquele que protesta, como passou com o movimento de Nunca Mais na Galiza, o dos indignados do 15 M, ou simplesmente de quem quer mudar a realidade ainda que seja por vias pacíficas, como aconteceu com as propostas de reordenação do poder territorial do Estado espanhol feitas polos governos basco e catalão, sem parar-se a examinar as causas das protestas e/ou propostas e ver de dar-lhe uma solução política. Vivemos num país que historicamente sentiu urticária ante os problemas e movimentos suscitados pola cidadania, que produziram uma cissura entre as duas Espanhas, a oficial e a real. O conglomerado nobiliário-eclesiástico-militar no Antigo Regime foi capaz de fazer languidescer, no Estado espanhol, o movimento liberal que coalhou com a Revolução Francesa, que só eclodiu no século XIX domesticado e misturado com ressaibos clerical-militaristas. Isto explica que o liberalismo tivesse entre as figuras mais destacadas os freires Feijóo e Sarmiento e que tivessem que ser também os militares quem capitaneassem partidos liberais. Já no século XIX e XX seria um liberalismo domesticado e convertido em ideologia do capitalismo quem se coliga com o conservadorismo, o clericalismo e o militarismo para derrubar as aspirações dos movimentos social-progressistas que, finalmente, terminariam por aceder ao poder na segunda metade do século XX e, convertidos em partidos de governo, se oporiam aos novos movimentos surgidos a partir do 15 M e às iniciativas para reformular democraticamente a distribuição do poder territorial do Estado feitas polos partidos nacionalistas. É muito ilustrativo disto o posicionamento espanholista que está a defender o PSOE ante o processo catalão. Todas as colônias americanas, pola sua parte, acederam à independência pola via violenta por não ser capaz a Espanha de abrir-se às suas aspirações e criar uma comunidade solidária com vocação de permanência com os países latino-americanos que estiveram submetidos ao seu domínio. A monarquia espanhola exportou a estes países a sua política coercitivas sobre a população e impôs, com a ajuda da Igreja, a intransigência e o fanatismo inquisitorial com os que vinham reprimindo duramente os cidadãos nos seus domínios europeus. Nestes mesmos momentos, numa etapa denominada democrática, caraterizada pola conivência do poder eclesiástico, político e oligárquico, vivemos numa das fases de mais premente repressão das manifestações desde que se iniciou a etapa democrática da transição espanhola do 78, que na Galiza se traduziu na imposição de perto de 14.000 multas anuais e na Espanha mais de 190.000 ao amparo da lei mordaça. E isto acompanha-se com uma manipulação informativa mais intensa desde 1977.

Todas as colônias americanas, pola sua parte, acederam à independência pola via violenta por não ser capaz a Espanha de abrir-se às suas aspirações

 

É certo que o turismo constitui uma fonte de riqueza para um país porque incentiva a atividade econômica que incrementa o consumo de produtos agrários, ganadeiros, têxteis; impulsa à construção e mantimento do parque de vivendas e promove a hostelaria; dá a conhecer a nossa riqueza artística e cultural, etc., que, em caso contrário, veriam minguada a sua atividade. É também uma fonte de divisas que, no caso espanhol, permite compensar o histórico desequilíbrio da balança comercial e equilibrar a balança de pagamentos com o exterior, o qual significa que a economia espanhola se especializou no turismo em detrimento da industrialização, do setor agrícola-ganadeiro e da exportação de produtos manufaturados. Esta especialização no turismo foi de par com a difusão do estereotipo dos espanhóis como uns festeiros aos que só lhes preocupam a farra, o vinho e as mulheres, como nos acusou o chefe do euro-grupo, o holandês Jeroem Dijsseibloem. É triste e exagerado o mencionado estereotipo que fazem dos espanhóis muitos europeus, se bem temos que reconhecer que práticas como a do botelhão, que concita a milhares de moços para emborrachar-se e consumir outras drogas duras e brandas, com a permissividade e falta de reação das autoridades, não contribuíram a dar uma imagem de seriedade do país, e o mesmo podemos dizer da vida de diversão e borracheira noturna até altas horas da manhã os fins de semana. Isto provoca que agora não estamos muito legitimados para pedir-lhe um comportamento sóbrio e ascético aos estrangeiros. 

É de supor que a grande maioria dos que protestam sejam conscientes das vantagens do turismo, e então por que protestam? Esta claro que ninguém protesta por gosto ainda que isto não significa que sempre tenha razão. Quando os vizinhos da Barceloneta tomam a praia dizem que o fazem para exigir o fim dos apartamentos turísticos, muitos deles ilegais, que provoca a diminuição dos vizinhos, e para lutar contra a especulação imobiliária, a privatização do espaço público e o turismo massivo e incivil que provoca o encarecimento dos alugueres, a desaparição dos comércios, o incremento do ruído e do consumo de drogas, em definitiva, um turismo low cost e de borracheira. A queixa dos vizinhos não é contra o turismo em si, senão contra os pisos turísticos que promovem um turismo de massas low cost que os afoga e destrui o seu sistema habitual de vida. Aliás, também experimentam que a riqueza que produz a atividade turística não incide nas suas vidas e inclusive não se distribui equitativamente entre os implicados neste processo, pois enquanto os empresários ganham muito com a atividade turística, os salários dos trabalhadores são cada vez mais precários e o prezo dos produtos de consumo e o aluguer da vivenda não deixam de medrar, além de que o custo da vida nas zonas turísticas encarece-se notoriamente. 

A queixa dos vizinhos não é contra o turismo em si, senão contra os pisos turísticos que promovem um turismo de massas low cost que os afoga e destrui o seu sistema habitual de vida

 

Isto implica que há que repensar o modelo de turismo que se quer para o Estado e não insistir continuamente nas bondades do incremento de visitantes, senão que há que promover especialmente um turismo de qualidade e de comportamentos cívicos corretos. Creio que as autoridades espanholas devem dar-se conta de que esta protesta pode ser muito positiva se serve para focar o problema do turismo dum jeito distinto e que não é muito acertado dedicar-se à condena fácil e com grossos qualificativos dos que sofrem um problema real que condiciona muito negativamente a sua qualidade de vida por uma atividade que não reporta um interesse real para o país. É também improcedente pretender deslegitimar os protagonistas das protestas atribuindo-lhes a autoria a setores, neste caso nacionalistas de esquerda, previamente desqualificados como radicais e extremistas, pois estes setores muitas vezes não fazem outra cousa que canalizar uma protesta cidadã. Isto deve servir de advertência também para os governantes galegos, muito interessados em promover um turismo de sanduíche e poucos ingressos por muito acompanhado que vaia de preces ao apóstolo Santiago.     

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