Opinión

O Estado do mal-estar

O Estado do bem-estar surge à raiz da II Guerra Mundial em que pretendeu lograr um desenvolvimento econômico mais equilibrado, que respeitasse em maior medida as aspirações sociais e morais da sociedade, promovesse o pleno emprego e se estabelecesse uma repartição mais equitativa da riqueza e dos benefícios sociais entre toda a população com o objetivo de evitar o mal-estar da população depois da crise da Grande Depressão de 1929, que desembocou na grande conflagração bélica e as tentações de aderir a regimes de socialismo real. As potências ocidentais e o grande capital estavam preocupadas pola expansão do comunismo em diversos países tanto europeus como asiáticos e decidem dotar as populações dum regime que integrasse capitalismo, democracia e bem-estar social. Esta política durou até à década dos oitenta do século XX em que Margaret Thatcher e Ronald Reagan decidem cancelar esta proposta e implantar políticas ultra-liberais que tinham como objetivo um grande incremento da produção que beneficiasse o grande capital à expensas da maioria social e do Estado do Bem-estar. 

Esta política foi favorecida com caída da URSS como consequência do fracasso do seu capitalismo de Estado social, que deixou sem contrapeso o capitalismo de mercado, e polo fenômeno da superprodução das grandes empresas transnacionais que procuram um mercado mundial que lhes garanta o subministro de matérias primas e a colocação dos seus produtos, a livre circulação de capitais, bens e serviços, a adaptação das legislações nacionais no seu benefício para facilitar a sua expansão a escala planetária com a correspondente satelitização das empresas nacionais, a deslocação de empresas a nível planetário, a implantação da competência laboral entre os trabalhadores de todo o mundo, independentemente das condições de vida concreta de cada país. A consequência foi a precarização laboral, a míngua nos salários, a engenharia e a evasão e os paraísos fiscais, a míngua de arrecadação fiscal nos países onde estava mais consolidado o Estado do Bem-estar e o progressivo mal-estar da população. 

Esta política foi favorecida com caída da URSS como consequência do fracasso do seu capitalismo de Estado social, que deixou sem contrapeso o capitalismo de mercado

 

Nalguns países, como no Estado espanhol, o panorama complicou-se: a) com um imenso oceano de corrupção nas organizações políticas governantes, especialmente do PP, que exigiam portagens às empresas em contrapartida de adjudicação de obra pública, privatizações de empresas, favores urbanísticos, etc. b) com uma deturpação da democracia, na que a fraude eleitoral foi, polo que parece, uma constante; a desnaturalização da divisão de poderes que subordinou a justiça aos interesses das grandes formações políticas que são quem elegem o fiscal geral do Estado, os membros do Conselho Geral do Poder Judicial e do Tribunal Constitucional; a democracia é maliciosamente equiparada com o cumprimento da lei, mas não de todas as leis, senão das que lhe interessa ao patrioteirismo espanhol, pois é evidente que nos frequentes casos de corrupção se infringiu aleivosamente a lei polos mesmos que cacarejam que há que cumpri-la; c) com uma demonstração clara de incompetência na gestão dos assuntos públicos, pois é difícil qualificar doutro modo o que passou com projetos como a Cidade da Cultura de Santiago, a Cidade das Artes e das Ciências de Valência, o aeroporto de Cidade Real, as auto-estradas madrilenhas, projeto de armazém Castor; a diminuição das primas às energias renováveis, borbulha imobiliária, gestão bancária,... d) com uma divergência clara entre os interesses da cidadania e os interesses privativos e partidários dos gestores da cousa pública que fazem grandes gesticulações de patriotismo, mas se as necessidades dos cidadãos entram em colisão com os seus interesses privativos abandonam para melhor ocasião a satisfação das necessidades da cidadania; d) com um capitalismo de conivência com os políticos de turno que se repartem favores reciprocamente: adjudicações de obras por comissões e portas giratórias. O governo de Zapatero perdoou às empresas elétricas uma divida de 3.396 milhões de euros que estas lhe cobraram de mais aos consumidores nos custos de transição à competência, no momento mais álgido duma crise da que não se inteirou. Esta quantidade minguou os ingressos fiscais e impediu que se utilizassem em benefício de todos; e) os regalos fiscais que Zapatero lhe fez às empresas para reduzir o tipo efetivo de tributação a 3,5 por cento, passando de arrecadar o Estado antes do governo Zapatero 42.000 mil milhões de euros antes dos governos Zapatero a 16.000 milhões ao final do seu mandado. Isso sim que se chama governar com sentido! Rebaixou os impostos porque –disse- isso é de esquerdas e depois promulga uma lei de dependência sem dizer-nos de onde ia sacar o dinheiro para põe-la em marcha. Tem bem merecido ser o conselheiro maior de Susana Diaz!

O governo de Zapatero perdoou às empresas elétricas uma divida de 3.396 milhões de euros que estas lhe cobraram de mais aos consumidores

 

Os efeitos destas políticas foram demolidores tanto sobre a economia como sobre o bem-estar dos cidadãos e a moral pública. A dia de hoje, a verdadeira marca Espanha, não a da propaganda senão a que percebe a gente, é sinônimo, principalmente, de corrupção, incompetência e equipas de futebol com jogadores importados para satisfazer a paixão nacional. A alguém que costumava referir-se a alguns países hispano-americanos como repúblicas bananeiras, retruquei-lhe que quiçá com toda razão digam o mesmo do Estado espanhol. 

Devemos precisar que a expressão «Estado de mal-estar», não se confunde com «Estado de pobreza», porque um pode ser pobre e não ter mal-estar. O Estado de mal-estar vem provocado pola percepção cidadã de que as políticas aplicadas não foram as corretas, as justas, e que tiveram como resultado uma insatisfação profunda porque a uma cidadania já fortemente açoitada pola globalização, com todos os seus efeitos perversos sobre a sua vida, e pola deturpação da democracia pola pertença à UE e à zona euro, na que as políticas se tomam por pessoas que ignoram o seu voto e as suas aspirações pessoais, se lhe faz pagar os efeitos duma crise na que eles não participaram em modo algum, ao tempo que se cria, a partir de maio de 2010, obedecendo aos hierarcas europeus, um sistema de drenagem dos recursos das camadas populares cara aos que a geriram e uma míngua dos direitos dos trabalhadores, provocando um empobrecimento da maioria social e as maiores desigualdades em muitas décadas. 

Perante esta situação, o 15 de maio de 2011 surgiu um poderoso movimento espontâneo de indignação da cidadania, chamado o 15M ou movimento dos indignados, que pretendia denunciar o que estava a passar. Um professor universitário perguntou-me, uma vez iniciado esse movimento, a minha opinião dele, e respondi-lhe que estava totalmente de acordo porque coincidia com o que eu vinha denunciando ante os meus alunos e alunas desde fazia tempo, como eles podem testemunhar. Era um movimento que, ainda que surgiu durante a segunda legislatura de Zapatero, não estava especialmente dirigido contra este partido senão contra a classe política em geral que vivia num mundo á parte e se amostravam como cegos e surdos aos seus problemas; uma classe que em vez de solucionar as suas necessidades, conluiava-se com o poder econômico para aplicar umas políticas que prejudicam a maioria social, uma classe, em definitiva que não os representava.

Perante esta situação, o 15 de maio de 2011 surgiu um poderoso movimento espontâneo de indignação da cidadania

 

Tendo em conta o que levamos dito, parece-me que análise que fez do 15M Susana Diaz é totalmente desacertada e somente pode ter como efeito acrescentar o estado de indignação dos que participaram neste movimento, por ser declarações totalmente desencaminhadas. Disse esta política que “Muitos dos que se incomodaram com nós não perderam dez escalões na sua qualidade de vida. Baixaram um. Mas é que pensavam que iam subir dez. Pensavam que iam poder ter a sua casinha na praia. Que iam poder sair não uma vez ao mês, senão uma vez à semana. Que iam conseguir que os seus rapazes fossem à universidade, e que ademais tivessem um máster. Que iam poder ver os seus netos com muita mais qualidade de vida que a que tiveram eles. E quando isso não foi possível, incomodaram-se, indignaram-se. E ai fizemos-lhe o jogo à direita e aos outros de Podemos”. É tão burda esta análise que desqualifica totalmente a quem a faz. Vai-lhe dar motivos abondo de brincadeiras aos das redes sociais. Teve sorte que os seus valedores de El País lhe botaram uma mão não aireando toda esta inquina e estultícia contra os moços e indignados em geral.  

Os que vivemos em comunidades distintas da espanhola, à que consideramos a nossa nação temos um incremento de mal-estar ao comprovar como os nossos povos são nulificados, como é desprezada polos que se dizem os nosso governantes a nossa língua e os nossos sinais de identidade coletiva, ao tempo que se impede o povo galego possa gerir livremente os seus recursos, o qual amostra a pouca virtualidade do regime autonômico que nos concederam por obra e graça do Estado espanhol para que servisse de sucedâneo das nossas aspirações nacionalitárias. 

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