Opinión

Normativação do galego

A história da normalização do galego é também uma história da repressão sobre o desviante. Aqui os desviantes são sempre os que não comungam com a ideologia do poder imperante em cada momento, poder não só político senão também cultural. Neste caso, não se trata de luta dos galegos contra os portugueses ou espanhóis, senão duns galegos contra outros galegos, numa luta em que ambos consideram que têm razão, e eu, naturalmente, creio que tenho razão quando prefiro a normativa universalista, a normativa de Rio, á normativa particularista, e considero que é a que melhor pode garantir a supervivência da nossa língua, a sua projeção internacional e a nossa presença no mundo. Não se trata do que eu desejo, porque eu desejaria que se impusesse a forma de falar dos de Carvalho, por ser a que mamei nos meus primeiros anos, mas isso não parece razoável.   

A história da Galiza, também no referido á língua, é, em grande parte, a história duma decepção devida principalmente a que o seu autogoverno, já de por si raquítico, esteve protagonizado pelos setores mais anti-galeguistas, que foram, curiosamente, quem impuseram as normas do galego aos mais identificados com a língua do país, e ademais dum jeito cominante. Podemos estabelecer uma correlação entre nacionalismo e reintegracionismo ou universalismo do jeito seguinte: quanto mais nacionalista é um partido mais reintegracionista. Havia uma organização política que parecia não encaixar neste esquema, que era a Frente Popular Galega, mas pudemos observar que em realidade não é prioritariamente nacionalista senão principalmente proletarista e esquerdista, como, equivalentemente, se têm pronunciado ante Yolanda Diaz, quando esta lhe manifesta aos integrantes da FPG que agora toca resgatar as pessoas e não as identidades, como se não se pudesse assobiar e montar a cabalo ao mesmo tempo. Eles, docilmente, assentiram.  Para mim, Méndez Ferrin é um grande escritor e, além disso, uma pessoa á que respeito muito pessoalmente, mas há uma cousa, entre outras, na que discrepo profundamente dele, que é o seu convite ás autoridades da Xunta do PP para que sancionassem a quem aplicasse a norma reintegracionista, e dissinto porque creio que as praticas de intolerância e repressão deviam pertencer ao passado. Aliás, para mim é evidente que a solução isolacionista é a mais prejudicial para o galego, e somente se eu for um nacionalista espanhol seria a que adotaria, mas como são um nacionalista galego, prego a norma universal.

Para mim é evidente que a solução isolacionista é a mais prejudicial para o galego, e somente se eu for um nacionalista espanhol seria a que adotaria

Noutras comunidades, como a flamenca em Bélgica, também tiveram este problema, e as soluções que se lhe apresentavam eram confluir com o neerlandês ou fechar-se numa normativa isolacionista, e a adotada foi a confluência com o neerlandês. Isso propicia que se aproveitem muito melhor as sinergias para realizar com êxito um processo normalizador. Pude constatar, quando estudava ali, precissamente na zona flamenca, que o idioma recuperado gozava duma vitalidade invejável. Não obstante, em Valência, governada pelo PP, partido espanholista onde os haja e negador das identidades próprias distintas da espanhola, a solução imposta foi a do «divide e vencerás» e optaram pelo isolacionismo, fazendo diferenças ridículas a respeito do catalão para querer demonstrar que são línguas distintas.   

Vou exemplificar algumas vicissitudes anti-reintegracionistas com dados da minha experiência. Lembro que quando eu tinha aproximadamente sete ou oito anos, meu pai diz-nos a três irmãos: «vamos á confissom». Não disse «vamos á confessión», como após se normativou. A forma que utilizava na zona de Carvalho, a aquela altura, sofreu depois a influência da língua dominante e foi reconvertida na espanhola, e essa foi a que se considerou canônica pelos normatizadores. Este processo repetiu-se com muitas outras palavras, como por exemplo, nação de Breogam do Pondal, que agora obrigam a pronunciar «nación», como na língua espanhola. Podiam também aduzir-se múltiplos casos de termos reintegracionistas que figuram na obra de Rosalia. Houve, porém, algumas palavras que na década dos setenta do século XX já desapareceram do uso normal da comunidade, como Deus, povo, que foram recuperadas exitosamente. Para mim seria sintomático que alguém considerasse nación e confesión como formas galegas mais genuínas que confissão ou nação, que quiçá somente podia defender em base a que já está introduzida no idioma, quer dizer, por uma consagração do processo de colonização da nossa língua pelo espanhol. Neste caso, para ser coerente, se tiver vivido no século XX deveria também optar por Dios e pueblo, por ser as formas usuais dos utentes da língua. Há também na normativa oficial algumas formas totalmente artificiais, como respecto, termo que nunca utilizou nem utiliza ninguém na vida prática, e que é muito menos galega que respeito, que compatibiliza mui bem com a estrutura da língua.

Quando eu tinha aproximadamente sete ou oito anos, meu pai diz-nos a três irmãos: «vamos á confissom». Não disse «vamos á confessión», como após se normativou

No ano 1980 escrevi um pequeno livro sobre a língua galega, titulado Galiza, um povo, uma língua, e nele figuram várias colaborações de destacados representantes da cultura galega aos que convidei a responder a algumas perguntas, entre as que figurava: como entende a normalização da língua? Quando lhe fiz a entrevista a Garcia Sabell, disse-me que ele respondia, mas que tinha que gravar-lhe a sua resposta porque não tinha tempo a escrevê-la, exigência que aceitei sem reparo algum. No meio da sua resposta, parei a gravadora e disse-lhe: «Creio que está confundindo a normalização com a normativação», mas ele respondeu-me categoricamente, «não, não é assim». Eu respondi-lhe, bom, era por se considerava que estava confundido, e continuou. Esse mesmo dia pela noite, telefona-me á casa para dizer-me que queria falar comigo urgentemente e que levasse de novo a gravadora. Quando cheguei disse-me que efetivamente estava enganado devido a quantidade de cousas que tinha na cabeça, e retificou. Isto indica que o mesmo presidente da RAG não distinguia estes processos. 

Na minha atividade docente sofri algumas denúncias ante a Inspeção porque alguns pais, totalmente ignorantes sobre a normativa do galego, se empenhavam em que a utilização do vel, em palavras como variável, era lusismo, e isto apesar de que o livro estava aprovado pela Xunta da Galiza. Os inspetores, que normalmente utilizavam o espanhol na vida ordinária, pelo menos os que eu conheço, estavam prestos a abrir expedientes para comprovar se se produziam tamanhos dislates nas aulas. Comigo, desde logo, não prosperaram, mas si que criavam situações incômodas. 

Como chefe do Departamento de Filosofia, convidei um ano a dar uma conferência no Instituto Pontepedrinha ao escritor Carlos Casares, um home afável e ameno. Durante a mesma eu disse que considerava que a normativa reintegracionista era muito mais favorável para o futuro exitoso do galego que a isolacionista, e que favoreceria muito a difusão da obras dos nossos escritores na comunidade de países lusófonos. Ele dissentiu e manifestou que isso pouca influência tinha. Ao cabo duns seis meses ouvi-lhe algumas manifestações públicas criticando a norma imposta pela PP, dizendo dela que era uma normativa singular.

Os inspetores, que normalmente utilizavam o espanhol na vida ordinária, pelo menos os que eu conheço, estavam prestos a abrir expedientes

No ano 2000 encontrei-me com um acadêmico da RAG em Rianjo, com motivo do cinquentenário da morte de Castelao e falamos do tema da normativa. Eu sustive que a opção pela normativa oficial, defendida pelos seus impulsores, no seu momento, com o argumento de que assim os estudantes aprendiam o galego a partir do espanhol, fora um erro histórico. Ele retrucava que nós não podemos perder formas tão galegas como castinheiro, sentidinho, grafadas com ñ, e outras palavras com o mesmo som, como se não se pudesse representar o fonema ñ por nh.   

Eu sempre procurei utilizar a forma permitida pela normativa mais próxima ao português, se bem a normativa oficial permite mui pouca liberdade ao respeito e obriga a optar quase sempre pela forma espanholizada. Quando me jubilei, não tive dúvida nenhuma: utilizo sempre nos meus escritos públicos a norma universalista e isto porque creio que é tão galega como a muitas vezes artificial isolacionista; favorece muito mais a projeção da nossa criação literária, das nossas obras científicas e do pensamento filosófico, ao tempo que nos permite desfrutar de inúmeras obras de arte, ciência, história e literatura escritas na forma do galego do sul, riqueza que não estamos em condições de desprezar. O que cumpre, como primeira medida é que cesse toda forma de repressão e que se permita liberdade total para utilizá-la na Galiza e fazê-la oficial fora das nossas fronteiras como primeiro passo. Ter uma língua falada por trezentos milhões de pessoas não é o mesmo que uma falada por dous milhões e médio, como não é igual considerar como nossa ou não a obra do imortal Camões.

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