Opinión

Nacionalismo de estado e projeto europeu

Diz um adágio latino que não há efeito sem causa, e podemos completá-lo afirmando que toda causa tem um efeito.

Diz um adágio latino que não há efeito sem causa, e podemos completá-lo afirmando que toda causa tem um efeito. Num contexto social, a causa é o ato dum agente e o efeito é a reação do receptor. Todo agente deve calcular a ação e a eventual reação do interlocutor de tal modo que procure incrementar os ganhos e diminuir as perdas, efeitos que dependerão duma série de fatores como a percepção do evento polo receptor, o dano recebido, a capacidade de reação... Os bons políticos são aqueles que são capazes de analisar a realidade para lograr o melhor resultado em conjunto numa situação dada. Quando se quer procurar a adesão social democrática do interlocutor cumpre propor-lhe um projeto sugestivo de vida em comum, que, segundo Ortega era o que constitui uma nação, na que ambas partes saiam ganhando, pois em caso contrário, uma das partes pode intentar romper as regras de jogo estabelecidas.   

A nível do Estado espanhol a ação de fustigação do PP, contra os sinais de identidade dos povos e contra os seu direito de decisão, está a produzir uma convulsão no país. Atacou a língua e cultura catalães, pretendendo espanholizá-los, invalidou os seus desejos de estabelecer uma nova relação com o Estado espanhol, invalidando o aprovado polas Cortes espanholas e o votado polos cidadãos de Catalunya, e pretender fiar toda solução do problema catalão á repressão das leis promulgadas ao efeito, e á decisão de tribunais de justiça «colaboradores», equiparando torpemente estado de direito e democracia. O resultado está claro: a adesão voluntária fracassou totalmente, e o problema catalão não tem fácil solução. 

O país é patrimônio deles e podem fazer da sua capa um saio, ad majorem gloriam do nacionalismo espanhol

Em Europa sucede algo parecido. A política praticada pola UE foi a de favorecer o predomínio do capital oligárquico e a deterioração da vida dos seus cidadãos. Põe-se em pratica um modelo europeu que deixou os países inermes ante a crise econômica, que os cidadãos não produziram mas que devem carregar com todo o seu peso. Ninguém é capaz de explicar como num contexto mais rico que nunca, os cidadãos estão passando-o pior que nunca. Adotam-se determinadas políticas mui nocivas para a cidadania, mas pretende-se, por outra parte, que não reaja ante a perda de direitos democráticos e sociais. 

Numa intervenção ante o Parlamento Europeu, Merkel e Holande alertam de que o nacionalismo e o populismo ameaçam com destruir Europa. Quando li a notícia por primeira vez nos titulares dum jornal num quiosque, pensei que se referiam aos nacionalismos periféricos ou defensivos: vasco, catalão, galego, corso, bretão, escocês, etc., se bem considerava um despropósito que se lhe desse tanto poder a um político como Artur Mas, mas a minha surpresa, quando pude ler os artigos com mais detimento, foi comprovar que se referia aos nacionalismos dominantes, aos nacionalismos de estado, que foram os favorecidos por todas as políticas dos membros da UE. Quando todos pensávamos que os Estados estavam em crise, produziu-se, inexplicavelmente, a sua maior consolidação, debilitando na prática o próprio projeto europeu, que, ao carecer de poder de sugestão para os cidadãos aderem a novas formações políticas que lhe oferecem novas saídas. É uma reação normal de pessoas agredidas socialmente. 

Éu não podo por menos de dar-lhe a razão neste pronunciamento a Merkel e a Hollande, ainda que dissinto profundamente das premissas que o fundamentam. A União Européia não funciona democraticamente polo peso que têm nela os nacionalismos de Estado, que os líderes destes países fomentam, que são os que provocam a carência de autêntica democracia e que são os que podem fazer colapsar o projeto. Tanto o desenho como as políticas praticadas em Europa estão orientadas a fortalecer os nacionalismos dominantes nos diversos países membros, em vez de fomentar uma Europa dos povos e dos cidadãos numa autêntica comunidade democrática. 

Os cidadãos europeus elegem os membros do Parlamento Europeu, instituição carente dum poder real e que somente tem atribuições em políticas de menor calado. Participa também indiretamente, na eleição do Presidente da Comissão Européia, que denominam governo da UE, mas não é um órgão decisório nas políticas importantes européias senão um órgão mais bem de caráter administrativo, com um orçamento raquítico, que gere o pouco que lhe deixam ou encomendam os prebostes comunitários. A Instituição que tem o poder real na Europa é o Conselho Europeu, formado polos Chefes de Estado e de Governo dos países aderidos. Alguém pode pensar que dado que estes foram elegidos polos seus cidadãos, logo, em resumidas contas, as medidas adotadas por eles foram legitimadas mediatamente da cidadania; mas nada mais longe da realidade. Isto somente seria assim se os cidadãos europeus participassem na eleição destes dirigentes europeus como tales, mas somente participa na eleição dos dirigentes do próprio estado, que devem depois obter o beneplácito de dirigentes doutros países em cuja eleição eles não têm arte nem parte. As políticas dos estados membros da UE estão subordinadas aos interesses dos nacionalismos dominantes nos países mais fortes da UE, principalmente Alemanha. Um exemplo bem eloqüente é o que passa no Estado espanhol. Um dirigente, como Mariano Rajoy, foi elegido pola cidadania espanhola, á que lhe apresentou um programa, que dizia ser como um contrato com ela. Mas, uma vez elegido, converteu-se no discípulo avantajado da Chanceler e pôs em prática todas e cada uma das medidas que ela lhe indicou, fazendo caso omisso dos seus compromissos com os cidadãos, atuação que justificou dizendo que não estava cumprindo o seu programa mas si com o seu dever. Quer dizer, que o cumprimento dum suposto dever pessoal, mui subjetivo por certo, antepõe-se ao que em democracia é o autêntico dever, que é o ser fiel ao mandado das urnas, e nunca um mandado de Deus nem da própria consciência, que a ninguém lhe interessam nem que foram aduzidos por ele quando demandou o voto da cidadania. Por outra parte, o bipartito PP-PSOE procedem á modificação da Constituição por pressão do BCE, sem contar para nada com os outros partidos nem com a cidadania. O país é patrimônio deles e podem fazer da sua capa um saio, ad majorem gloriam do nacionalismo espanhol. 

Antes da celebração das eleições européias, o nacionalismo espanhol procurou a legitimação da sua política com Catalunya demandando o pronunciamento, em contra da independência, de  grandes líderes mundiais, para lecionar as hostes indígenas catalãs sobre a orientação do seu voto, ao tempo que, segundo acusações, torpedeou o voto dos ausentes. Todo com o claro propósito de reforçar o nacionalismo espanhol, que se nega em redondo a que os povos sejam consultados sobre o seu futuro. O nacionalismo dominante é sagrado e instaurado polas leis intangíveis da natureza e da história, que somente loucos ou perversos se atrevem a pôr em questão.

Aproveitando-se da debilidade do povo grego e da falta de políticas alternativas de Tsipras, impõem-lhe a este país um resgate ainda mais duro que os anteriores

A gestão da crise grega demonstrou até a saciedade que se subordinara o pronunciamento democrático do povo grego aos interesses das oligarquias, alegando que o cumprimento dos compromissos não pode ver-se condicionado por decisões dos povos, chamando compromissos ao que são imposições troikaianas, fracassadas na prática, e negando-se a estabelecer um plano sério que permita que o país heleno poda pagar solventemente a sua dívida, sem auto-imolar-se. Aproveitando-se da debilidade do povo grego e da falta de políticas alternativas de Tsipras, impõem-lhe a este país um resgate ainda mais duro que os anteriores. O pouco compromisso como o projeto europeu pôs-se de manifesto quando se noticia que os países mais intransigentes na negociação eram os que tinham pendentes contendas eleitorais. Quer dizer, que o nacionalismo dominante de cada um desses países subordinou os resultados da negociação ao temor de que os seus interesses partidários se vissem prejudicados pola irrupção de partidos emergentes.

Quando se iniciou esta crise perene, com a que os líderes europeu não foram capazes de lidar, e que conduziram a uma situação limite de empobrecimento da cidadania, em benefício das oligarquias e dos seus paraísos fiscais, a chanceler Merkel atreveu-se a ferir o orgulho dos cidadãos dos países surenhos, acusando-os de preguiçosos, pouco sérios, que trabalhavam poucas horas e se jubilavam pronto. O tempo veu demonstrar que estas acusações eram infundadas, ou polo menos, exageradas, e, por outra parte, que em todas partes cozem favas, como se patenteou polas práticas turbas e irresponsáveis do Deutsche Bank e a falsificação das emissões da Volkswagem, que nos enche de vergonha e de preocupação de cara ao futuro desta fábrica. A solução da crise por parte dos máximos hierarcas europeus foi um fracasso soado. Nada de políticas de mutualização da dívida, que cada estado agüente da sua vela, nada de reforma do BCE para que atue como um autêntico banco central e não seja meramente o valedor da oligarquia financeira, nada de autêntica reforma bancária. Os países que têm problemas, e Alemanha vaia se os teve!, só lhes queda desvaliar os salários, por certo não acompanhada da desvaliação dos preços, obrigar a trabalhar mais horas por salários de miséria, incapacidade para os nosso moços de programar o seu futuro pola precariedade laboral, ... Isto si que denigra o projeto europeu, mas não que um minúsculo país como Eslováquia se resista a botar-lhe uma mão neste momento ao país com uma economia mais boiante, como é Alemanha, que ante a avalancha de imigrantes que desejam dirigir-se ali, quer obrigar aos demais a que compartem obrigatoriamente parte do esforço de acolhida.

Durante a presidência de Sarkozy, a direção recaia em Merkosy, e na atualidade em Merkollande. Na crise de Ucrânia, quem representou a Europa foi Merkollande      

As politicas na UE estão determinadas polos líderes políticos dos grandes países da UE, Alemanha, em primeiro e destacado lugar, e em segundo lugar, França, que atua mais bem de  comparsa. Durante a presidência de Sarkosy, a direção recaia em Merkosy, e na atualidade em Merkollande. Na crise de Ucrânia, quem representou a Europa foi Merkollande, sem que aparecesse por nenhuma parte, a alta representante da União para Assuntos Exteriores e Política de Segurança da UE, a italiana Federica Mogherini. O Presidente da Comissão Européia, polo que eu sei, não se pronunciou ao respeito. Em realidade não deixa de ser um acólito do papa Merkollande, que, á sua vez, somente trabalha para favorecer os interesses partidários do nacionalismo dominante nos seus países. Merkel sobe em Alemanha cada vez que castiga e pôe á raia aos países surenhos. As instituições comunitárias foram vaziadas de contido por dirigentes europeus que, segundo o grande chanceler Helmut Kohl, não têm um projeto de Europa, um projeto sugestivo que lhes iluda e não a Europa dos minijobs, da precariedade e da falta de futuro.      

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