Opinión

Nação e plurinacionalidade 

A plurinacionalidade vem sendo defendida habitualmente por Podemos e ultimamente também foi assumida polo PSOE, polo menos nominalmente, no seu Congresso de junho de 2017, mas existe uma diferença importante entre as duas propostas. O PSOE fala de aperfeiçoar o reconhecimento do caráter plurinacional do Estado, o qual já implicaria que o Estado espanhol já é plurinacional; de definir Espanha como nação de nações, que foi uma proposta que já alguns deputados propuseram quando se debateu o artigo 2 da atual constituição, ao tempo que os socialistas Manuel Escudero e José Félix Tezanos, coordenadores do programa socialista, pontuaram que a proposta da plurinacionalidade não implicava posicionar a existência de nações políticas, mas de nações culturais; de substituir o Estado das autonomias por um Estado federal, mas sempre mantendo que a soberania é única e reside no povo espanhol. Portanto, temos que ajuizar se Espanha é uma nação, se o Estado espanhol já é plurinacional, se tem sentido falar duma nação de nações, se a soberania reside só no povo espanhol, se a soberania é única, mas primeiro temos que precisar que é uma nação. 

A palavra nação vem do verbo latino nascor, que significa nascer; logo, a nível etimológico, a nação é o lugar de nascimento. Os medievais utilizavam o termo nesta acepção quando se referiam ao agrupamento dos alunos por «nationes» nas universidades de Bolonha, Paris, Salamanca, Praga, etc. para procurar-se mútua proteção num país estrangeiro. Em Bolonha foi onde primeiro surgiu a divisão em nações, que logo se estenderia às demais universidades europeias. Num início a palavra não tinha uma conotação política nem existiam a esta altura as entidades políticas que chamamos nações. 

Num início a palavra não tinha uma conotação política nem existiam a esta altura as entidades políticas que chamamos nações

 

Que é uma nação a nível político? Quando lecionava aulas costumava perguntar-lhe aos alunos e à vezes também a algum professor que entendiam por nação e a resposta era invariavelmente que uma nação é uma comunidade com língua própria, cultura, território, etc., mas sempre lhe retrucava que uma nação não é isto, senão que isto é uma etnia, que os sociólogos definem como um povo que se vê distinto dos demais e é visto polos demais como distinto por razões culturais. Este foi também o erro no que incorreu o ilustre galeguista Ramón Chao Rego, que creu solucionar o problema da Galiza reduzindo-a a uma etnia. De ser isto assim, na Idade Média a Galiza já seria uma nação, que foi um erro no que incorreu o insigne Castelao. 

Para evitar suspicácias de deriva nacionalista, tomarei uma definição de nação dum autor nada suspeitoso de nacionalismo, o professor de Filosofia do Direito da Universidade de Oviedo, o cacerense José Delgado Pinto: a nação é “a comunidade humana estável que, em base a uma série de vínculos objetivos naturais e culturais, adquire consciência da sua singularidade a respeito doutras comunidades históricas similares e tende a desenvolver uma política autônoma” (G.E.R., t. 16, p. 537). Nesta definição aparecem quatro componentes fundamentais da nação: a) comunidade estável, e, portanto, um conglomerado de pessoas que assistem a uma partida de futebol ou a um concerto, independentemente da sua quantia, não é uma nação. Uma comunidade implica uma estrutura dotada de ordem, hierarquia, roles dos seus membros, etc. b) Os vínculos referem-se ao facto diferencial; toda comunidade nacional tem que ter algum elemento que a diferencia das demais, este elemento pode ser cultural, como a língua, cultura, religião, morfologia social; ou natural, como a raça ou o território. Como mínimo uma comunidade tem que ter um elemento diferenciador, mas, como no caso galego, pode ter vários, como a língua, cultura, direito tradicional,... c) ter consciência de si como uma realidade diferenciada que é vista também polos demais como um povo distinto, e d) a determinação de reger o seu destino e, portanto, dispor ou lutar polo direito de autodeterminação ou de decisão. Em geral, o nacionalismo galego insistiu muito nos vínculos diferenciais e muito menos na consciência de si e na determinação de reger os seus destinos próprios. Isto deveu-se a que as elites espanholistas lograram controlar a mídia galega e impor a sua visão à sua maioria social, e afogar as aspirações nacionalitárias, que nacionalismo galego não foi capaz de contra-rrestar. O mesmo Castelao insiste muito nos elementos nacionalitários língua, cultura, raça, terra e morfologia social e econômica e somente dum modo marginal na vontade nacional, que é quiçá o elemento mais importante porque um povo, em definitiva, vai ser o que decida ser e o traduza nas urnas. De facto, a sua definição de nação tomada de Estaline não a recolhe em absoluto: a nação é “uma comunidade humana estável historicamente formada de idioma, território, de vida econômica e de hábitos psicológicos refletidos numa comunidade de cultura” (S.G., p. 39). 

O mesmo Castelao insiste muito nos elementos nacionalitários língua, cultura, raça, terra e morfologia social e econômica e somente dum modo marginal na vontade nacional

 

Que o d) é o elemento mais importante da nação indica-o a atitude de oposição por parte dos espanholistas, no estado espanhol muito sinaladamente por parte do PP, C’s e também polo menos o PSOE anterior a Pedro Sánchez. A razão estriba em que um povo se adquire o status de nação tem direito de autodeterminação ou, dum modo equivalente, poder de decisão, e isto é o que lhe produz urticária aos que querem ter controlado todo o devir da política no Estado espanhol e mandar desde a capital da Corte.  

Também como consequência deste quarto elemento, a nação é a instância última legitimadora do poder político numa comunidade nacional, quer dizer que os governantes legitimam-se polo voto dos cidadãos da nação, e não de instâncias alheias à ela. A nação é também o destino dos afãs e da lealdade dos seus nacionais. Por conseguinte, a nação própria dum cidadão é aquela à que lhe merece a sua maior lealdade, e, por tanto, para os catalães e, em geral, para os que dizem que a sua comunidade is not Spain, a sua nação não é Espanha, e as lealdades últimas não se podem dividir. Isto implica que um não pode ter duas nações, salvo nações de conveniência. Quando surge um conflito entre ambas, é quando um cidadão se posiciona por uma ou por outra. Falar de nação de nações não tem sentido, porque implica subordinar a própria nação, a que realmente se sente, a outra nação superior que é quem realmente tem o poder decisivo de decisão. 

Falar de nação de nações não tem sentido, porque implica subordinar a própria nação, a que realmente se sente, a outra nação superior

 

Alguns autores espanhóis, sempre propensos a recorrer a eufemismos para disfarçar a realidade, utilizaram o termo nacionalidade para sacar-lhe a carga ideológica ao termo nação. No artigo 2 da CE de 1978 afirma-se que a Constituição “garante o direito à autonomia das nacionalidades e regiões”. Introduziu-se o termo nacionalidade, por pressão dos nacionalistas catalães de CiU e dos comunistas, pretendendo que servisse de referência para catalães, bascos e galegos, mas compaginando-a, por pressões dos militares e dos franquistas com a frase “a Constituição fundamenta-se na indissolúvel unidade da Nação espanhola, pátria comum e indivisível de todos os espanhóis”, que anulava qualquer carga política real do termo nacionalidade. Esta solução pareceu satisfazer a todos, mas ficou sem virtualidade nenhuma porque uns partidos entendiam a Espanha como uma nação de nações e outros como uma nação de nacionalidades, entendidas estas como nações de segunda categoria. Por tanto, a solução que agora propõe Pedro Sánchez como um grande adianto, já figurava recolhida na CE de 1978. O professor De Blas Guerrero entende a nacionalidade como “a nação que não transcendeu a uma organização política própria”, ou seja, que não se dotou dum estado, enquanto que outros a entendem como nação cultural, mas a tendência a desenvolver uma vida política autônoma é consubstancial com o conceito de nação, e de aí que a proposição de Sánchez de entender as nações periféricas como nações culturais é uma contradição nos termos, pois toda nação tem que ter um componente político, além de que mantém a subordinação delas à nação espanhola. Como vemos, nada realmente novo, salvo a propaganda com a que se acompanha este suposto grande descobrimento. 

Na proposta do PSOE há outros problemas importantes. Um é o da unidade de soberania do povo espanhol, o qual implica negar a maioria de idade dos outros povos como o catalão, vasco e galego, e subordiná-los ao povo espanhol. Tendo em conta que nos estados federais, os depositários da soberania originária são os estados que se federam, que, atuando como estados a federar, decidem ceder parte dessa soberania e competências, por um pacto, um foedus, de onde vem a palavra federal e federalismo, a um único estado que é o estado federal, que sempre incluem as de assuntos exteriores, defesa e moeda, os estados federados retêm a soberania naquelas matérias não cedidas, como podia ser o caso da língua, cultura,... 

É Espanha uma nação tal como reza a Constituição espanhola? Eu responderia que depende. Se entendemos Espanha como uma realidade distinta das outras nações, si que é uma nação, mas Espanha como conjunto, que Castelao grafava Hespanha, não é uma nação senão um estado composto por vários povos que são nações, e nomeadamente por Catalunya, Euskadi e Galiza, que seria necessário reconhecer como tais, e enquanto não se faça, é inconsistente falar de que Espanha é um estado plurinacional. Considero que num Estado federal, as diversas nações e regiões que formam parte de nações deveriam poder federar-se entre si, porque é uma incongruência que se estabeleça um estado federal no que se proíba que as suas nações ou nacionalidades e regiões se federem, como passa na atual CE. Em consequência, Euskadi deveria poder federar-se com Navarra e Euskadi Norte; Catalunya com Valéncia e Baleares, e Galiza deveria poder pactuar com Portugal, principalmente com o Norte, que formava parte da Gallaecia. 

É Espanha uma nação tal como reza a Constituição espanhola? Eu responderia que depende

 

Os estados dividem-se em unitários e federais. Os primeiros são estados de soberania única e os segundos são estados nos que a soberania é compartida entre os estados federados e o estado federal. Para que exista um estado federal tem que haver um pacto, e para estabelecer um pacto há que reconhecer a personalidade dos pactuantes, que são quem decidem concertar um pacto entre iguais polo que cedem a um estado novo, que é o estado federal, determinadas competências. Por conseguinte, falar de soberania única e de estado federal é contraditório. A soberania tem que ser, polo menos, compartida. Se se optar por uma confederação de estados, como fez Suíça num princípio, os estados membros retêm a soberania total e não criariam um novo Estado senão órgãos de coordenação, como é o caso da atual UE.

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