Opinión

Moção de censura

Faz uns dias Pablo Iglesias surpreendeu a todo o mundo com o anúncio duma moção de censura contra o governo de Mariano Rajoy. Esta notícia provocou uma autêntica oleada de declarações, mui majoritariamente contrárias a esta decisão. C’s, sempre com uma agressividade visceral com esta formação, qualificou-a dum número de circo de Podemos e o PSOE saiu em tromba declarando que era uma manobra para destruir o PSOE e desacreditando pessoalmente o seu máximo líder Pablo Iglesias. O poder mediático amostrou também claramente a sua antipatia por esta iniciativa. O poder religioso não se pronunciou, que eu saiba, mas considero que não há nenhuma dúvida do seu posicionamento igualmente hostil. Os sindicatos e várias associações da sociedade civil que lutam pola regeneração democrática, a transparência, o fim da austeridade e os direitos da maioria social vão amostrar-se favoráveis, se bem cumpre ter presente que são apoios testemunhais, e, ainda que muito significativos, não incrementam os apoios parlamentares que são finalmente os decisivos numa democracia representativa. Antes de nada devo declarar que eu nunca votei por Podemos nem tenho previsto cambiar o meu sentido de voto, polo menos a curto ou meio prazo. Espero que não se me considere, portanto, interessado em promover este partido. 

Podemos parece claro que persegue vários objetivos, creio que todos eles legítimos

Por parte de Podemos parece claro que persegue vários objetivos, creio que todos eles legítimos. O primeiro, adquirir protagonismo mediático para a sua formação. O segundo, deixar claro ante a cidadania que não estamos ante um beco sem saída senão que há alternativas realizáveis já. O terceiro, visibilizar que há um líder solvente tanto para liderar a oposição como para reger o país a partir dumas coordenadas de regeneração. O quarto, difundir ante a cidadania a sua proposta de governo. O quinto, dar um golpe de efeito para despertar a consciência pública espanhola perante um problema sumamente grave para o desenvolvimento econômico de Espanha, para a competitividade da sua economia e a mesma moralidade pública, como é o imenso oceano de corrupção em que estamos imersos por parte dum partido cujos membros se dedicaram a utilizar as instituições para enriquecer-se pessoalmente, além de procurar recursos extras para competir em desigualdade de condições com os seus adversários políticos, trampeando totalmente as regras de jogo da democracia representativa. A grande quantidade de dinheiro açambarcado por todos os casos de corrupção é enormes e o dano produzido, como consequência do mau exemplo, á moralidade da sociedade espanhola é impressionante. Em momentos como estes, é de supor que lhe virão á mente a todos os que o estão passando mal com a crise as palavras de Rajoy quando, parece que plenamente consciente do que passava no seu partido, afirmava que a gente viveu por acima das suas possibilidades e, por isso, cumpria drenar recursos das classes baixas e médias para os causantes da crise, que não eram citados. Suponho que, ante o intento persistente de tapar as suas nudezes cambiando os fiscais de destino para topar-se com outros mais condescendentes com as suas práticas corruptas, sentirão rubor ao ouvir que a justiça em Espanha funciona dum jeito totalmente independente, como repetiu faz poucos dias. Esta maneira de atuar parece mais própria de alguém que perdeu o Norte que de pessoas sensatas. Realça também a conivência entre os sectores oligárquicos e os poderes político e mediático em benefício mútuo. O empresariado, econômico-financeiro-mediático clientelar, saiu favorecido com contrato á margem dos circuitos da concorrência competitiva e as quantiosas subvenções que os beneficiam, igual que o poder político com as famosas mordidas para benefício pessoal e do partido. É de supor que os afetados polos recortes se perguntem quais seriam as consequências para eles se vivessem num país em que os governantes fossem competentes e honrados e se dedicassem a empregar dum modo eficiente os recursos que lhes detraem por impostos em vez de dedicar as suas manhas para apropriar-se indevidamente dos seus recursos para fins espúrios. Esta medida não está isenta de riscos para esta formação em caso de patinação e deve ter presente que os meios de comunicação e os demais partidos não lhe vão regalar nada, senão que vão pôr de relevo as possíveis incoerência e contradições.

Esta medida não está isenta de riscos para esta formação em caso de patinação

A reação irônica do Sr. Rajoy de que não apresentaria uma moção de censura contra Pablo Iglesias parece indicar que não é consciente do enfado da cidadania ao constatar o enorme cenagal em que nada. Outra reação dos dirigentes do PP foi o recurso a associação desta formação e o seu líder com a Venezuela de Maduro, mas esta comparação é mais bem própria de pessoas desorientadas porque, ainda no suposto caso de ter alguma dose de verdade, seria comparar uma mosca com um elefante, ainda que possa ter certo poder de apelação nos votantes populares por uma associação que lhe produz certo medo ao vazio na procura de que, ainda nesta situação, não abandonem o partido. Os populares parece que já começam a mover ficha porque o eco da suas feitorias e deficiente gestão podem ser importantes.

A reação desde o PSOE foi furibunda, o qual implica que os colheu em panos menores, que continuam sumidos numa profunda desorientação e não sabem por onde tirar. Susana Díaz qualificou-a como uma operação para destruir o PSOE. É evidente que na luta partidária todo partido quer dominar e vencer aos demais, e se os do PSOE não querem a confrontação e a pugna política, em contra do que fizeram sempre, seria melhor que fundassem associações tipo Boy Scouts, grupos de caminhadas, etc., não digo de ócio em geral porque em quase todas elas há competição e intento de domínio sobre os demais, como no jogo de cartas, nas partidas de futebol... Outro dos recursos foi recorrer ao sovado discurso de que se Podemos quiser em sério uma alternativa não deveria ter desprezado a que se lhe ofereceu para fazer presidente a Pedro Sánchez a câmbio de nada e quando o Comitê Federal já tinha proibido o 30 de dezembro de 2015 qualquer pacto com Podemos. Ou seja, que primeiro vetam um pacto mútuo PSOE-Podemos e depois criticam a Podemos por não facilitar que o PSOE ocupe a chefia do governo com um pacto com C’s, adversário visceral do vetado, com Rivera como vice-presidente do governo. Não querem inteirar-se de que não se trata de apoiar um candidato polo facto de que se declara nominalmente socialista, senão polas políticas que se vão pôr em prática, que, com C’s somente podem ser políticas de direitas ou todo o demais de centro. Parece realmente uma falta de pudor, além duma falta de liderado no partido. O posicionamento favorável da UGT contribui a amostrar as nudezes do partido irmão, deixando-o sem capacidade de resposta crível. A sua oposição e falta de argumentação deixará ao descoberto que a corrupção, com a que também flerte, é menos importante que deixar que governe o PP, e, por tanto, será cúmplice da perduração das suas políticas. Também ficará clara a sua maridagem com PP e C’s para formar a Santa Aliança, como lhe bota em cara Podemos. Também fica clara a sua preferência por uma alternativa PSOE-C’s para marginar a Podemos e deixá-lo encurralado na esquerda testemunhal, ainda que isso suponha anular uma alternativa séria de esquerda, ao tempo que delata que a sua oposição verbal ao PP é em grande parte mera pantomima.  

As únicas razões críveis para opor-se á moção de censura são a situação de desunião e guerra interna dentro do PSOE

Tendo em conta que Podemos lhe ofereceu a possibilidade de liderar a apresentação da moção de censura com um candidato do próprio PSOE ou duma personalidade independente, as únicas razões críveis para opor-se á moção de censura são a situação de desunião e guerra interna dentro do PSOE e a que nenhum dos candidatos a primárias deste partido estaria disposto a que qualquer outro candidato nem uma personalidade independente pudessem contar com a possibilidade de ocupar a presidência do governo de Espanha, porque implicaria um suicídio político próprio. Estas são as razões autênticas, mas isto tem como consequência que aparecerão ante a cidadania como incapazes de oferecer uma saída a esta situação de emergência nacional e como os valedores imprescindíveis dum presidente que já ocupa o cargo com a sua anuência. 

C’s já demonstrou claramente a sua oposição á moção de censura, o qual sintoniza com a habitual beligerância contra a formação morada, como se evidenciou claramente na sua negativa a apoiar a moção de censura do PSOE contra o governo de Múrcia presidido por Pedro Antônio Sánchez, e a que surgiu precisamente para impedir que Podemos governe em Espanha. 

O PNV vai votar em contra porque está disposto a pactuar com Rajoy a aprovação dos orçamentos gerais do Estado e não pode desalojá-lo da Moncloa. ERC vai votar a favor porque isso favorece tanto o seu modelo de Estado, e, por tanto, a solução do problema catalão criado precisamente por Rajoy, como o seu modelo de sociedade, que facilitará aplicar medidas de esquerda e regeneração democrática. Este será também provavelmente o posicionamento de EH Bildu. O PDeCAT, antiga CDC, também estará definitivamente disposta a apoiar porque facilitará o seu modelo de Estado, neste momento prioritário, ainda que será mais renuente polo que diz respeito ao modelo de sociedade. 

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