Opinión

Lembranças de Fidel

Grande parte da obra de Fidel desenvolveu-se a partir da juventude da nossa geração, e, por tanto, do nosso despertar ás inquietações sócio-econômicas e políticas e, por conseguinte, o seus sonhos influíram nos nossos e a ninguém nos deixaram indiferentes.

Pessoalmente, Fidel é um home mui inteligente, com umas capacidades dialéticas fora do comum,  dum carisma extraordinário, trabalhador infatigável e totalmente entregado ao projeto que concebeu para o seu povo. Politicamente, estava identificado com a causa dos marginados e excluídos socialmente. A sua obra esteve condicionada pela política imperialista dos EEUU que não estavam dispostos a que coalhasse um projeto político autônomo que delatasse o caráter extrativo e imperialista do seu próprio. Não sabemos qual seria o porvir da revolução castrista noutras circunstâncias distintas, mas o que si sabemos é que o sistema implantado por Fidel lhe permitiu manter a soberania nacional de Cuba frente ás tendências assimilacionistas dos EEUU de América. 

Cuba passou a depender dos EEUU a partir da guerra destes contra Espanha em 1898, e com o general Batista, um político corrupto e impopular em Cuba, a ilha converteu-se na paraíso de recreio e prazer dos estadunidenses. A situação econômica caraterizava-se pelo caráter latifundiário da propriedade da terra e pela enorme injustiça e desigualdade social. Em julho de 1953, o advogado Fidel Castro, liderando um grupo de moços revolucionários, integrado por 135 combatentes, assalta o quartel militar Moncada, com o objetivo de conquistar a independência total para Cuba, que se saldou em fracasso, o seu encarceramento e uma forte repressão do general Batista, mas que, ao mesmo tempo, lhe permitiu a Fidel adquirir notória popularidade e simpatia entre a população. Como esta situação política era insustentável, os EEUU colaboraram com Fidel quando este começou a guerrilha contra o governo na Serra Mestre, com a finalidade de controlar o processo e aproveitar-se do seu apoio a uns guerrilheiros nos que quiçá nunca acreditaram demasiado. Com todo, Fidel sempre teve presente que se queria manter a independência do movimento, não podia entregar-se nas mãos nem dos EEUU nem dos oligarcas locais. Em janeiro de 1959 entra vitorioso na Habana, após ter desarmado ao poderoso exército cubano do general Batista, a essa altura mui desmoralizado, sendo nomeado primeiro ministro em fevereiro desse mesmo ano.

Fidel sempre teve presente que se queria manter a independência do movimento, não podia entregar-se nas mãos nem dos EEUU nem dos oligarcas locais

A reforma agrária, que prejudicou os interesses dos latifundiários estadunidenses, provocou o embargo econômico, por parte da administração de Eisenhower, quiçá o mais criminal da história, contra a Ilha com o objetivo de estrangular a economia cubana, reverter as expropriações das suas terras e evitar que a revolução cubana se expandisse por Latino-América, toda ela imersa numa situação de desigualdade social e de injustiça na distribuição da propriedade das terras. Esta política de fustigação contra Cuba continuou até os nossos dias apesar da oposição da grande maioria dos países e das resoluções aprovadas pela ONU. O embargo econômico seria complementado com toda uma série de medidas de propaganda contra-revolucionária, apoios dos grupos contrários ao regime castrista, sabotagem das instalações civis e econômicas, espionagem massivo, queimas de plantações de açúcar, assassinato dos seus principais líderes, com especial focagem sobre o próprio Fidel, ataques pirata, violações do seus espaço aéreo e marítimo por aviões e barcos de guerra norte-americanos, etc. Já faz anos que a CIA tem reconhecido que tem intentado acabar com a vida de Fidel mais de trezentas vezes, cifra que nos nossos dias já passa de 600 segundo a administração cubana. Além do embargo e demais medida citadas, os EEUU tentaram a ação armada direta contra Cuba pela administração Kennedy, que se concretizou na invasão da Baia de Cochinos no ano 1961 por parte de dissidentes cubanos treinados pela CIA, que foi derrotada rapidamente pelo exército de Cuba. 

Ante a política de fustigação, Fidel estabelece fortes laços de amizade e colaboração com a URSS, que não fazem cessar a pressão estadunidense no seu empenho de derrocar o regime cubano. Perante o fracasso da invasão de Baia de Cochinos, os EEUU projetam invadir diretamente a Ilha pelo exército estadunidense, e, para contra-arrestar estas medidas, o líder soviético Nikita S. Khrushchev propõe-lhe a Cuba instalar mísseis balísticos dissuasórios no seu território (1), dando lugar á crise ou guerra dos mísseis em outubro de 1962, por considerar os EEUU que representavam um perigo para o seu território, que se solucionou o 28/10/1962 com a renúncia dos EEUU a invadir Cuba e com a retirada dos mísseis norteamericanos de Túrquia, e o desmantelamento dos mísseis de Cuba por parte dos soviéticos. 

Já faz anos que a CIA tem reconhecido que tem intentado acabar com a vida de Fidel mais de trezentas vezes, cifra que nos nossos dias já passa de 600 segundo a administração cubana

Este e não outro foi o contexto no que teve que operar o regime de Fidel, é neste contexto no que cumpre situar as suas políticas. Seguramente todos gostaríamos que em Cuba se respeitassem as liberdades políticas, de pensamento e expressão, ao tempo que corrigissem as enormes desigualdades sociais existentes, mas estas liberdades tampouco são a panacéia, porque além destas liberdades individuais, entendidas como direitos formais, cumpre avançar nos direitos reais, como o direito ao trabalho terminando com um nível de paro escandaloso; direito a uma remuneração suficiente para levar uma vida digna; direito a uma jornada de trabalho que permita conciliar a vida laboral e familiar; direito a formar uma família e construir um projeto vital; direito á sanidade evitando listas de espera intermináveis que o negam; direito a uma vivenda digna para todas as pessoas; direito a uma educação pública e independente e laica, terminando com concertos injustificados a centros privados; direito a uma justiça independente e não controlada pelo poder executivo, como passa em Espanha e em Estados Unidos;... Que direitos formais de expressão e pensamento pode ter aquele que não tem para comer? Não sabemos que faria Fidel noutras circunstâncias, mas é difícil pensar que os EEUU não aproveitassem qualquer resquício que essas liberdades lhe pudessem oferecer para lograr o seu objetivo de derruba do regime cubano. Creio que a nível econômico deveria respeitar muito mais a iniciativa privada, porque uma economia dirigida por burocratas de qualquer partido não funciona, ao igual que tampouco funciona uma economia dirigidas por oligarcas, como o estamos comprovando nos chamados países capitalistas. Porém, considero que conseguiu êxitos importantes a nível social, especialmente em sanidade e educação, que são um modelo a imitar tanto em Latino-América como no mesmo EEUU. 

A nível econômico deveria respeitar muito mais a iniciativa privada, porque uma economia dirigida por burocratas de qualquer partido não funciona

Na luta contra a desigualdade também pode servir de referência para muitos países, em especial para os capitalistas, incluídos os EEUU, que resolvem todos os problemas afundindo na miséria os trabalhadores e as classes médias. Em todo caso, estes países não servem de referência para o futuro das nossas moças e moços, que se vêem impossibilitados para construir um futuro digno deste nome. Mas, sobre todo, considero que Cuba pode servir de exemplo na luta pela soberania nacional e pela soberania econômica mediante o controle dos recursos próprios e das forças econômicas do mercado pelo Estado, que é um requisito imprescindível para que exista democracia. Seguindo a inspiração no modelo castrista, vários países latino-americanos estão comprometidos com uma luta estimulante contra as desigualdades sociais, ao tempo que medram exponencialmente as desigualdades do sistema burguês capitalista. Alguém pode pensar que é melhor para a humanidade um governo de Trump que um de Fidel?

A atuação de Espanha com o regime de Fidel e inclusive com Latino-América foi mui míope. A nível diplomático, lembramo-nos do despropósito do Rei de Espanha, João Carlo, quando lhe comina a Hugo Chaves: Por que não te calas?, mas ainda mais improcedente foi a atuação do embaixador na Habana, José Maria de Lojendio, quando se apresentou nos estudos de televisão da Habana para tirar-lhe das barbas a Fidel pelas acusações que este vertia contra Espanha. Com todo, o regime franquista teve um comportamento mui digno com o regime cubano negando-se a atuar de comparsa da política traçada em Washington, que contrasta com a política de servilismo com a administração estadunidense do seu herdeiro, o Sr. Aznar e do governo de Rajoy, que prejudicarão gravemente os interesses espanhóis na ilha se Trump mantém a política de apertura de Obama. Essa política hostil também se está a despregar com Venezuela, e, em menor medida, com Equador e Bolívia. As cimeiras ibero-americanas estão mortas, e parece que a ninguém lhe interessam. Eis o panorama!

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