Opinión

Iglesias está brincando com fogo

Hoje não está aceite impor a censura governamental dos mídia, que na Espanha foi um recurso frequente incluso em tempos da República de 1931, nem se pode acudir ao auxílio da mensagem cristã, sempre disposta a colaborar com o poder, para difundir a "verdade" oficial que deve ser propalada para que seja assumida polas mentes da cidadania, mas não por isso a "veritas hispana" da indissolúvel unidade da nação espanhola, entendida como soberania única e indissolúvel, carece de valedores menos potentes e abundantes recursos: os meios de comunicação tradicionais: rádios, televisões, jornais impressos, a grande maioria dos jornais digitais, os partidos políticos da transição, junto com Vox, e um tropel de jornalistas que se encarregam de instruir a cidadania sobre a verdade que deve imperar em cada caso. Esta verdade e legalidade hispana não só se defende no Estado espanhol, senão que também se pretende que a assuma toda a UE.

De modo que, em vez de procurar que se estendam e cumpram os direitos dos povos, incluído o direito de autodeterminação e o direito a defender os seus sinais de identidade, se pretende que se implantem os direitos inversos: o direito dos estados a dominar os povos que convivem no seu âmbito e o direito de impor-lhe a língua, usos e costumes do povo dominante, do que tanto sabia Felipe V. Iglesias atreveu-se a dizer algo que discrepa da consigna imperante, não sei se somente tácita, que consiste em desprestigiar a todos os líderes dos partidos independentistas e nacionalistas e as suas políticas, especialmente o seu intento de estruturar doutra maneira o poder no estado espanhol.

Antes essa teima centrava-se nos que recorreram à violência para conseguir os seus objetivos e afirmava-se que todo se podia defender numa Espanha sem terrorismo, mas, uma vez desaparecida a violência de grupo, à que o poder espanhol retrucou com a violência institucional, como foram os Gal, já não só se ataca o terrorismo, senão as organizações que defendem posições independentistas. especialmente aos chefes e de ai que se lançassem contra ele sem piedade nenhuma todos os partidos e mídia que se movem no âmbito do artigo 155 e à sua direita. Iglesias disse que Puigdemont não está em Bruxelas por roubar dinheiro a ninguém, como sim fez o rei emérito, e que se fodeu a vida para sempre polas suas ideias políticas. Quiçá seja difícil retrucar isto. Mas o que sim causou muita poeirada é que dissesse que crê que Puigdemont era um exilado como foram muitos que se exilaram durante a ditadura de Franco. Isto é difícil de aceitar porque esfuma o narcisismo espanhol propalado aos quatro ventos de que Espanha é uma democracia exemplar, uma democracia avançada, e que não admite comparação coa a atuação dum régime ditatorial. Mas, se bem é certo que não se pode comparar com o régime de Franco, que tampouco Iglesias o fez, sim se pode dizer que é uma democracia com muitas eivas: politização da justiça, carência duma autêntica divisão de poderes, ter um rei imposto por um ditador, e que o povo espanhol, que é o soberano teórico, nem votou nem pode sequer investigar, que um órgão da soberania popular como é o Governo se atreva a afirmar que quer que pactuar com o monarca a renovação da monarquia, sem consultar nada com o povo espanhol,...

Parece evidente que Puigdemont é um exilado, ou seja, segundo a RAE Alguém expulso do território; expatriar-se, geralmente por motivos políticos. Quem pode negar que Puigdemont Marta Rovira, etc. se expatriaram por motivos políticos? Não fizeram isto mesmo muitos exilados republicanos, entre eles o grande Castelão? Ou temos que corrigir a história para que encaixe nos moldes dos espanholistas? Os exilados do franquismo são muitos e muito diversos, e muitos marcharam dum modo semelhante a Puigdemont. A ministra Montero afirmou que a diferença entre Puigdemont e os republicanos está em que o primeiro quebrantou a lei. Mas que lei? A norma que impedia celebrar um referendo foi derrogada. A justiça europeia falhou que não se respeitaram, parece que adrede, os seus direitos a ter um juiz predeterminado por lei, é evidente que os falhos judiciais pretenderam darlhes um escarmento e que os mantêm na prisão por falta de arrependimento, segundo a confissão de juízes e fiscais, ou seja, por ideias heterodoxas.

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