Opinión

Catalunha não é uma nação?

Estes dias anda o Pablo Casado a pregoar aos quatro ventos que Catalunha não é uma nação, e que Espanha é a única nação existente no Estado espanhol. Com estas afirmações o que pretende tanto ele como em geral os partidos coligados em Andaluzia, é reafirmar até o paroxismo o nacionalismo rampante espanhol, chauvinista e intransigente, para homogeneizar a população do Estado e construir um homo hispanus novo, deslumbrado por slogans e símbolos vazios, com a finalidade de procurar adesões a custo zero e alta rendabilidade política. Para conseguir os seus objetivos, todo sinal de identidade própria diferente da espanhola e todo sentimento de pertença distinto, é visto como um obstáculo, igual que todo poder intermédio entre o indivíduo e o poder espanhol, com o objetivo de criar um indivíduo inerme perante o poder e facilmente manipulável e controlável polas consignas do líder. De ai essa fustigação constante contra as línguas próprias infringindo mesmo a CE, já de por si unitarista e jacobinista. De ai a hostilidade contra o Estado das Autonomias por parte dos partidos estatais, desde o momento mesmo em que se redigiu a constituição, que teve a sua demonstração mais palpável na LOAPA, e nos nossos dias na bendição dum 155 ilegal e na maridagem do poder político e judicial para combater ao uníssono o procés catalão e castigar exemplarmente os seus protagonistas. E não falemos já da hostilidade contra qualquer menção da palavra autodeterminação.

Está a pregoar sem o mais mínimo rubor a tírios e troianos o Sr. Casado, que Catalunha não é uma nação e que Espanha é uma nação desde faz já cinco séculos, ou seja, desde os Reis Católicos, faltou-lhe dizer desta vez que é a nação mais velha do mundo, ad majorem hispaniorum gloriam, como dissera tão repetidamente o seu inspirador e o de Aznar, Julián Marias, autor obstinado, simplista e escudeiro de José Ortega e Gasset, que o desprezava polas suas poucas luzes. Dizia este divulgador que Espanha é uma única nação, “a primeira nação que existiu em Europa”, “a mais antiga da primeira promoção” nascida em sentido político no ano 1474, data da entronização de Isabel e Fernando como reis de Castela e Aragão, quando se supera a conceição patrimonial das monarquias. A nação no sentido histórico, diz, data de muitos séculos antes, enquanto que, pola contra, o nacionalismo surgiria com a Revolução Francesa. Estas afirmações de Maria são puro ideologismo inconsistente, mas vejamos por que.

Este autor não oferece em nenhuma parte uma definição rigorosa de nação, mas exige a presença de alguns elementos para poder afirmar que uma comunidade não é uma nação, que são: se lhe falta “uma personalidade unitária, uma língua comum, uma história coerente, uma cultura uniforme, um repertório de usos e costumes vigentes, não digamos um projeto comum de vida coletivo, um «programa nacional» compartido polos habitantes”. Pois bem, se aceitamos estas exigências para a nação, a que não é uma nação é Espanha, porque carece dum projeto comum de vida compartido polas nações catalã, basca e galega, enquanto que si são nações tanto Catalunha, como Euskadi. Galiza é uma nação num estádio inferior de construção e com uma menor consciência nacional, mas luta e aspira também a ser reconhecida como tal. O projeto de vida existente no Estado espanhol é um projeto de vida imposto e mantido manu militari. Se Julian Marías fosse coerente deveria defender o direito dos povos da Ibéria à livre autodeterminação, precisamente para constatar a existência desse projeto compartido, e não recorrer inclusive aos mortos para negá-lo. Por outra parte, se os citados traços são os que conformam uma nação, as repúblicas latino-americanas deixariam de ser nações, porque a língua majoritária que utilizam não é uma língua própria e também compartem traços culturais herdados dos colonizadores espanhóis.

O que sim herdou Espanha dos Reis Católicos foi o anseio inquisitorial que semeou o terror na população em aras de estabelecer um discurso único e excluir qualquer dissidência. O tandem da espada e da cruz criou um sistema de terror, um dos mais coercitivos e o menos respeitoso com a dignidade das pessoas que existiram na história da humanidade, e teve como principais vítimas os judeus, muçulmanos e protestantes, mas também as meigas e os discrepante ideológicos. Essa inquisição condenou o heliocentrismo, o evolucionismo, etc., proibiu a leitura de milhares de livros, e condenou os seus autores, chegando inclusive a proibir a leitura da Bíblia, salvo na tradução latina que o povo já não entendia. Hoje essa inquisição não existe a nível formal, mas sim existe é uma obsessão por impor o discurso único, uma simplificação da realidade política para poder destruir os adversários e a obstrução a qualquer reforma da CE, para que os discrepantes e os inovadores esbarrem e impedir assim o câmbio sócio-político e econômico. De ai as fortes campanhas contra os populismos «bolivarianos», o «comunismo», ruptura de Espanha, golpismo, etc.

É falso que a nação começa-se com o matrimônio de Isabel e Fernando, pois um enlace matrimonial o único que pode fazer é juntar reinos, mas de por si nunca pode constituir uma nação, que é uma noção distinta. O que fizeram Isabel e Fernando foi reinar sobre dous reinos que continuaram a manter a sua soberania e as suas leis, usos, costumes e tradições próprias. Além disso, quando morre Isabel em 1504, não foi o seu marido quem ocupou o trono de Castela senão a sua filha Joana, enquanto que ele continuou a reinar em Aragão, tendo de novo dous reinos distintos e dous estados distintos, se consideramos que nalgum tempo formaram um estado único. Por conseguinte, não só não se conformou uma nação em 1474, senão nem sequer um estado com vontade de permanência no tempo. Uma nação é: a) Um sócio-sistema, um sistema social, que exclui que sejam nações os aglomerados de pessoas e os organismos sociais desestruturados. b) Com caraterísticas diferenciadas, que podem variar dumas a outras, e assim, uma nação pode compartir a língua, mas ter uma religião, ou uma cultura, ou uma idiossincrasia econômica específica, ou uma legislação distinta como aconteceu com Franza em tempos da Revolução Francesa; assim a repúblicas americanas não tem língua própria, mas sim têm uma história específica, forjada na sua luta com o colonialismo espanhol. c) É um sistema socio-biológico dotado de inteligência coletiva, que num determinado momento do tempo adquire consciência da sua singularidade, e d) Tem vontade política de autogovernar-se e de decidir o seu futuro, e, por tanto, é básico, para elas, a defesa do direito de autodeterminação. Disto desprende-se que toda nação tem um componente político essencial e falar de nações culturais, como fazem alguns no nosso país, é um sem sentido, invento dos ideólogos unionistas mesetários, liderados por Andrés de Blas Guerrero. Isso é uma etnia, mas não o que hoje se entende por nação, ao igual que é uma etnia o que Marias chama nação histórica..

É um disparate maiúsculo afirmar que as nações políticas existem desde antigo e, por outra parte, suster que o nacionalismo surge com a Revolução Francesa. É um lugar comum já entre os historiadores do fenômeno nacionalista afirmar que não pode haver nações sem nacionalismo. A nação é uma realidade sócio-histórica que surge, se construi, se desenvolve e fenece no tempo e esta realidade somente pode surgir por obra das elites lúcidas duma determinada comunidade, que seriam os primeiros nacionalistas, que inoculam a sua consciência sociocultural, política e econômica no coletivo e impulsam um projeto diferenciado no povo ao que pertencem. Os nacionalistas erigem a nação como o novo protagonista da história em substituição das monarquias patrimonialistas ou doutros projetos personalistas, que dispõem ao seu bel prazer dos destinos da comunidade, podendo dividi-la entre os seus filhos, porque eles são os que mandam. Por isso as nações não surgem até que a maioria dos cidadãos decide ostentar a soberania, despojando de tal prerrogativa ao monarca, situação que se produz, a respeito de Holanda e Inglaterra no século XVII, e no século XVIII polo que se refere a Franza, e que se pôs de manifesto quando os revolucionários franceses enviam ao exílio a Luis XVI e deixam claro que quem manda já não são as elites, senão a nação, representada a essa altura polo Terceiro Estado. A Revolução Francesa de 1789 jogará um rol difusor do nacionalismo de primeira magnitude. No século XIX serão os proprietários quem ostente essa representação da soberania nacional, que tem, por conseguinte, caráter censitário, e já a finais do século XIX todo povo, representado, num primeiro momento polos varões maiores de idade, e no século XX por todas as pessoas maiores de idade: homens e mulheres. A nação não tem sentido sem esse protagonismo dos cidadãos, que fazem impossível que no futuro um rei possa dispor dos seus destinos, e que falem, como faziam Isabel e Fernando «destes mis reinos», ou que se intitulem como soberanos. Na Espanha ainda estamos a médio caminho, porque o rei ainda contrapõe a legitimidade monárquica com a legitimidade popular, sem querer dar-se conta de que a única soberania aceitável é a popular.

A divisão que, no seu anseio manipulador e tergiversador, faz Julián Marias, das sociedades em plenas ou saturadas e insertivas, é puro ideologismo com pretensões imperialistas. Dessa maneira pretende já assignar-lhe o seu destino aos diversos povos que, mal que bem, convivem no Estado espanhol, que seria o de ser comunidades de segunda categoria, ou regiões, que tem que resignar-se a viver inseridas noutra sociedade, que é a sociedade plena, da que formam parte e da que se nutrem, em primeiro lugar, as entidades regionais, concebidas como deputações regionais, e, por último, os municípios. Em vez do direito de autodeterminação dos povos, propugna a necessidade de resignação das nações insertivas a viver em relação de dependência e subordinação da única nação plena, que é a nação espanhola. Uma conceição que seguro que faz sua Vox.

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