Opinión

Adaptação à realidade

Uma notícia publicada faz uns dias nos jornais dizia: «O Governo avança cara a neutralidade religiosa do Estado», mas em realidade o único que fez o Governo social-podemita, que não é pouco, é manifestar a sua vontade de adaptar-se à realidade social, que sofreu um câmbio profundo no seu pensamento e atitude religiosa no século XX, e muito especialmente a partir do seu último terço.

O câmbio nas estruturas e nas instituições sociais costuma ir dêsacompassado com o câmbio de mentalidade e com a mesma realidade social, e, por isso é preciso de vez em quando modificá-las simplesmente para acomodar-se ao que já existe. Não se trata de adaptar-se a uma nova normalidade, senão de fazer normal no funcionamento das instituições o que é normal na praxe social. Que fazem os membros das diversas organizações políticas prostrando-se diante dos símbolos religiosos duma determinada confissão, a única de facto reconhecida a nível social, para rogar-lhe que solucione os problemas sociopolíticos que eles deveriam resolver? Todos os que vieram prostrar-se perante o apóstolo, vários deles com condutas pouco exemplares, estão de facto reconhecendo que são uns incompetentes politicamente e, em consequência, deveriam renunciar a apresentar-se para pedir os votos duns cidadãos porque estão reconhecendo que estes solucionariam muito melhor os seus problemas ajoelhando-se e dando golpes de peito perante os santos para propiciar os seus favores.

O cristianismo teve, a partir do século IV, em que se constituiu como religião oficial do império romano, um poder imenso. Veu funcionando como um estado dentro do próprio estado, e muitas vezes com mais poder que os mesmos reis, ao quais podiam excomungar e depor se se negavam a obedecer as suas consignas, amparando-se na razão do pecado e na doutrina da superioridade da alma, cujo cuidado estava encomendada a eles, sobre o corpo, que desprezaram até limites inconcebíveis. Esta conceção dualista antropológica não é outra cousa que platonismo que sobrevive artificialmente para dar-lhe vida à instituição eclesiástica. O poder real duma instituição mede-se pola sua capacidade de drenar recursos econômicos, que está à sua vez, influenciada polas crenças. Do poder imenso que alcançou a igreja dá conta o cânon sete do concílio de Penhafiel, celebrado em 1302, titulado: Que todos paguem os dízimos. “Portanto, toda vez que temos sido chamados a participar do cuidado, querendo mirar pola salvação das almas, estabelecemos e ordenamos que todos os fregueses paguem sem rebaixa alguma aos ministros de Cristo a décima, como porção do Senhor, dos seus prédios e cultivo das árvores, hortos, e de outras cousas que nascem da terra, quer produzidas espontaneamente pola natureza, quer polo cultivo do homem, o mesmo que dos animais, e de todas as utilidades, como queixo, lã, cera, mel, e de outras cousas que de aqui dimanam, e por último de quanto licitamente se adquira. E se alguns, sem consideração ao temor de Deus, admoestados canonicamente polos ministros da igreja, não quiserem entregar íntegra a décima, que é a porção canônica, sejam excomungados; e se não satisfizessem sejam privados de sepultura eclesiástica, ainda que nominalmente não tivessem sido ligados com o vínculo da excomunhão”. Com uma legislação como esta sim que se creia uma nova normalidade.

Esta igreja, companheira do império, que, aproveitando-se da sua maridagem com o poder, se permite impor impostos e obrigar coativamente a pagá-los enviando para o inferno a quem não paguem os dízimos já não existe, mas ainda tem uma imensa capacidade de drenar recursos aproveitando-se das facilidades dos governos tanto franquistas como posfranquistas, para inscrever bens próprios sem ter investido neles um patacão, a isenção de impostos, a facilidade do 0,7 por cento do IRPF, que têm que pagá-lo tanto os ateus como os doutras confissões religiosas, etc. Mas, como cambiou a realidade social, isto também tem que cambiar e agora a Igreja tem que lidar tanto com as demais confissões religiosas, como com aquelas associações que se declaram ateias, como Europa Laica, as grandes olvidadas do governo, apesar de que representam na Europa arredor dum 30% da população.

  

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