Opinión

Ex-BNG

O 20 de Dezembro de 1973, quando se produziu o atentado mortal contra Carrero Blanco, Julio Rodríguez Martínez levava apenas uns meses como ministro de Educaçom no seu Governo. Rodríguez era um home original.

O 20 de Dezembro de 1973, quando se produziu o atentado mortal contra Carrero Blanco, Julio Rodríguez Martínez levava apenas uns meses como ministro de Educaçom no seu Governo. Rodríguez era um home original. Entre as suas mais conhecidas ocorrências está aquela de fazer concordar o ano académico com o ano natural, de maneira que os cursos universitarios começassem a primeiros de janeiro e acabassem no final do ano. Um calendário “juliano” cujos benefícios nunca puderom ser comprovados porque Rodríguez foi cessado no cargo apenas duas semanas depois da morte de Carrero e a Universidade regressou ao calendário tradicional, o “gregoriano” em definiçom de Pío Cabanillas. Mas o que aqui interessa de Julio Rodríguez nom é tanto a sua capacidade para renovar a vida acadêmica quanto a forma pitoresca como passou a definir-se a partir do histórico atentado: ex Ministro de Carrero Blanco. No ámbito doméstico só lembro um caso similar, o daquele historiador que tendo sido de rapaz militante no movimiento estudiantil nacionalista nom se resignava a deixar cair no esquecimento tam importante bagagem e, já moço, assinava os seus artigos como ex ERGA.

"O feito de ter militado nalgum momento, mesmo fugazmente, no BNG, aparece hoje como obrigada referencia  curricular dum bem nutrido grupo de persoas que ocupam, ou aspiram a ocupar, cargos políticos e institucionais. Ser ex BNG está na moda".

Ora, curiosamente, o que na altura era interpretado como amostra de certa peculiar saudade individual hoje parece ter-se convertido em moda nalguns sectores da nossa vida política. O feito de ter militado nalgum momento, mesmo fugazmente, no BNG, umha organizaçom com um núcleo importante de militantes ferventes mas sem grande número de afiliados, aparece hoje como obrigada referencia  curricular dum bem nutrido grupo de persoas que ocupam, ou aspiram a ocupar, cargos políticos e institucionais. Ser ex BNG está na moda.

A explicaçom de tam particular fenómeno é para mim um enigma. Mais ainda se temos em conta que o mesmo nom se aplica ao resto das formaçons políticas que operam na Galiza. Nom se aplica, por exemplo, a ex militantes do PP hoje integrados en Ciudadanos e visualizados de algumha maneira como complementares do seu ex partido. Nom se aplica a ex militantes de Anova que hoje militam em Cerna, e som bastantes. Nom se aplica a ex militantes do PP ou do PSdeG que hoje militam em Compromiso por Galicia, alguns deles persoas de muita sona. Nom se aplica a candidatos e candidatas das diversas coaligaçons eleitorais que passarom por as mais variadas formaçons políticas. E desde logo nom se aplica a ex militantes de diferentes partidos que hoje militam no BNG.

Por quê será? 

Será que se espera que a ênfase posta no prefixo (ex) consiga inocular na sociedade a ideia de un BNG em pleno esfarelamento, incapaz de cortar a hemorrágia da saída constante de militantes? 

Ou será que o arquétipo de militante Bloque aparece recoberto do verdete de umha capacidade política superior à das persoas que militam noutras formaçons, um certo cachê, um enfeite de prestígio no currículo persoal?

Umha e outra resposta dam que pensar. E as duas parecem levar ao mesmo cabo.

Ponho um exemplo que pode ajudar a esclarecer a primeira destas questons. 

Que o número de persoas, militantes ou afiliadas, que abandonou o BNG despois da assembleia de Ámio foi elevado e que essa saída deu lugar à formaçom de dous partidos (Encontro Irmandiño e Compromiso por Galicia) som dados bem conhecidos e lembrados com tenacidade. Que a frente nascida da convergência de Encontro Irmandiño com outros grupos (Anova) perdeu ao cabo de um ano, e despois de nom poucos conflitos e sobressaltos, quase a metade dos seus membros, incluída umha deputada e quase toda a direcçom nacional, som dados que mais fácilmente tendem a ser deitados ao esquecimento. Cerna, o fruto dessa fractura, é em rigor um partido de militantes ex Anova, mas a quem importa isso? Da etiqueta “partido que perde militantes” o BNG tem, ou parece ter, a exclusiva.

"Será que se espera que a ênfase posta no prefixo (ex) consiga inocular na sociedade a ideia de un BNG em pleno esfarelamento, incapaz de cortar a hemorrágia da saída constante de militantes?" 

E quanto à segunda questom, a do pedigree ex BNG (e mesmo de ex UPG, como reclamam para si persoas que militaron apenas uns meses nos longínquos anos setenta!), nom deixa também de ter o seu intríngulis. É evidente que em termos eleitorais o Bloque acusou o abandono dum importante contingente de militantes e da ruidosa repercusom mediática que o acompanhou. Mas podemos dizer o mesmo da sua  capacidade de intervençom social? O objectivo de umha formaçom política séria é incidir na marcha da cousa pública, fazer avanzar a sociedade na orientaçom que se considera mais beneficiosa para os sectores cujos intereses se pretende representar, seja desde a assunçom de responsabilidades institucionais, seja desde a intervençom social directa. Que nos últimos dous anos, apesar de ver debilitada a sua representaçom institucional, o BNG  robusteceu a sua presença nos movimentos sociais e o seu actuar político ganhou em coesom som também dados avondo conhecidos. Parece como se o abandono dos hoje ex BNG tivesse significado em certo modo umha perda de lastre, umha merma de peso morto que teria permitido à formaçom nacionalista remoçar a sua anterior hegemonía na trincheira das luitas populares, aquele seu tradicional trabalhar pau a pau com os sectores da sociedade que mais agudamente sofrem e enfrentam a injustiça. Sejam eles marinheiros ou emigrantes, vítimas da usura bancária ou colectivos ameazados por agressons ambientais, trabalhadoras e trabalhadores sobre quem pende a espada de despedimentos, eres, cortes salariais. Seja contra a privatizaçom da sanidade, contra o deterioramento do ensino público, contra a restriçom de liberdades e do direito das mulheres a dispor do seu corpo, aí está o BNG. 

Umha renovaçom estratégica que, junto com a urgência de denigrir o agora adversario, pode ajudar-nos a entender esta curiosa e edípica saudade de quem escolhendo estar na missa onde se oficiam os éxitos eleitorais nom nos deixa ignorar que também soubo, no vigor da mocidade, fazer repinicar os sinos no alto do campanário.
 

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