Opinión

O círculo de Biden

Passam os dias e vai-se apagando a euforia pola saída da Casa Branca de Donald Trump, o tipo de presidente anti-establishment com que ninguém contava. As linhas que agora se escrevem som sobre as dificuldades que está a encontrar a transferência de poderes e sobre a estratégia pouco elegante do próprio Trump de se negar a aceitar a derrota. Mas, ao passo que os primeiros intentos de judicializá-lo todo parecem ter pouco percorrido, o foco está a passar definitivamente para os anúncios sobre à configuraçom do novo governo de Joe Biden, que deverá estar operativo em janeiro.

Nom admira que as primeiras notícias tenham sido para destacar a diversidade étnica e de género. Mais da metade dos nomeamentos feitos correspondem a mulheres, e a procedência nom anglo-saxónia ultrapassa quatro em cada dez novos cargos. Para que o novo governo tenha, asseguram, “o mesmo aspecto que os EUA”. A vice-presidente eleita Kamala Harris representa à perfeiçom a aposta: mulher, de origem indiana e afro-americana, que mesmo poderia vir a ocupar a presidência no caso hipotético, mas factível, de Joe Biden nom conseguir terminar o mandato. Mas é aí que está a questom: fala-se muito do aspectual, da forma, e mui pouco do conteúdo. Seria a primeira vez que umha mulher sentasse aos comandos dos Estados Unidos, o que é, por si próprio, um avanço se comparado com a velha receita WASP (white anglo-saxon protestant), obrigatória até nom hai tanto. Mas já sabemos onde ficárom as promessas de mudança que acarretava o conceito de «primeiro presidente negro» com Barack Obama. É claro que a diversidade nom aumenta o belicismo nem a injustiça social, mas também nom os reduz por si própria.

Mais da metade dos nomeamentos feitos correspondem a mulheres, e a procedência nom anglo-saxónia ultrapassa quatro em cada dez novos cargos. Para que o novo governo tenha, asseguram, “o mesmo aspecto que os EUA”.

Além da grandiloquência dos anúncios, o que nos deveria interessar a nós, na outra ponta do Atlántico, é quanto hai de real na possibilidade de mudanças significativas na predisposiçom de Washington a intervir diretamente em qualquer lugar do mundo e no modo como essas intervençons se conduzirám (porque ninguém discute que as haverá). E nom parece que faga falta esperar muito para saber o que aí vem. Durante a campanha, Biden reuniu uma equipa de mais de duas mil pessoas para o assessorarem em política exterior. É daí que saiu um círculo íntimo que sem dúvida irá marcar a vindoura política exterior dos Estados Unidos. Os nomes desse círculo som bem conhecidos: Antony Blinken, Jake Sullivan, Avril Haines, Brian McKeon e Julianne Smith. Tiveram todos diferentes responsabilidades nos últimos governos democratas. Mas nom só: esses mesmos nomes demonstram já um desembaraçamento das reticências que entom estiveram acima da mesa sobre o tipo de abordagem -mais direta ou mais à socapa- que os EUA deviam seguir no mundo e, particularmente, em Oriente Médio. Como vice-presidente, Biden ficou meio à sombra naquela altura, onde o protagonismo era para Hillary Clinton, mas as suas escolhas agora apontam claramente na direçom de um envolvimento mais frontal e sem rodeios. O que tampouco se oculta, a julgar polas próprias declaraçons que foi deixando nos últimos dias da campanha.

Afinal de contas à palavra de ordem de Trump de engrandecer os Estados Unidos de dentro para fora -que se comprovou falso, mas que existiu como desideratum-, Biden contrapom em aberto um objetivo essencialmente exterior: recuperar o papel de árbitro global que o conceito de “Século Americano” reserva aos Estados Unidos. O problema é que esse século americano durou pouco mais de vinte anos e hai tempo que terminou.

Nada disto permite, portanto, esperar umha abordagem mais diplomática e pausada em relaçom às guerras mais ou menos proclamadas que os EUA livram polo mundo adiante. É verdade que Trump, já em funçons, reuniu a sua equipa de assessores para estudar a possibilidade de lançar um ataque direto contra o Irám (o que parece descartado, polo momento), mas o facto de Biden e a sua equipa nom sofrerem dessa obsessom persa nom os impede de recrudescer o conflito com a China, a Rússia e o eixo da resistência no seu conjunto. Assim as cousas, 2021 será um ano de reorientaçom, nom de relaxaçom. E muito menos de paz.

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