Opinión

No ninho do condor

Cumpre-se o terceiro mês de mobilizações populares contra o governo de Sebastián Piñera, que não poupou força bruta nem barbárie para as reprimir, que recuperou as velhas fórmulas de sequestro e desaparecimento de pessoas da ditadura de Pinochet e que deixou já uma trintena de vítimas mortais e milhares de pessoas feridas. E isso no Chile, o país que se apresentava o mais estável da região. A norte dali, na Bolívia, um golpe de Estado com fios que ligam para escritórios muito longe forçou a demissão de Evo Morales depois de ter ganhado as eleições, e prepara às carreiras a fórmula e as armas para se perpetuar, em meio à contestação do povo que se organiza novamente. Na Venezuela, um ator secundário sem qualquer apoio real no país, mas com os mesmos fios para o mesmo lugar afastado, auto proclama-se Presidente e anda agora em turnê pola Europa à procura de uma legitimidade que o ampare e o tire da irrelevância e o ridículo, enquanto o governo bolivariano continua firme e a avançar, apesar de tudo. Do outro lado da fronteira, depois de décadas de silêncio e chumbo, de milhares de líderes sociais assassinados impunemente, saiu novamente o povo colombiano às avenidas: primeiro aviso. No entanto, mais a sul, o governo fantoche de Lenín Moreno atrapalha-se tratando de impedir que o bloco progressista liderado por Rafael Correa se ponha fim à tarefa de cumprir o programa de avanço que Moreno atraiçoou. No Brasil, a infâmia que ocupa o Palácio do Planalto, tomado por assalto a ponta de fake news, cambaleia-se polas ameaças de impeachment e a reativação da maioria que uma vez colocou um obreiro metalúrgico aos comandos, e pode vir a fazê-lo de novo. Na pequena ilha do Haiti a revolta permanente e sempre invisível mostra um povo que nunca aceitou o seu papel de colónia de escravos. E nem só.

A América Latina é, de sempre, terreno de luta pola soberania, e a sua história está repleta de avanços e retrocessos como os que se decidem estas semanas. Primeiro contra o império espanhol, agora contra o imperialismo transnacional, interessado sempre em expandir os mercados do grande capital e cobiçoso dos imensos recursos naturais da região. É por esses interesses que os EUA justificaram a sua permanente agressão, os inúmeros golpes de Estado promovidos, o Plano Condor e algumas das ditaduras mais sanguinárias — de Pinochet a Videla, de Stroessner a Somoza, de Bánzer a Duvalier, de Trujillo a Noriega. Durante décadas, Cuba foi a única referência para quem sabia que, também na América Latina, outro mundo era possível. Nem o mais obstinado bloqueio norte-americano nem a olhada depreciativa de todos os governos europeus, nem o isolamento provocado por todo aquilo após a queda do bloco socialista conseguiram quebrar a vontade da ilha de se governar para si, de exercer a sua soberania e de tecer relações de igualdade, sem subalternidades nem vencidos.

Depois de décadas de silêncio e chumbo, de milhares de líderes sociais assassinados impunemente, saiu novamente o povo colombiano às avenidas: primeiro aviso

A revolta de Chávez em 1992 e a sua vitória em 1998 abriram uma nova perspectiva. A Revolução Bolivariana transformou a Venezuela num ponto de irradiação daquelas mesmas ideias à volta do exercício insubordinado — portanto, real — da soberania. A luta dos povos latino-americanos por saírem do rumo dos seus ditadores teledirigidos e a determinação firme de unir o espaço político continental à margem de Washington e os seus fios sempre tensos deram lugar à ALBA-TCP, à CELAC, à UNASUR, à MERCOSUR e a uma fase progressista que o imperialismo combate sem descanso desde a virada de século, promovendo novos golpes pola força (Honduras, Paraguai, Bolívia, mas também Venezuela ou Nicarágua) ou retorcendo legislações segundo os seus interesses (Brasil, Equador). Mas a semente foi plantada. E o que observamos hoje é um novo período de lutas, combinação de uma potente mobilização nas ruas e da via eleitoral. E a nós, na Galiza, nada disto nos pode ser alheio. A participação ativa de compatriotas em todas e cada uma das páginas desta história fazem com que, por mais quilómetros que nos separem, estas lutas nos sejam mais próximas e reclamem a nossa implicação em apoio da soberania. A mesma que reclamamos para nós.

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