Opinión

Tambores de guerra

Como a Curros na primeira triada de versos do seu Divino Sainete, “sinto no peito uns afogos / que parece que me morden / sete ducias de cans dogos” ao constatar todos os anos que vivemos, e seguimos a viver, perigosamente nesta modélica (?) transição e sedicente percurso democrático. Considerei sempre que o 23-F não foi um golpe de Estado falido, foi um pronunciamento cuidadosamente preparado, mas que se adiantou por impaciência e nervosismo, que tal vez colheu descolocados os principais indutores que no transcurso da tarde/noite, superada a surpresa inicial e vista a reação popular, o desativaram e retomaram seguidamente para recortar liberdades, ditar leis como a Loapa e apontoar a monarquia. Objetivo conseguido.

Os chats e cartas ao rei de mandos e militares aposentados indicam com clareza a existência no exército de um importante grupo de antidemocratas e acaçapados eventuais golpistas, mais que nostálgicos que invejam e glorificam a Franco dispostos a emular outro glorioso alçamento, pendente tal vez só do discurso de um outro Calvo Sotelo nas Cortes. Anticonstitucionalistas que só tomam da Constituição, ao pé da letra, o trecho no que lhe encomenda a missão de defender a integridade territorial de Espanha, desbotando o resto das obrigas, como o de defender o ordenamento constitucional, da mesma forma que no seu dia desertaram da defensa de território que se considerava nacional como o Sahara. Os assinantes dessas cartas e desses chats, em número que supera os 300, conviveram na sociedade e na vida aquartelaria com o discorrer de uma sociedade que optou pola democracia e incluso alguns deles foram sancionados no seu dia por evidenciar atitudes antidemocráticas, segundo agora se nos informa, o que mostra com clareza o perigo e incerteza na que vive esta sociedade tutelada por um exército de sentimento totalitário, arredor de um monarca do que resulta suspeitoso este silencio perante os chats e sobre todo a carta a ele dirigida, da que polo visto deu traslado ao governo vários dias mais tarde, depois de haver sido uns e outra divulgadas polos meios de comunicação, traslado do que ignoramos o significado, que incluso pode ser o de advertência ao legítimo governo que aqueles alcumam de socialcomunista, carta na que lembram ao rei que “acaso la monarquia no es obra de Franco?” e inda acrescentam “Si no hubiese sido por Franco no estaria V.M. en el trono”. Atitude apoiada por membros de Vox (Olona), “son nuestra gente” e PP (Almeida), “es mas grave pactar los presupuestos con ERC y EHBildu que el chat de los militares retirados” ou tibiamente rejeitada do PSOE (Bono). Há poucos dias no diário Ara publicava-se uma vinheta na que se via a Felipe VI fardado de chefe do exército perguntando a um grande fato de militares “26 millones no será mucha gente?”, ao que os militares fardados também com suas galas e medalhas respondiam “No se preocupe Majestad, nosotros hacemos la faena y después sale Vd. a quedar como un rey”. Uma imagem vale mais que mil palavras.

E inda acrescentam “Si no hubiese sido por Franco no estaria V.M. en el trono”

Outro poder participa do acosso e descredita o governo e as liberdades adotando medidas polo menos inadequadas aos momentos polos que estamos a passar de turbulência social e política alentada por uma direita muito combativa e sem limites. O Poder Judicial no momento no que se pretende buscar soluções ao problema catalão, inabilita Torra, revoga a liberdade condicional aos presos políticos (opinável, pois segundo a Coordinadora da Abogacia constitue um ataque aos DDHH), ou repete contra Otegui o juízo desautorizado polo TSJE. Enquanto a Asociacion de Fiscales regozija-se nos acordos tomados polo TS com notas como “Junqueras se tomará el turrón en Lledones” ou, no caso de Forcadell e Basas, seu reingresso em prisão “de donde nunca tendrían que haber salido”. Sempre se retroalimentarem a Monarquia espanhola com Exército, Igreja, Justiça, poderes económicos e direita extrema.

Há uma coordenação de todas as mentalidades reacionárias do país para desprestigiar um Governo legítimo, de coalizão, com apoios superiores ao 50%, mantendo um equilíbrio interno e atendendo muitos frentes dos que o menor não é o andaço da Covid e ao que não se pode negar o pão e o sal, mas sim opinar, criticar ou discutir com argumentos e rejeitar claramente as vozes maledicentes e desleais que entorpecem sem achegar soluções.

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