Opinión

Catalunya. Pós-verdade

Há poucos dias num almoço de amigos coincidi com um ilustre ex-vice-presidente da Xunta, politólogo, tertulianao  e colaborador em La Voz que, saindo no longo da conversa inevitavelmente o tema catalão, afirmou que a culpa ou responsabilidade da situação atual era da Generalitat, reduzindo de este jeito o problema a um jogo dos políticos no govern; intervim para afirmar que a maioria parlamentar o que fazia era liderar um sentimento popular arraigado em Catalunya desde sempre de desejos de soberania e incomodidade com o Estado espanhol, agravado com Felipe V e que todos os Felipes foram e seguem a ser nefastos para Catalunya; isso provocou uma enxurrada de opiniões contrarias ao anseios soberanistas dos catalães e já com ânimos excitados se misturou a historia e que se nunca Catalunya tivera um rei mentras que Espanha sim os tinha. Ainda hoje Nuñez Feijoo minimiza o sentimento e decissão do povo catalão quando afirma que “a España no la van a tumbar unos cuantos políticos catalanes”

Insisti em opinar que para mim o fundamental é que se um povo, uma comunidade humana com características de nação, numa determinada altura sente a necessidade de governar-se por si mesmo tem direito a obter sua autonomia, pois pouco importa se um povo, ainda que houve-se constituído um reino autónomo em tempos passados,   fica contente integrado em outro reino ou comunidade política, pois por logica continuaria formando parte de esse outro reino ou comunidade política. De todos jeitos, toda aquela opinião unânime negando a Catalunya ter existido como Estado independente, fixo-me lembrar que o escritor judeu Yuval Noah Harari, especialmente conhecido polo seu best-seller “Homo Sapiens”, no último livro, “21 lições para o século XXI”, no capítulo 17 afirma “uma rápida olhada á historia mostra-nos que a propaganda e desinformação não som nada novo, e incluso o hábito de negar nações inteiras e de criar países falsos conta com um longo pedigrí” e designa como “o exercito japonês criou o pais falso de Manchukuo para legitimar as suas conquistas, China nega desde há tempo que o Tibet. existira nunca como pais independente... Em 1.969 Golda Meir pronunciou a célebre frase de que o povo palestino não existe e nunca existiu e a deputada israelita Anat Berk num discurso no Parlamento israel. manifestou sua dúvida de que houvesse existido o povo palestino porque no idioma árabe não existe a letra “p”, ignorando que o nome de Palestina em árabe é Falastin” Na realidade, dize, os humanos sempre viverem na era da posverdade e que “algumas noticias falsas duram para sempre”

E ao fio da pervivencia das noticias falsas  tratei, e trato aqui, de comentar o que se pode considerar período histórico no que se formam as diversas nações na península ibérica, desde a Idade Media e referido a Catalunya.

Se começamos polo mito indicar que São Jordi, patrão de Barcelona, é o herói nacional que levanta sua espada contra o dragão malvado que representa a hegemonia de Castela.

Os feitos históricos som realidade incontrovertível. Desde que polo S.VIII os condados catalães independentes entre si, ainda que com importância sobranceira o de Barcelona, precursores da Catalunya moderna, serviam de parapeito, e recebiam ajuda, do poder carolíngio, chegamos ao ano 890 quando Guifré el Pilos uniu vários condados catalães convertendo-se no primeiro conde independente de Catalunya e no ano 987  o conde Borrel II de Barcelona oficializa a total independência ao negarse a prestar juramento ao primeiro monarca da dinastia dos Capeto. A finais do S. XI o conde de Barcelona  Ramón Berenguer I consolida um Estado feudal que engloba e domina o resto dos condados catalães; e seguidamente expande-se territorialmente incorporando os condados de Besalú, Cerdaña, Ampurias e Provenza e incluso a igreja catalana reestabelece-se na sede de Tarragona.  Os condes de Barcelona (e polo tanto a totalidade do território formado polo resto dos condados catalães e os incorporados) gozam de total independência. Jogando Barcelona a começos do primeiro milênio um papel clave no Mediterrâneo e sendo o idioma catalão o mais falado nos portos mediterrânicos. Em 1.137 o conde Ramón Berenguer IV casa com Petronila de Aragón, filha do rei Ramiro que segundo acorda em capitulações matrimoniais de Barbastro, modificadas três meses mais tarde renunciando Ramiro ao pouco que se reservava , “dono a ti Raimundo, mi hija em matrimonio com todo el reino de aragón integramente...”; unión dinástica na que o Conde Barcelona seguia sendo o supremo poder em todo o território catalão em toda a denominada “Catalonyia viella”, á que seguiu incorporando novos territórios, e também rei de Aragón, polo que a dinastia reinante era a Casa de Barcelona com sede no que atualmente é a Praça do Rei na cidade condal. Em 1.335, no reinado de Pedro IV el Ceremonioso, cria-se a Generalitat de Catalunya. E em 1.410, falecido o Conde de Barcelona e rei de Aragón, Martin I o Humano, sem descendência nem designação de herdeiro, foi nomeado Rei de Aragon polo Anti-papa Benedicto XIII, no chamado compromisso de Caspe, em 1.412 Fernando I de Antequera da dinastia castelã dos Trastamara (como em outras ocasiões se designaram reis de Espanha pessoas estrangeiras de dinastias francesas, italianas, e incluso instituídos por ditadores). Ainda que Catalunya conserva suas instituições políticas,  remata a dinastia autóctone dos condes de Barcelona, começando a introduzir-se também a partir de esse facto em Catalunya o idioma castelhano. Os monarcas da casa dos Trastamara trouxerom a Catalunya uma mancheia de conflitos sociais e políticos, que foram parcialmente resolvidos por Fernando II, chamado (e nunca soube porqué) o Católico, porem agravou-se o declinar catalão no que também influiu o estabelecimento da Inquisição, a expulsão dos judeus e mouriscos e sem que a plata e ouro procedente das colônias americanas chegassem as arcas catalanas.

No ocaso da Casa de Austria, mesmo pendentes de resolução “causas antigas”, e tendo que suportar a guerra entre Espanha e França, Felipe IV com seu valido Olivares trataram de incrementar a centralização do reino, o que provocou  em 1.640 o que se conhece como “Corpus de sangue”, a revolta dos segadores que rematou em 1.641 com a constituição de Catalunya em República com o protetorado de França; em 1651 o exercito de Felipe IV, comandado por dom Juan José de Áustria, entra a sangue e fogo em Barcelona, destruindo três quartas partes da cidade e rematando assim com o secesionismo, fugindo Margarit e demais cabeças do intento de  recuperação da soberania. Felipe IV confirma os fueros catalães e traiciona a Catalunya cedendo a França, sem consulta, os condados catalães do Rosellón e parte do da Cerdaña, dividindo assim, em contra da vontade das instituições do principado, o território catalão.

Triste remate para Catalunha do reinado dos Austrias (ainda falta Carlos II que nem fu nem fa) com esse Felipe IV que faz parelha no sometimento catalán pola força com o primeiro Borbón, também Felipe, mas agora V, que já de inicio manifestou sua decisão de suprimir as instituições tradicionais, que invadiu todo o território catalão capitulando finalmente Barcelona em setembro de 1714.e cumprindo-se a ameaça de abolição das instituições e liberdades catalanas e feche de todas as Universidades, exceto a de Cervera.

Catalunya seguiu vivendo, laborando e iniciando a era industrial, mas sem esquecer suas ânsias de liberdade que se refletiu em varias sublevações nos reinados de Fernando VII, de Isabel II e intentos separatistas na I República espanhola. No reinado de Alfonso XII e posterior regência de Mª Cristina, nasce a Renaixensa e vertebrasse o catalanismo como um movimento político, aprovam-se as Bases de Manresa, germe do futuro Estatuto e pediu-se o catalã como língua oficial;  produz-se a “Semana Trágica”, objeto (OLHO!) de uma repressão duríssima, processando a perto de 2.000 pessoas e ditando 17 penas de morte, das que se cumprirem 5, ocasionando um forte rejeitamento internacional. Cria-se a Mancomunidade de Catalunya cuio texto foi recortado no Congresso (como ocorreu nesta chamada “democracia”), mas com um rei algo mais assisado que o atual, Alfonso XIII aprovou o texto por via do Decreto em 18.12.1914., representando o primeiro reconhecimento por parte do Estado espanhol da unidade territorial de Catalunya desde 1.714. Com Primo de Rivera em 1.924 foi suprimida a Mancomunidade, proibido o uso da língua e da bandeira e os partidos, associações e instituições autóctones. A chegada da II República abriu novos horizontes e resultaria prolixo para este artigo relatar todas as intenções de constituir o Estado Catalã ou República Catalana (isso sim, da sua inteligência da fé que nunca pretenderam constituir-se em monarquia). E já a rebelião militar liderada por Franco que levou a suprimir todos os direitos humanos, incluído o da vida, o fuzilamento do Presidente da Generalitat, Luís Company, entregado polos nazis e o longo silencio dos cordeiros por 40 anos. Nos seguintes 40, de esta pseudodemocracia, sempre tentou Catalunya sua autonomia e também independência (o Estatut rejeitado parcialmente polo Congresso e reprovado igualmente polo TC o novo texto), os intentos de um referendum e sua pratica com resultado esmagador a favor da independência e constituição da República catalã. Já vemos a repressão brutal realizada polas forzas de segurança espanholas e também as consequências  repressoras por parte dos tribunais.

Pois bem, para mim, além dos 423 anos  de vida independente do Condado de Barcelona/Principado de Catalunya, o realmente importante é a teimuda insistência em manter ou recuperar sua soberania nacional, com um povo consciencioso e uns dirigentes capazes de todo tipo de sacrifícios, a vida nuns casos, a liberdade noutros e o afastamento familiar. É um povo que tem todo o direito a recuperar sua soberania e independência, ainda que uma Europa, cada vez mais insolidaria, trate de olhar para outra banda e não reconheça que é um problema da EU não só de Espanha.. Alias que depois da sentença Westminster diga que “recorda outros tempos” e que “Puigdemont será bem-vindo”; que o Financial Times comente que “as condenas a prisão não resolveram o problema”; a Comissão Internacional de Juristas afirme que a sentença “viola os direitos humanos e representa uma grave interferência com o exercício da liberdade de expressão, associação e assembleia”, o Parlamento flamenco solicitando a intervenção da UE; em tanto com coragem os condenados se afirmam no seu proceder e acusam ao TS de mentir na sentença condenatória, como di Jordi Sánchez, que igualmente  adverte que “Marchena fixo a sentença que consagra o conflito político”; ou o abade de Montserrat pedindo a liberdade dos condenados. A questão segue, levam séculos lutando pola sua soberania e demostrando que não ficam contentos dentro do Estado espanhol. Se tampouco a maioria dos habitantes do Estado sentem aprecio polos catalães, a que se espera para deixá-los marchar?. Não, há que machuca-los. Brotes de ódio como o do juiz Llerena reativando a euroorde contra Puigdemont minutos depois de publicar-se a sentencia do TS; ou Roberto Blanco na Voz com o título “Condenas: lo que la mentira esconde”, quando foi ele o tildado de mentiram no próprio “La Voz”, Cartas al Director no que a professora Anna Agustí Farré desmente um artigo apocalíptico no que falava de “brigadas politico-lingüisticas”, sem que chegara a reconhecer seu erro ou rejeitar o desmentido; ou do CS, PP ou Vox incitando á desalificação e toma de medidas drásticas.

 A violência é rejeitada por todo o independentismo que insiste numa resposta massiva e popular, mas pacífica; impossível ás vezes controlar a elementos mais ou menos exaltados, com intenção ou sem ela, porque a ofensa é grande a um povo que só pretende obter, por médio das urnas, sua independência, como tantos outros países em Europa aos que o Estado dominante não nega a possibilidade do referendum e respeitar o resultado. O diário ARA numa editorial expressava como “Não poderão encarcerar as ideias... esta sentença pesará como uma lousa no tanto invocado estado de direito” e noutros claramente manifestava que “a resposta a esta barbaridade jurídica deve voltar a ser pacífica, democrática e cívica”; e não se escapa á opinião de muitos catalães que o que se pretende é culpar ao govern dos distúrbios para facilitar a nova repressão.

Lamentavelmente não é só Catalunya quem vai sofrer, e está a sofrer, os acontecimentos, a onda expansiva já atinge a todos os movimentos soberanistas.

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