Opinión

Leninismo e libertaçom nacional (e III)

Até aqui vimos, de maneira esquemática, o desenvolvimento do pensamento de Lenine avançar ao ritmo dos acontecimentos políticos, sempre estreitamente ligado ao pulso da realidade e das necessidades do avanço da luita revolucionária.

Lenine, a coerência e o compromisso com as luitas nacionais depois de 1917

Até aqui vimos, de maneira esquemática, o desenvolvimento do pensamento de Lenine avançar ao ritmo dos acontecimentos políticos, sempre estreitamente ligado ao pulso da realidade e das necessidades do avanço da luita revolucionária.

"Em escritos como “A respeito do problema das nacionalidades ou sobre a ‘autonomizaçom’” alerta contra a reduçom da igualdade nacional a puro formalismo ou a águas de bacalhau em maos da burocracia partidária russa".

Poderia haver quem acusasse essa evoluçom leninista de simples oportunismo ou instrumentalizaçom da luita dos povos oprimidos. Porém, achamos que a tendência foi antes a contrária. Das declaraçons favoráveis alheias de compromisso prático real dos primeiros anos, o Partido Bolchevique avançou, nom sem contradiçons e mesmo contando com significativas forças proximas do chauvinismo russo ou com escassa compreensom da importáncia da questom nacional. Lenine situou-se aí à frente da corrente mais comprometida com os direitos nacionais dos povos oprimidos polo Império Russo e, umha vez tomado o poder, a sua identificaçom com essas luitas nom deixou de aumentar, em contradiçom com setores importantes da dirigência bolchevique.

De facto, os primeiros anos de política revolucionária no poder supugérom um salto sem precedentes no grau de reconhecimento desses direitos, incluindo o acesso de dúzias de línguas ao sistema de ensino, a criaçom de instituiçons nacionais próprias e o reconhecimento da independência da Finlándia (1917) primeiro e da Polónia, Estónia, Letónia e Lituánia a continuaçom (1918).

Também supugérom, na última etapa da sua vida, um dos motivos do confronto de Lenine com um setor da dirigência do partido, encabeçada polo georgiano Josif Staline (Comissário do Povo para as Nacionalidades), nos anos 1922 e 1923, com motivo da política aplicada na Geórgia, passando por cima dos critérios dos próprios dirigentes bolcheviques georgianos (14) para impor um aparelho de Estado centralizado e unificado. Em escritos como “A respeito do problema das nacionalidades ou sobre a ‘autonomizaçom’”(15) alerta contra a reduçom da igualdade nacional a puro formalismo ou a águas de bacalhau em maos da burocracia partidária russa. Aponta para os exageros dos dirigentes bolcheviques de origem georgiana nessa direçom (Staline, Dzerzhinski, Ordzhonikidze…) lembrando que “os nom russos russificados sempre exageram quanto às suas tendências puramente russas”.

Com as suas contradiçons e medidas concretas discutíveis no calor de umha etapa convulsa marcada polas agressons permanentes do imperialismo ao novo poder soviético e a premente necessidade nom concretizada de que a revoluçom se espalhasse em novos povos europeus (16), nom há dúvida sobre o caráter fundante e em muitos aspetos verdadeiramente revolucionário das políticas bolcheviques em matéria de direitos nacionais, culturais e lingüísticos (17). Principalmente na primeira década de política revolucionária, fôrom adotadas todo o tipo de medidas inéditas de reconhecimento efetivo da diversidade a partir da instauraçom de 15 repúblicas.

"O papel histórico de Lenine à frente do movimento revolucionário mundial no primeiro quartel do século XX abriu passagem para a compreensom e o lançamento de luitas nacionais um pouco por todo o planeta".

O percurso vital e político de Lenine enfrentou-no a um cenário revolucionário num palco imprevisto polo marxismo “clássico” (o Império Czarista), caraterizado pola imensa diversidade nacional (18), numha etapa de mundializaçom imperialista e de forte irrupçom das luitas nacionais como sujeito político imprevisto. O olfato político e as convicçons democráticas de Lenine levárom-no a assumir, teorizar e somar esse novo sujeito ao projeto revolucionário, enfrentando as evidentes circunstáncias adversas de um cenário marcado pola guerra civil e a ameaça exterior à continuidade revolucionária.

Porém, também se viu obrigado a enfrentar as carências do próprio Partido Bolchevique na assunçom das inovadoras teses leninistas no plano nacional, um Partido Bolchevique maioritariamente formado por dirigentes e quadros russos ou russificados e insuficientemente sensíveis ao verdadeiro reconhecimento dos direitos nacionais das naçons nom russas incorporadas ao Estado plurinacional soviético. Fruto do caráter fortemente centralizado do partido em torno do proletariado propriamente russo (a maior parte das naçons oprimidas polo Império Russo careciam de fortes movimentos operários), a revoluçom foi desde o início muito condicionada por esse predomínio.

Hoje é fácil comprovar a razom objetiva de Lenine ao se preocupar com a tendência à progressiva russificaçom por parte da ascendente burocracia soviética. Com a implosom da URSS, o ressurgimento de movimentos disgregadores deixou em evidência a subsistência das brigas nacionais nom resolvidas no seu interior.

Depois de Lenine… A luita nacional à frente nos processos revolucionários do século XX

O papel histórico de Lenine à frente do movimento revolucionário mundial no primeiro quartel do século XX abriu passagem para a compreensom e o lançamento de luitas nacionais um pouco por todo o planeta. O papel dos povos oprimidos no programa bolchevique, defendido sobretodo polo próprio Lenine, foi seguido da independência irlandesa, ratificando a posiçom de Marx perante o conflito já em meados do século anterior. Esse foi só o início de toda umha série de processos revolucionários com protagonismo dos povos oprimidos como sujeito político num palco internacional caraterizado pola hegemonia imperialista. Revoluçons de forte conteúdo nacional como a chinesa, a vietnamita, a coreana ou a cubana, mas também processos de libertaçom nacional como o argelino, o angolano, o congolês, etc. Com maior ou menor êxito, o facto nacional continua a ser central nas luitas que continuam hoje diante dos nossos olhos.

"Ernesto Che Guevara e o africano Patrice Lumumba, ambos assassinados polo imperialismo e seguidores da teoria leninista da libertaçom nacional".

Teóricos como Ho Chi Minh e experiências como a vietnamita nom só dérom continuidade à teorizaçom leninista, como lhe dérom novos contornos e ultrapassárom as suas limitaçons. Ninguém duvida hoje do acertado da ruptura do movimento comunista de libertaçom nacional no Viet Name com o Partido Comunista Francês. Tese defendida por Ho, por sua vez fundador do PCF em 1920, que denunciou abertamente os preconceitos do proletariado das metrópoles e o papel rendista dos estados coloniais, verdadeiros parasitas em relaçom aos povos colonizados (19).

O mesmo pode dizer-se doutros revolucionários ao longo do século XX, entre os quais só referiremos dous casos sobranceiros: o latino-americano Ernesto Che Guevara e o africano Patrice Lumumba, ambos assassinados polo imperialismo e seguidores da teoria leninista da libertaçom nacional.

Nom corresponde nestas páginas abordar as luitas anti-imperialistas de libertaçom nacional ao longo do século XX, mas sim apontar a vitalidade das mesmas tanto nos quadros de luita estritamente coloniais como nos neocoloniais; tanto na periferia do sistema mundo e como nos centros do capitalismo mundial, que na atualidade atravessam umha profunda multicrise, confirmando a progressiva decadência e degeneraçom de um modo de produçom completamente mundializado e crescentemente financeirizado.

Sem que isso justifique qualquer isençom da dura tarefa de criaçom de pensamento próprio, tal como o próprio Vladímir Ilich se viu obrigado a fazer durante a sua trajetória militante, achamos imprescindível o estudo intenso e aprofundado do seu pensamento ainda nos nossos dias. Como fonte imprescindível para umha adequada e efetiva aplicaçom do marxismo à Galiza do século XXI, sem cópias nem mímeses absurdas, o leninismo deve fazer parte da muniçom teórica para a luita de libertaçom nacional de naçons oprimidas polo imperialismo como é a Galiza dos nossos dias.

Notas

14 Nom pode deixar de indicar-se o antecedente da invasom da República da Geórgia (na altura sob governo menchevique, com independência reconhecida a partir de 1920) polo Exército vermelho em 1921, com acordo do conjunto da direçom bolchevique (incluídos Lenine, Staline e Trotsky), seguida da sua sovietizaçom forçada. Em nossa opiniom, tratou-se de umha atuaçom antidemocrática que sentou as bases dos problemas que se seguírom, como a intervençom chauvinista-burocrática dirigida por Staline contra o critério de Lenine em 22-23 ou a insurreiçom dirigida polos maioritários mencheviques georgianos contra o poder bolchevique em 24.

15 Notas de 30 e 31 de dezembro de 1922, dentro da “Carta ao Congresso” ditada por um Lenine convalescente à secretária entre 23 e 31 de dezembro desse ano.

16 Poderia citar-se a errada e fracassada decisom de conduzir o Exército Vermelho às portas da capital polaca em 1920, como resposta à prévia invasom polaca do território ucraniano. A decisom contou, na direçom bolchevique, com o apoio de Lenine e o voto contrário de Staline e Trotsky.

17 Umhas políticas que, entre outras cousas, reduzírom o analfabetismo no conjunto da Uniom à mínima expressom em duas décadas, veiculando o ensino nas línguas próprias que, em muitos casos, fôrom escritas pola primeira vez com a sua institucionalizaçom polo novo poder soviético.

18 Ainda na atualidade se estima acima da centena o número de naçons existentes no interior do que fôrom as fronteiras da URSS.

19 Haverá que lembrar que Lenine enfrentou já em tempos da II Internacional as tendências de algunas correntes socialistas europeias para assumir umha “política colonial socialista”, através da qual humanizariam os efeitos do colonialismo em simultáneo com umha “política civilizadora” em relaçom aos “povos atrasados” colonais. No Congresso de Stuttgart de 1907, o holandês Van Kol, fundador do Partido Social-Democrata desse país, chega a perguntar aos anti-imperialistas “querem renunciar, ainda que seja no presente, às riquezas incalculáveis das colónias?”. O próprio Lenine, que reconhece o proletariado europeu como beneficiário em parte do espólio colonial, avalia o debate nesse mesmo ano, no seu texto “O Congresso socialista internacional de Stuttgart”.

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