Opinión

A nova era da política em Portugal

Durante os últimos anos, em que Portugal se viu especialmente atingido pela crise económica e pela política de austeridade


Durante os últimos anos, em que Portugal se viu especialmente atingido pela crise económica e pela política de austeridade, era habitual citar o país como o “bom aluno” da troika e assinalar a ausência de grandes alterações do cenário político, ao contrário do que ocorria em países como Grécia ou Espanha. Os acontecimentos das últimas semanas têm mostrado, no entanto, que os efeitos das opções políticas adotadas na última legislatura (liderada pela coligação conservadora PSD-CDS), poderão ter sido, afinal, maiores do que se pensava. 

Embora uma primeira leitura dos resultados das eleições de 4 de outubro pudesse fazer crer que tudo estava na mesma, o desenrolar dos acontecimentos mostrou que, no fundo, muita coisa mudou. As primeiras notícias salientarem que a coligação PSD-CDS teve mais votos, mas o certo é que, juntos, os dois partidos tiveram um dos piores resultados da história da democracia portuguesa (37%). Ao mesmo tempo, o Partido Socialista, que parecia ter tudo a seu favor para ser o grande vencedor das eleições, viu-se também afetado por um descrédito que é transversal à social-democracia europeia, obtendo um resultado aquém do esperado (32%). Por sua vez, os partidos à esquerda do PS, Bloco de Esquerda (10%) e Partido Comunista (8%), registaram os melhores resultados das últimas décadas. Assim, embora de forma menos acentuada do que em outros países, em Portugal também assistimos a uma fragmentação do voto que impossibilitou maiorias absolutas e tornou essencial a criação de acordos pós-eleitorais para formar governo.

Pela primeira vez desde 1975, assistimos a uma aproximação dos socialistas aos partidos à sua esquerda

Mas a grande mudança ocorrida nas últimas semanas foi sobretudo de estratégia: pela primeira vez desde 1975, assistimos a uma aproximação dos socialistas aos partidos à sua esquerda. Depois de 40 anos de costas voltadas (desde as tensões do período revolucionário), PS e PCP colocaram finalmente as diferenças de lado e sentaram-se à mesma mesa para negociar um programa de governo. O mesmo aconteceu com o Bloco de Esquerda. O acordo alcançado entre o PS e os partidos à sua esquerda é inédito e é ele próprio o resultado da dura política de austeridade a que o país foi sujeito durante a última legislatura, que tornou urgente uma alternativa.

Apesar de assente numa maioria parlamentar, este acordo à esquerda foi, no entanto —e num precedente perigoso— impedido pelo Presidente da República de formar governo. Aníbal Cavaco Silva preferiu indigitar como primeiro-ministro Pedro Passos Coelho, líder do PSD. Mas o governo da coligação de direita, que tomou posse esta sexta-feira, arrisca-se a ser o mais curto da história da democracia portuguesa, uma vez que tem à vista moções de rejeição que deverão derrubá-lo já no próximo dia 10 de novembro. Neste momento, e embora estejamos a viver uma época em que tudo parece difícil de antecipar, o mais provável é que o líder do PS, António Costa, acabe por ser chamado a formar governo, com o apoio dos partidos à sua esquerda.

Num país habituado aos “consensos” e ao “são todos iguais”, muitos comentadores lamentaram a inusual polarização da nova era da política portuguesa

Outro resultado é que, pela primeira vez em muitos anos (provavelmente desde o período revolucionário), a política voltou a ser o grande tema de debate em Portugal. Num país com um dos mais baixos índices de interesse pela política da Europa e onde a taxa de abstenção bate sucessivos records, os canais de informação atingiram máximos de audiência durante o mês de outubro. Nas últimas semanas debateu-se a Constituição, falou-se dos poderes do Presidente da República, discutiu-se o papel do Parlamento ou o sistema eleitoral. Conversou-se sobre os programas dos partidos e tratou-se de entender o que, afinal, une ou afasta as diversas forças políticas do país. Discutiu-se a integração de Portugal na União Europeia e até a NATO. 

As últimas semanas serviram mais para esclarecer os portugueses sobre os seus representantes partidários do que a própria campanha eleitoral, onde muitas vezes se debitam soundbites de intenções vazios de conteúdo. Num país habituado aos “consensos” e ao “são todos iguais”, muitos comentadores lamentaram a inusual polarização da nova era da política portuguesa, esquecendo que o confronto ideológico é fundamental numa verdadeira sociedade democrática esclarecida. Por isso, apesar de hoje o futuro do país ser ainda incerto, a verdade é que já estamos melhor do que antes.

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