Opinión

O 1 de abril foi o fim do sistema das quotas lácteas?

Teoricamente e legalmente, sim, mas na realidade não é assim. Imos por partes.

O 1 de abril foi o fim do sistema das quotas lácteas?

Teoricamente e legalmente, sim, mas na realidade não é assim. Imos por partes.

Antecedentes

A Política Agrária Comum (PAC) implantada nos anos 60 do século passado foi o instrumento do que se dotou o Mercado Comum Europeu com o objetivo de abastecer o seu mercado, depois de padecer a segunda guerra mundial, para o que se estabeleceu um sistema de subsídios e de preços garantidos com o fim de fazer crescer a produção. O resultado dessa política conduziu a que a finais dos 80 o MCE se encontrara com grandes excedentes. A gestão desses excedentes provocou um elevado gasto, chegando a supor o 60% da despesa comunitária. Para evitar que os excedentes seguiram a medrar e controlar a produção ideou-se o estabelecimento do sistema de quotas.

Quando o Estado espanhol passa a fazer parte da CEE, já estava implantado o sistema de quotas lácteas. Na Galiza o intento da sua aplicação gerou um grande movimento de contestação, e a constituição da Plataforma em Defesa do Setor Lácteo Galego, da que faziam parte todas as organizações agrárias e políticas do País, a exceção da social-democracia espanhola (PSOE e UA-UPA).

Na Galiza o intento da aplicação da quota láctea gerou um grande movimento de contestação, e a constituição da Plataforma em Defesa do Setor Lácteo Galego

O primeiro intento para a sua implantação foi o 28 de dezembro de 1992, a meio de uma carta que enviou o ministro de agricultura Pedro Solbes, a todas as pessoas titulares de granjas leiteiras. Perante dessa carta, o sindicalismo agrário nacionalista organizou uma campanha de contestação, sendo o único que se opus frontalmente a esta agressão mediante a apresentação de um recurso, o que provocou o colapso dos seus locais. Finalmente no ano 1998, pode-se dizer que a sua implantação foi definitiva, mas depois de muitas mobilizações, tratoradas e repressão por parte do Governo do PP de Fraga, mediante a imposição de elevadas multas a quem nos opúnhamos à sua aplicação, amais da deserção das organizações agrárias de obediência espanhola.

Como referência, o Plano Setorial Lácteo Galego do ano 1991, do governo Fraga e sendo conselheiro de Agricultura Romai Beccaria, refletia que Galiza contava com 107.000 granjas de leite e somente o 4 por cento tinham mais de 20 vacas, patamar que se estabelecia como ideal. A imposição do sistema de quotas, para a nossa nação, supôs cercear as possibilidades de um crescimento endógeno e ordenado, que deste jeito ficou totalmente exposto a decisões alheias, com a cumplicidade dos governos galego e espanhol.

Historicamente o sindicalismo agrário nacionalista sempre foi favorável ao controlo da produção, mas a diferença do sistema de quotas, que se assentava nos direitos históricos dos territórios que já tinham tradição na produção leiteira e que não garantia preços, a nossa proposta passava pelo estabelecimento de uma produção mínima, para cada uma das pessoas ativas, ligada a um preço mínimo. O objetivo era que quem se dedicara à produção de leite tiver assegurada uma renda mínima para poder viver dignamente.

Crise de 2009

No ano 2009, aliás o sistema de quotas, e digo isto para os seus defensores, toda a UE padeceu uma grave crise de preços. Crise que levou á Comissão Européia a constituir um “Grupo de Alto Nível sobre o leite (GAN)”. O GAN elaborou um informe com sete recomendações, das que são de destacar a constituição de Organizações de Produtores/as Lácteos, fortalecer o poder de negociação do setor produtor e impulsar os contratos por escrito. Estas recomendações traduzir-se-ão no Estado espanhol no Pacote Lácteo. O que passa é que o próprio GAN já reconhecia daquela o “desequilíbrio no poder de negociação entre granjeiros/as e as centrais leiteiras”. Hoje pode-se dizer, sem medo a nos equivocar, que estes desequilíbrios são ainda mais notáveis, como se demonstrará mais adiante. 

Fim do controlo da produção, PAC 2014-2020

Da experiência do passado nada se aprendeu, porque a opção que se adotou com a aplicação da nova PAC para o período 2014-2020 no sector lácteo foi a mais ultra-neoliberal: a liberalização da produção.

Há grande consenso a respeito das repercussões que esta medida pode provocar no seio da UE; por um lado vai supor um acrescentamento considerável da produção naqueles estados que já hoje são grandes produtores, e por outro este aumento virá acompanhado duma maior volatilidade nos preços. Perante esta situação não se descarta que, a meio prazo, se produza outra forte crise de preços na UE. Nestes momentos na Galiza essa crise já a levamos arrastando desde há mais de um ano, com os preços mais baixos de todo o Estado espanhol, quando estes já são dos mais baixos da UE.

A dia de hoje pode-se afirmar que o que desapareceu foi a super-taxa, ou multa por ultrapassar a quota assinada, mas não as quotas ou tope de produção

Outra das conseqüências que vai ter a desaparição deste sistema para a maioria das granjas galegas é a descapitalização do seu inventariado. A maioria delas viram-se obrigadas a comprar quota para garantir que lhe recolheram o leite, devido ao desfase que havia entre produção e quota disponível, derivado da escassa quota que lhes correspondeu quando se implantou o sistema, e hoje esse investimento ficou reduzido a valor zero por uma decisão política.

A dia de hoje pode-se afirmar que o que desapareceu foi a super-taxa, ou multa por ultrapassar a quota assinada, mas não as quotas ou tope de produção. Hoje são as empresas transformadoras as que estão a impor um tope de produção e por riba do qual não garantem a recolhida ou se o levam é a preços ínfimos, com o agravante de que com a escusa dos possíveis excedentes os preços que estão a impor não chegam a satisfazer os custes de produção.

Futuro

Galiza está entre as nove melhores zonas de Europa para produzir leite, devido às suas condições agro-climáticas, o que proporciona umas características idôneas para a produção de forragens para alimentar as nossas vacas. Devido a esta característica hoje Galiza é a primeira potência produtora de todo o Estado espanhol, Estado por outra parte deficitário em leite e derivados lácteos. O lógico seria que o mercado espanhol pudera ser abastecido desde Galiza e que os preços do nosso leite não foram os mais baixos do Estado. Algo deve falhar, porque a lei base do sistema capitalista não está a funcionar: a da oferta e da demanda.

Hoje são as empresas transformadoras as que estão a impor um tope de produção e por riba do qual não garantem a recolhida ou se o levam é a preços ínfimos

E não está a funcionar porque o que realmente funciona no capitalismo monopolista é a lei da selva; o grande papa-se ao pequeno. Para intentar equilibrar este funcionamento desequilibrado do sistema, dentro dele, o que se necessita é a intervenção das administrações. 

Galiza necessita que o Governo galego constitua, de uma vez por todas, uma Inter-profissional Láctea Galega, como lugar onde chegar a acordos firmes e estáveis entre as partes que atuam no setor. Produto desses acordos têm de resultar uns Contratos Homologados que garantam cobrar uns preços que quando menos satisfaçam os custes de produção.

Galiza necessita que o Governo galego constitua, de uma vez por todas, uma Inter-profissional Láctea Galega, como lugar onde chegar a acordos firmes e estáveis entre as partes que atuam no setor

Para fazer que os custes de produção não se disparem e não fiquem dependentes das flutuações dos preços das matérias primas, faz-se necessário atuar decididamente sobre o fator terra, favorecendo a sua mobilidade, impedindo a florestação de terras agrárias e procedendo á orientação de cultivos.

Por último, deve-se seguir insistindo em que Galiza tem de contar com instrumentos para regular o mercado do leite, mediante a constituição de indústrias próprias de base cooperativa e com a participação da administração, a diversificação com produtos de maior valor acrescentado, assim como dispor de projetos sérios para contar com uma torre de leite em pó.

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