Opinión

O discurso dos distantes (para uma ética do consumo)

O leitor pode-se perguntar a razão de escrever sobre consumo desde a óptica dum amateur da poesia. Nestas linhas, tento exprimir um discurso ético derivado da minha profissão de comercial. Posso experimentar qual é o comportamento da sociedade de consumo e de que modo repercute nos processos da criação.

Estamos experimentando uma desumanização da sociedade. A interação social dentro do plano comercial é importante. Comprando por internet estamos tirando com futuros postos de trabalho. Eis o mundo que estamos a construir, o legado que vamos deixar aos nossos filhos.  

Com isso não quero ir contra do progresso; quero talvez dar uma resposta madura analisando o comportamento da sociedade de consumo que estamos a viver.

Comprando por internet estamos tirando com futuros postos de trabalho. Eis o mundo que estamos a construir, o legado que vamos deixar aos nossos filhos

A humanidade nunca estive tão bem comunicada e informada. A conectividade generalizada faz que haja um consumidor mais inteligente. Antes de fazer uma compra consulta por diferentes meios os preços. Procura on line a sua melhor opção.

Devido a globalização, o tradicional desaparece. O auge de internet mudou o modo de comprar.

Há um sector da povoação que fez uma mudança dos seus hábitos de consumo por dificuldades econômicas. Devido ao desemprego, os consumidores tendem a aforrar nos sectores de ócio, luz, roupa, telefonia, eletricidade. Como a gente começa por sair menos, há estabelecimentos que chegam a pechar.  Há uma mudança da sociedade. A informação é o motor da mudança social. O desenvolvimento das grandes áreas comerciais, e também o comercio electrónico em portais como Amazon, supõe uma ameaça para os comércios minoristas de cercania. 

O poder económico subjuga à ética e a relega ao lugar da insolvência. A estética cobra valor como imagem do capital. Vende-se uma fachada ou postureo, uma forma de ser, um veredicto de aceitação social.

O desenvolvimento das grandes áreas comerciais, e também o comercio electrónico em portais como Amazon, supõe uma ameaça para os comércios minoristas de cercania

 

Tenho, logo existo (Pérez Rubio, 2003)

Há uma estética da estandardização e recâmbio onde o novo é correto e belo, o de ontem é repudiado.

A globalização compreende qualquer âmbito; oferecem-se como moeda de câmbio objetos inovações e mutações que dão  ao homem finito uma ilusão de completitude. Uma sensação a durar o tempo que tarda em debitar uma conta corrente.

Falemos da sociedade de consumo, da fragilidade do efémero onde tudo é transitório, onde há que se atualizar constantemente para fazer parte.

Quando na sociedade atual nem a religião, as ideologias, a política e os velhos laços da comunidade não podem oferecer uma base de identificação, nem um fundamento suficiente aos valores; eis então o mercado.

O mercado proporciona-nos um valor para restabelecer os deuses desaparecidos. A Cultura de massas não tende unicamente a desvalorizar a cultura popular. Vai a sua aniquilação.

Num país de mais de seis milhões de parados, as empresas que mais trabalhadores empregam são os comércios minoristas.

O mercado proporciona-nos um valor para restabelecer os deuses desaparecidos

 

Precisamente são os que sofrem a pancada da crise a causa dos problemas para competir com as grandes superfícies. O gigante de Amazon está a fazer estrago no comércio tradicional. Em último termo quere converter-se numa plataforma de transporte e logística a nível mundial. É um projeto denominado Dragon Boat. Desta maneira, quere desbancar aos intermediários e tomar o controlo absoluto de cada produto que vende.

O problema é que chegue um gigante como Amazon e o fagocite tudo, impondo as suas condições. É uma ameaça que pode acabar com o comércio de proximidade.

As vantagens do pequeno comércio estão em que são fundamentais para a saúde da comunidade. É habitual que os proprietários vivam na zona e que consumam nas lojas ajudando a acrescentar a economia local.

O dinheiro gastado no centro comercial sai da comunidade de imediato.

O comércio local atua como meio de coesão social. Favorece a interação com os vizinhos. De outro modo haveria pessoas, sobre tudo as anciãs, que não conversariam com ninguém em todo o dia.

O cliente tem um trato pessoalizado nos comércios de proximidade. O livreiro ajuda ao cliente a eleger o livro que necessita. Um comércio de iluminação e material elétrico aconselha-nos que tipo de lâmpada é mais adequada para o nosso quarto. 

Mas é difícil lutar contra o pulso atual da sociedade. A pós-modernidade faz que o social caia ao valeiro. O que Lipovetsky chama: lógica do valeiro. 

Está da nossa mão apartar-nos da cegueira própria da pós-modernidade. Plantar rosas na barbárie, em palavras de Luís Serguilha, para distanciar-nos das consequências negativas da globalização. Existe a possibilidade de tomar outro rumo a nível individual. Cada um, dentro das suas possibilidades.

No interior de todo um amateur da palavra, da ficção literária, da poesia, há um lugar para uma ética do distante. É um modo de fugir da barbárie, de nos tornar mais humanos, de acrescentar o que Karl Marx dizia: A capacidade do homem de produzir história

Em palavras do poeta brasileiro Talvanes Faustino:

Este homem é menos violento, mais introspectivo, mais culto. E sendo a violência o argumento dos ignorantes, o homem leitor de poesia deixa de usar tal argumento. Ler poesia é um importante passo na direção da evolução da sociedade para a constituição de dias melhores para você e para mim.

Este é para mim papel fundamental do discurso poético, já que defendo a poesia como uma faca secionadora da realidade, recuperando a sua capacidade de conjura da emoção para ajudar a abrir janelas ao mundo que nos é negado. O poeta não tem que ficar unicamente num plano contestatário, deve propor mudanças importantes para reagir dum modo natural a todo o que nos afeta.

Defendo a poesia como uma faca secionadora da realidade, recuperando a sua capacidade de conjura da emoção

 

A poesia sem emoção, sem o poder transformador da realidade para a outra realidade, é apenas uma listagem de palavras vácuas. Leva-nos ao território onde não há profundidade de visão, onde tudo vale como instrumento de intercâmbio comercial.

Fico na solidão do intermúndio,

convivendo com a geografia visionária

das minhas viagens

É o tecido espesso

que há de conformar a minha história,

a nossa história

cimentada pela nova estirpe do terror.

(Luís Mazás, Três tempos, Q de Viam Cadernos, 2016)

Bibliografia recomendada:

Entre la ética y la estética en la sociedad de consumo. La responsabilidad profesional en diseño y comunicación. 

Sebastián Gil Miranda (Cuadernos del Centro de Estudios de diseño y comunicación, nº23 ano VII, vol 23. Junho 2007, Buenos Aires, Argentina.

Ensayos de semiótica poética. Algirdas Julien Greimas. Ed. Planeta

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